Moradores do norte de Israel temem ameaça do grupo libanês Hezbollah tanto com expansão da guerra quanto com cessar-fogo

Um homem judeu ultraortodoxo carrega uma arma durante o funeral de uma mãe e um filho israelenses mortos depois que um míssil disparado do Líbano atingiu uma casa na comunidade fronteiriça de Kfar Yuv
Um homem judeu ultraortodoxo carrega uma arma durante o funeral de uma mãe e um filho israelenses mortos depois que um míssil disparado do Líbano atingiu uma casa na comunidade fronteiriça de Kfar Yuv — Foto: Photo by jalaa marey / AFP

Israel ainda tentava organizar uma resposta coordenada à invasão do Hamas no sul e a população civil começava a entender a extensão do atentado terrorista de 7 de outubro, quando o céu do norte do país foi riscado pelo rastro de foguetes. Um dia após entrar em guerra com o grupo terrorista no poder em Gaza, o país estava diante de um segundo front no conflito, na fronteira com o Líbano e com a Síria.

Cinco meses passados da agressão inicial, a guerra no norte mantém-se em uma espécie de transe. Há troca de chumbo diariamente, mortes civis foram confirmadas dos dois lados da fronteira e comunidades inteiras foram esvaziadas. Em cada lado das colinas, a espera é pelo próximo movimento de inimigos conhecidos — de um lado, as Forças Armadas de Israel (FDI), do outro, o Hezbollah. Apesar dos bombardeios e escaramuças, a sensação geral é de que o conflito ainda está para começar.

— Estamos em guerra aqui [no norte], mas é evidente que o Hezbollah não está usando toda a sua capacidade contra nós, assim como as FDI não estão usando força total contra eles — afirmou a tenente-coronel da reserva Sarit Zehavi, ex-analista de inteligência do Exército e fundadora do Alma Center, centro de estudos geopolíticos.

Moradora de uma comunidade a cerca de 8 km da Linha Azul, que divide Israel e Líbano, a analista afirma que o ataque de 7 de outubro, lançado pelo Hamas, mexeu com a percepção de segurança da população israelense, criando uma espécie de paradoxo, em que acordos de paz, no norte ou no sul, assustam tanto quanto a guerra.

— O pior cenário para mim sempre foi o de uma guerra. Hoje, eu estou muito mais assustada com um cessar-fogo — disse Sarit. — Tenho medo de que sejamos esquecidos. Tenho medo de que se assine um cessar-fogo que permita o Hezbollah manter suas capacidades e escolher a hora de realizar outro massacre.

Quando o Hezbollah disparou os primeiros foguetes em direção ao território israelense, em 8 de outubro, porta-vozes do movimento descreveram a ofensiva como um gesto de apoio ao Hamas. Embora as ações do grupo libanês não tenham evoluído para além dos disparos, em comunidades da fronteira e nos centros de decisão em Jerusalém, naquela altura, a espera era por uma invasão nos moldes da lançada de Gaza.

Em Kfar Blum, kibutz localizado a cerca de 6,5 km da fronteira, na região da Alta Galileia, quase todos os moradores deixaram suas casas nos primeiros dias de guerra. Após uma semana, só cerca de 25% dos moradores permaneciam no local.

— Quando soubemos o que aconteceu no sul, pensamos em defender o nosso kibutz, mas não tínhamos meios para isso. Só havia uma arma disponível, e uma pessoa ficou designada de circular e defender a todos — disse o chef de cozinha Yiftach, de 49 anos.

Em um movimento contrário ao da maioria, Yiftach e outros vizinhos que estavam fora do país no dia do ataque resolveram voltar para casa. Em contato com o Exército, o kibutz cedeu armas e autorizou a criação de um “grupo de resposta rápida”: 30 homens, a maioria reservistas fora de idade de recrutamento, compõem a força local.

Em uma sala de reuniões que faz as vezes de quartel-general da equipe de defesa do kibutz, outros integrantes da equipe portam fuzis M16 enquanto falam com repórteres ao cair da noite. A vida pregressa de muitos deles não tem a ver com a função que exercem agora. É o caso de Amir, de 48 anos. Doutor em biologia, ele fazia uma pesquisa de PhD em células tronco, quando decidiu abandonar tudo, ao menos temporariamente, para cuidar de casa, da família e ajudar na proteção com os vizinhos.

— Vivemos uma vida sequestrada. Minha família está dormindo no chão, no abrigo que temos em casa, desde o dia que isso tudo começou — disse Amir, o mais discreto entre os porta-vozes do grupo.

A equipe mantém contato direto com o Exército por meio de um grupo de WhatsApp. Eles são responsáveis por coordenar o plano de evacuação do kibutz em caso de invasão e pela proteção diária da comunidade. Sem tropas para combater, a principal função acaba por ser manter as pessoas alertas sobre os protocolos quando há avisos de bombardeio — embora a maior preocupação no momento seja com mísseis antitanque, que por fazerem uma trajetória em linha-reta não são interceptáveis pelo Domo de Ferro, e com drones suicidas.

— Dois drones foram vistos perto daqui. Não atingiram nada no fim das contas, porque foram abatidos antes. Mas cada vez mais eles estão aparecendo pela região — disse Yiftach. — Você dificilmente conseguiria [se defender de um drone]. Você tem que se esconder.

No outro canto do quartel-general improvisado, o ex-integrante das forças especiais Udi, de 46 anos, observa a fala dos colegas e faz seus próprios apontamentos sobre a dinâmica do conflito, o qual avalia estar prestes a se ampliar. Questionado qual a chance de uma guerra em larga escala acontecer no norte, de 0 a 10, Udi, o ex-integrante das forças especiais responde: “onze”.

O cenário que se seguiu não confirmou as piores expectativas — o que não significa que não houve uma deterioração das condições de segurança. Até 5 de março, 90 mil pessoas deixaram o sul do Líbano, enquanto 60 mil foram retiradas de 48 comunidades no norte de Israel. O Exército diz que 11 soldados e oito civis morreram, enquanto dizem ter eliminado 300 terroristas e 5 mil alvos do Hezbollah no Líbano e na Síria.

O Ministério da Saúde do Líbano noticiou, até a data, 306 mortes confirmadas, sendo ao menos 51 civis. O governo local também denuncia ao menos um ataque a um hospital em Adaisseh.

Embora tenham uma raiz comum, as crises no norte e no sul têm dinâmicas tão diversas que a percepção sobre elas é diferente tanto para civis quanto para militares. No sul e nas principais cidades, como Tel Aviv, a pressão nacional sobre o governo para sobre a libertação dos reféns admite um compromisso para o fim do conflito em Gaza. À medida que se vai ao norte, a sensação é de que uma saída militar é inevitável.

— Alguma coisa vai acontecer. Só não sabemos quando e nem como — afirma Yiftach.

No outro canto da sala de reuniões que faz as vezes de quartel-general da equipe de defesa de Kfar Blum, o ex-integrante das forças especiais Udi, de 46 anos, analisa a situação como um prelúdio do que ainda está por vir.

— A guerra aqui no norte é como uma partida de ping pong. A ameaça muda a cada movimento. Hoje, temos esta e aquela, mas a guerra nem começou ainda. Vai começar. Depois disso é outra história — disse o reservista, que trabalhava com segurança privada no México, antes de voltar.

Entre os militares israelenses, há o entendimento de que o país está vencendo a guerra em Gaza, apesar da tragédia humanitária. Estima-se que apenas seis dos mais de 20 batalhões do Hamas estejam operando no momento e poucas são as ameaças reais ao sul com a ocupação de Gaza.

No norte, por outro lado, o inimigo tem um poderio militar maior que o rival em Gaza. Estimativas de centros de estudos ocidentais apontam que o Hezbollah tem 60 mil homens, entre combatentes treinados da unidade de elite, as Brigadas Radwan, e “reservistas” — número comparável ao Exército regular do Líbano. Além disso, o grupo opera uma divisão de artilharia e foguetes que dispõe de cerca de 150 mil artefatos, entre morteiros, drones e mísseis de precisão. Alguns com alcance para atingir qualquer alvo em Israel.

De acordo com um funcionário do governo ouvido pelo GLOBO em anonimato, o comando militar israelense trata a ameaça do Hezbollah, neste momento, de forma independente do Hamas. Uma vez que considera que o lado libanês viola a resolução do Conselho de Segurança da ONU 1701, que determina a desmilitarização do sul do Líbano, o cessar-fogo em Gaza não garantiria um fim das ações na frente norte, que na avaliação militar estão cumprindo uma função de diminuir as capacidades ofensivas do inimigo perto da fronteira.

— Toda a situação é muito preocupante, porque após cinco meses de guerra, o potencial de uma escalada e de desentendimento só crescem dia após dia — afirmou o porta-voz da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil), Andrea Tenenti. — A implementação do 1701 só poderá ser feita com o compromisso das partes. Sem o compromisso será muito difícil implementar a resolução.

O porta-voz afirma que, antes de 8 de outubro, a situação entre os países — o Líbano foi palco de uma guerra em 2006 entre Israel e o Hezbollah — dava sinais de avanço, inclusive com reuniões tripartites quase mensais, com o Exército libanês e as FDI.

Na linha de frente, é mais difícil convencer que uma solução negociada vá acontecer. Para Sarit, a preocupação é de que a via diplomática faça as autoridades baixarem a guarda, desmobilizando os soldados que hoje protegem a região e permitindo que o Hezbollah ataque em um momento em que julgue ter a vantagem da surpresa.

— Como alguém que vive no norte, eu terei que tomar conta da minha segurança. Talvez compre uma arma. Eu sempre andei perto da fronteira e nunca tive uma arma, mas não sei agora. Talvez construir uma cerca nova… — reflete. — Eu não penso em ir embora, pelo menos até agora, mas não sei. Vivo a 8 Km da fronteira. O Hamas avançou 12 Km para dentro de Israel.

*Viagem feita a convite da StandWithUs, organização internacional de educação que apoia Israel e combate o antissemitismo

Fonte: O Globo

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