Ministro do STJ vê STF ‘caminhando’ no debate sobre uso recreativo de droga: ‘Assim como se bebe vinho, se fuma maconha’

O ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz
O ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz — Foto: Divulgação / STJ

O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), define como uma “desumanidade” que pessoas sejam processadas por plantio de maconha para fins medicinais. Doutor pela USP, o magistrado entende que a resistência existente entre juízes e tribunais locais gera insegurança jurídica na população, já que, segundo ele, o componente moral presente na discussão dificulta a compreensão e a mudança sobre como o país enxerga a planta.

— Se o Estado não oferece, ou só oferece mediantes ônus muito levado – e tendo esta terapia sendo comprovada por meios científicos, não há sentido em continuar a submeter as pessoas ao risco de serem processadas. Isso é no mínimo uma desumanidade — disse o ministro em entrevista à revista digital Breeza lançada nesta quinta-feira (7).

O magistrado afirmou ao veículo que o Supremo Tribunal Federal “está caminhando” na conversa em relação ao uso recreativo no Brasil. Já existe maioria em plenário pela definição de um parâmetro que diferencie usuários de traficantes. O que ainda está em debate é a quantidade específica e se essa discussão deve partir da Corte ou do Congresso. Cruz entende que a tendência de considerar inconstitucional ter o uso da maconha para fins pessoais como um crime não irá retroceder.

— Quando se usa a maconha recreativa, existe um lado terapêutico. Na medida em que ela relaxa, acalma, em algumas situações até facilita a produção artística e criativa. Para o Judiciário, de maneira geral, recreativo é quando é para dividir com amigos, sozinho. Assim como se bebe um vinho ou se fuma um charuto, se fuma um cigarro de maconha para ter prazer. Só que isso não é permitido, torna-se um risco — disse.

Na entrevista, o ministro admitiu já ter experimentado maconha na Espanha, onde o consumo não é ilegal.

— Não houve efeito, ou pelo menos algum que eu tenha notado. Sabemos que não há registro de overdose de maconha. Todos os dias, morrem de álcool, tabaco — afirmou.

Questionado como faria para implantar a descriminalização no país, o ministro ressaltou que o tema é tabu e enfrenta resistência de “uma maioria da população, e mais ainda da classe política”. O magistrado aponta que as discussões costumam ser pautadas por questões morais ou religiosas, e o meio de resolução seria mudar o viés do debate para o lado científico.

— Tanto nesse aspecto, quanto no tratamento jurídico e político, não há como negar que estamos muito mais atrasados do que no resto do mundo. É uma questão que não pode ser tratada como do âmbito criminal, mas, sim, pela perspectiva da saúde pública — defende.

— É o tabu que determina essa quase impossibilidade de termos uma lei progressista, que coloque o Brasil ao lado de outras nações modernas. O caminho, a meu ver, só pode ser o do Judiciário. Diante da omissão da classe política em rever esse tema. Assim como frente a dramas humanos. Pessoas que têm o núcleo familiar destruído porque ocorrem prisões do marido, e depois da mulher, que acaba levando drogas para o presídio. Crianças ficam órfãs. Gera-se uma questão social. Os que voltam do sistema penitenciário, sabe-se lá como estão quando regressam. É uma bola de neve que gera não só danos psíquicos, sociais, familiares, mas para a economia. Pessoas que poderiam estar produzindo, mas estão onerando o Estado, em presídios. É uma avalanche de problemas —completa.

Cruz tratou também sobre o racismo presente na sociedade brasileira. O magistrado disse que “se um rapaz negro é preso com dez gramas de maconha, é mais provável que seja enquadrado como traficante. Se é branco, ainda mais se for morador de um bairro rico, a polícia costuma deixar pra lá”. O ministro comparou a situação prisional do Brasil com a de outros países do mundo e defendeu uma punição “humanizada”.

— Nos Estados Unidos, o país com o maior encarceramento do mundo, está soltando pessoas e deixando de punir quando se tratam de situações de menor relevância. No Brasil, se mantém preso (o usuário e pequenos traficantes, a exemplo de mulheres que levam drogas a presídios), por quê? Não é uma pessoa perigosa, chefe de uma organização criminosa. Trabalha, sustenta uma família. Se ficar presa por anos, deixará crianças vulneráveis. Se for punir, é preciso que seja de forma humanizada. Não jogando jovens e mulheres em presídios — disse.

Fonte: O Globo

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