Mensagens de vereador preso em operação contra o PCC mostram cobrança de propina: ‘Você é ruim de matemática’

Em mensagem, funcionária de empresário investigado 'presta contas' após retirar quantia supostamente endereçada a vereador
Em mensagem, funcionária de empresário investigado 'presta contas' após retirar quantia supostamente endereçada a vereador — Foto: Reprodução/MP-SP

Mensagens obtidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), revelam que um dos vereadores presos nesta semana em operação que mirou empresas que faturavam contratos públicos em nome do PCC cobrava diretamente pagamentos de um dos principais investigados no esquema.

Os investigadores identificaram conversas entre o vereador de Ferraz de Vasconcelos (SP) Flávio Batista de Souza (Podemos), conhecido como “Inha”, e o empresário Vagner Borges Dias, conhecido como “Latrell Brito”. Latrell, de acordo com a apuração, é dono de empresas que simulavam concorrência em licitações para obter contratos públicos. As divergências entre essas empresas, ainda segundo o MP-SP, eram mediadas pelo PCC.

O relatório da investigação do Gaeco, que está sob sigilo, indica que Inha “tratava diretamente” com Latrell em conversas a respeito da “repartição de valores” em razão de contrato de serviços de limpeza firmado entre uma das empresas do esquema e a Prefeitura de Ferraz de Vasconcelos.

Em junho de 2020, quando Inha era presidente da Câmara dos Vereadores da cidade, o legislador enviou uma mensagem de áudio reclamando dos valores que Latrell estava se dispondo a pagar:

— Então, mas essa sua matemática está errada. Viu como você é ruim de matemática? Como que você ganha tanto dinheiro assim e não sabe fazer conta? Tá, pior que você sabe, né? Por isso você ganha, né? Estou brincando. Latrell, deixa eu te falar. Vou mandar a conta certa para você.

O empresário, então, explica os cálculos que fez para justificar o valor que havia informado. Segundo ele, seriam pagos “7%”, que totalizavam R$ 18.758,68. Essa quantia equivale a exatos 7% dos R$ 267.981,14 que a Prefeitura de Ferraz de Vasconcelos havia pagado no mês anterior para a empresa de Latrell.

Para o Ministério Público, os contratos firmados pelas empresas investigadas são “ fruto do relacionamento criminoso com agentes públicos e políticos” e a quantia informada pelo empresário ao vereador é “claro percentual do contrato”.

As trocas de mensagens entre os dois investigados prosseguiram nos meses seguintes. Em setembro de 2020, Latrell responde a uma mensagem do vereador perguntando se ele poderia “pegar” em Mogi das Cruzes, sem especificar o quê. Disse: “Está na mão”, no que Inha respondeu: “Vou lá”.

Minutos depois da resposta, Latrell enviou mensagem a uma funcionária de seu escritório: “Separa 17 mil para o Inha. Ele vai buscar aí. Está no meu cofre”. A funcionária então responde com uma foto do cofre aberto, onde se veem maços de cédulas de dinheiro. E presta contas: “Tinha 40. Fica 23 (sic)”.

Os valores negociados entre os investigados eram pagos também por meio de transferências com chave PIX fornecida por um “laranja”, segundo o MP-SP. Os promotores também afirmam que o vereador se preocupava com os rastros digitais que deixava. Após nova cobrança a Latrell, em fevereiro de 2021, Inha orientou o empresário: “Apaga aí”.

As mensagens integram o conjunto de provas apresentadas à Justiça ao pedir a prisão temporária dos dois investigados — o vereador foi preso, enquanto o empresário está foragido. Para os investigadores, o teor das conversas demonstra que havia “notável cobrança do agente político e ânsia que fazia com que os investigados acertassem o pagamento via PIX”.

O GLOBO não conseguiu localizar as defesas do vereador Flávio Batista de Souza nem do empresário Vagner Borges Dias para responder às acusações. O espaço permanece aberto para respostas.

Fonte: O Globo

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