Mar Vermelho testa influência da China

Embarcação iraniana e navio chinês durante exercício conjunto no Golfo de Omã
Embarcação iraniana e navio chinês durante exercício conjunto no Golfo de Omã — Foto: Iranian Army office / AFP

China, Rússia e Irã concluíram nesta sexta uma série de exercícios navais conjuntos no Golfo de Omã, com o objetivo de “fortalecer a cooperação marítima regional e preservar a paz e a estabilidade na região”, segundo o ministério da Defesa chinês. É a quarta vez que os três países realizam manobras desse tipo desde 2019, mas agora elas coincidem com o aumento das tensões causadas pela guerra em Gaza e os ataques a embarcações no Mar Vermelho lançados pela milícia Houthi, do Iêmen.

A ação dos houthis, que afirmam ser uma reação aos bombardeios israelenses em Gaza, provocou uma crise global, criando uma disparada nos preços de frete marítimo e o perigo de uma conflagração militar de grande escala na região. Enquanto os EUA mobilizaram seus aliados, formando uma força multinacional para conter os ataques, a China manteve uma postura discreta, embora a segurança do tráfego marítimo seja fundamental para sua economia e um dos pilares de seu discurso diplomático.

Para Pequim, a turbulência nas águas do Mar Vermelho oferece riscos e oportunidades. Com laços políticos e econômicos com o mundo islâmico em expansão nos últimos anos, a suposição é de que a China poderia usá-los para conter tanto os houthis no Iêmen como o Hamas em Gaza, ambos os grupos apoiados pelo regime iraniano. Mas a crise também testa os limites da influência chinesa. Apesar da suposta pressão de Pequim sobre Teerã, os houthis continuaram com os ataques, ainda que poupando navios chineses e russos.

Segundo William Figueroa, especialista em relações sino-iranianas da Universidade Groningen, na Holanda, a influência que Pequim tem sobre Teerã não se traduz necessariamente em poder real de mudar os rumos da política iraniana. O Irã tem interesse em manter a China como o maior mercado de exportação de petróleo, mas os baixos preços oferecidos significam um desafogo para Pequim, num momento de incerteza na economia chinesa. Apesar da disparidade de forças, o contexto impõe interdependência.

Além disso, uma pressão aberta sobre o Irã pode ser entendida como um posicionamento do lado americano, o que custaria pontos para a China em sua busca pela liderança do Sul Global. Bastou sair uma notícia de que Pequim teria alertado Teerã sobre os riscos aos negócios entre os dois países da instabilidade no Mar Vermelho para que a imprensa iraniana reagisse com fúria. Um artigo no jornal oficial “Jomhouri-e Eslami” acusou o governo chinês de “ajudar o regime sionista” e o advertiu a “não estender suas pernas além do próprio tapete”, ou seja a não se meter no assunto. Palavras fortes vindas de um país aliado.

Dentro da mesma lógica geopolítica, para muitos diplomatas que mantém contato com colegas chineses, a guerra em Gaza — e por extensão a crise no Mar Vermelho — é uma oportunidade vista por Pequim para fortalecer sua posição no mundo árabe/islâmico e nos países em desenvolvimento em geral. Para as manobras navais realizadas esta semana, foram convidados vários países do Sul Global para participar como observadores, entre eles o Brasil, segundo o governo iraniano. O convite, porém, não passou pela embaixada do Brasil em Pequim. A Marinha brasileira negou ter sido convidada, de acordo com o site “Metrópole”.

A guerra em Gaza é definitivamente percebida pelo governo chinês como uma chance de unir o mundo em desenvolvimento em oposição aos EUA, disse à coluna uma autoridade europeia que conversou com a coluna, em recente visita a Pequim. É também a opinião de analistas como Emil Avdaliani professor de relações internacionais na Universidade Europeia de Tbilisi, na Geórgia.

— De forma geral, Pequim espera que a instabilidade na região dilua ainda mais o poder americano e aumente o isolamento dos EUA em torno das guerras em Gaza e na Ucrânia. Para a China, esses conflitos aparentemente sem relação entre si representam uma grande tendência geral, o declínio gradual da ordem global liderada pelos EUA — escreveu Avdaliani.

Fonte: O Globo

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