Manifesto contra PL ‘antiaborto’ é assinado por 461 padres e bispos; leia

"Repugnamos e nos opomos veementemente ao Projeto de Lei 1904/2024", diz coletivo formado por 461 religiosos - (crédito: Giulia Luchetta/CB/D.A Press)

O coletivo Padres da Caminhada, que reúne 461 padres, bispos e diáconos da Igreja Católica Apostólica Romana, divulgou um manifesto contra o Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto após a 22ª semana ao crime de homicídio simples. Para os religiosos, criminalizar uma mulher vítima de estupro é “violentá-la novamente”.

“Em consonância com os sentimentos da maioria do povo brasileiro, especialmente das nossas irmãs mulheres, reprovamos, repugnamos e nos opomos veementemente ao Projeto de Lei 1904/2024 que ora tramita no Congresso Nacional e que ficou popularmente conhecido como PL dos Estupradores. Obviamente, não somos a favor do aborto. Somos sim contra a substituição de políticas públicas por leis punitivas às vítimas de estupro e abuso, imputando-lhes um crime seguido de pena maior do que o dos estupradores”, diz o manifesto do coletivo.

Os religiosos argumentam que ser contra o aborto não pode ser confundido com o “anseio em ver a mulher que o pratica atrás das grades”. “Esta ‘vingança social’ acarreta a grave consequência de penalizar as mulheres pobres que não podem sequer usar o sistema público de saúde. Ademais, a criminalização das mulheres não diminui o número de abortos. Impede apenas que seja feito de maneira segura”, frisa o texto.

“Que nossos legisladores sejam sinceros e tenham discernimento para perceber a condição sofredora da imensa maioria do povo brasileiro, particularmente das mulheres, e abraçá-las e protegê-las com a mais profunda humanidade. Que tenham sensibilidade para perceber que nossas ruas estão ensanguentadas e nossa infância abandonada e, consequentemente, não elaborem projetos eleitoreiros perversos, brincando com vidas humanas pobres, desvalidas e invisíveis”, acrescenta o coletivo.

O manifesto do coletivo Padres da Caminhada contraria o entendimento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que entende ser importante a aprovação do projeto de lei. Segundo a colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, a posição contrária do coletivo será enviada para a CNBB e ao papa Francisco.

Veja o manifesto na íntegra:

Senhoras e Senhores, saudações.

Os que abaixo assinamos, somos dos padres da caminhada, um coletivo de quatrocentos e sessenta e um diáconos, padres e bispos da Igreja Católica Apostólica Romana. Caminhamos juntos em apoio, solidariedade e oração, fazendo nossas as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias do nosso povo brasileiro, sobretudo dos pobres e de todas aquelas e aqueles que sofrem.

Em consonância com os sentimentos da maioria do povo brasileiro, especialmente das nossas irmãs mulheres, reprovamos, repugnamos e nos opomos veementemente ao Projeto de Lei 1904/2024 que ora tramita no Congresso Nacional e que ficou popularmente conhecido como PL dos Estupradores. Obviamente, não somos a favor do aborto! Somos sim contra a substituição de políticas públicas por leis punitivas às vítimas de estupro e abuso, imputando-lhes um crime seguido de pena maior do que o dos estupradores.

Aliás, ninguém é a favor do aborto, como disse tão sabiamente o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em recente entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura: “Qualquer pessoa deve ser contra o aborto. Ninguém é a favor do aborto. O papel do Estado é evitar que ele ocorra […] e amparar a mulher que queira ter o filho e esteja em condições adversas”. O estupro e o abuso vão muito além do gozo e dos transtornos psíquicos-afetivos. É plantar e fazer florescer no seio da vítima e de sua família por todo o sempre a semente do inimigo como ato de violência e vingança supremas.

Ser contra o aborto, contudo, não pode ser confundido com o anseio em ver a mulher que o pratica, atrás das grades. Esta “vingança social” acarreta a grave consequência de penalizar as mulheres pobres que não podem sequer usar o sistema público de saúde. Ademais, a criminalização das mulheres não diminui o número de abortos. Impede apenas que seja feito de maneira segura.

Fazemos nossas as palavras de Dom Angélico Sândalo Bernardino: “Simplesmente punir a mulher sem discutir com profundidade uma situação tão complexa é uma leviandade. É uma precipitação legalista. É querer resolver pela lei um problema muito mais amplo e vasto”.

Fazemos nossas também as palavras do pastor da Igreja Batista da Água Branca, Ed René Kivitz: “Este Projeto de Lei trata com displicência, leviandade, crueldade e irresponsabilidade uma das mais desumanas realidade do nosso país: a violência contra a mulher, o flagelo e a tragédia do estupro, do abuso e da violência e o imperativo ético da proteção à infância, pois o pico de idade das mulheres estupradas no Brasil é treze anos. Crianças… Meninas… Aplaudir e apoiar este PL é trabalhar pela perversão da religião”.

Como seguidores de Jesus de Nazaré, nós padres da caminhada, procuramos conformar a nossa vida aos seus ensinamentos e preocupamos zelosamente com o caráter da comunidade que estamos construindo juntos e com a qualidade de seres humanos em que nos vamos tornando.

Não construiremos uma sociedade justa, humanizada e humanizadora com base em leis punitivas. Seremos um país humano e humanizador somente se partirmos da solidariedade e da nossa compaixão e se a nossa justiça “ultrapassar a dos fariseus.”

Que nossos legisladores sejam sinceros e tenham discernimento para perceber a condição sofredora da imensa maioria do povo brasileiro, particularmente das mulheres, e abraçá-las e protegê-las com a mais profunda humanidade. Que tenham sensibilidade para perceber que nossas ruas estão ensanguentadas e nossa infância abandonada e, consequentemente, não elaborem projetos eleitoreiros perversos, brincando com vidas humanas pobres, desvalidas e invisíveis.

Criminalizar uma mulher vítima de estupro e abuso é violentá-la novamente. 

Em Cristo Jesus, Nosso Senhor, assinam os membros do coletivo Padres da Caminhada.

 

Fonte: Correio Braziliense

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