Maior planície úmida do planeta, Pantanal nunca teve o solo tão seco e inflamável, em ‘condição perfeita’ para o fogo

Incêndios castigam o Pantanal
Incêndios castigam o Pantanal — Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A projeção para o período de julho a setembro é de que dois milhões de hectares do Pantanal poderão ser consumidos pelas chamas, caso o fogo continue a ser usado, alertam cientistas do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ). A maior planície úmida da Terra nunca esteve com o solo tão seco e inflamável. Mas, numa nota técnica, os pesquisadores salientam que, embora o clima esteja desfavorável, só há incêndios porque as pessoas têm insistido em queimar o bioma.

A nota diz que a menor umidade do solo já registrada e o calor escorchante e sem trégua desde o segundo semestre de 2023 criaram condições perfeitas para os incêndios do Pantanal.

A mesma nota técnica afirma que a pluma de poluição gerada pela queimada do Pantanal atingiu este mês o Sul do Brasil, o Paraguai, o norte da Argentina e o Uruguai.

O fogo é tradicionalmente empregado para limpar campo, queimar lixo. No entanto, com a mudança do clima, a prática secular se tornou explosiva. Embora não seja intencional, a prática é criminosa, porque o uso do fogo está proibido nesse período do ano. Não há causa natural no fogo que arde no Pantanal, frisam os cientistas.

Estudos do Lasa já haviam mostrado que apenas 1% do fogo de 2012 a 2018 teve causa natural, isto é, raios. Agora, revelam que em 2024, esse padrão não mudou. De janeiro até agora, a influência de raios foi ínfima. Em junho, por exemplo, nem um único foco foi criado por raio.

— Se as pessoas não pararem de usar o fogo, as projeções para os próximos três meses indicam que há 80% de risco de termos mais de dois milhões de hectares queimados — frisa a coordenadora do estudo, Renata Libonati.

Ela acrescenta que não haverá combate suficiente. Ele é extremamente difícil devido à propagação rápida e intensa, por maiores que sejam os meios e os efetivos. A vegetação e o solo estão secos, o clima está seco e quente.

— As pessoas precisam entender que limpar campo, queimar lixo nesse período com fogo é crime e pode ter consequências devastadoras. Qualquer fonte de ignição é gatilho para a tragédia — enfatiza a cientista.

Não é só a condição atual que preocupa. O Pantanal já é afetado por seca desde 2018. Houve uma trégua em 2023, mas não foi suficiente para sair do estado de seca. E, além das secas, têm ocorrido altas temperaturas, muitas ondas de calor. A temperatura deve seguir 2 graus Celsius acima da média e a chuva abaixo dos níveis mínimos no período. Isso faz com que a vegetação fique suscetível à queima.

A análise foi apresentada na sala de situação criada pelo governo federal para traçar estratégias contra os incêndios, que podem se tornar os maiores da história do bioma, superando os de 2020, quando 30% do Pantanal queimaram.

Este ano, o fogo começou antes, na época da cheia e a área queimada já supera a de 2020 no período de janeiro a junho. Dados do Lasa mostram que queimaram 627 mil hectares, em 2020, foram 258 mil hectares.

Segundo a análise do Lasa, desde o final de 2023, o Pantanal amarga o maior índice de raridade de seca registrado desde o início da série histórica, em 1951. Esse índice mede a umidade do solo. Significa que ele nunca esteve tão seco. Superou inclusive o índice de 2020, o pior até agora.

“O período 2023/2024 não encontra paralelo em nenhum outro do registro histórico, sendo sem precedentes em termos de intensidade e duração da seca (com base na umidade do solo)”, diz a nota.

E não é só. Os rios, inclusive o Paraguai, artéria principal do bioma, apresentaram em junho níveis abaixo do normal para esta época do ano. A exceção é o Rio Cuiabá, na estação de Cuiabá, cujo o nível está normal. Em contrapartida, os trechos de Barra do Bugres, Cáceres e Miranda registram os níveis mais baixos já observados para este período.

A fumaça dos incêndios no Pantanal compromete a qualidade do ar bem longe dali. O Lasa estimou as trajetórias das plumas de poluentes dos incêndios deste mês numa região à volta de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

Os cientistas viram um padrão de transporte da fumaça para o Sul do continente praticamente durante todo o mês de junho.

Nos dias 9, 15, 16, 17, 18 e 22 de junho, a análise sugere um transporte que atinge os estados do sul do Brasil. Os pesquisadores frisam que “tal padrão pode resultar em impactos significativos nessas regiões do ponto de vista da qualidade do ar e saúde da população”.

Fonte: O Globo

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