Lula se volta à América Latina e terá encontro com Maduro

Lula durante a abertura da assembleia da União Africana na Etiópia
Lula durante a abertura da assembleia da União Africana na Etiópia — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência

Após uma viagem à África, em busca de apoio às propostas do Brasil no G20 e o início de uma crise diplomática com Israel que parece longe de acabar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai direcionar sua atenção para a América Latina e o Caribe. Dois momentos importantes estão previstos para Lula nos próximos dias: a reaproximação com as nações caribenhas, na Guiana, e uma reunião bilateral com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em São Vicente e Granadinas, considerada crucial para o governo brasileiro definir sua posição frente ao regime chavista.

Na próxima quarta-feira, Lula participará, como convidado especial, da cúpula da Comunidade dos Estados do Caribe (Caricom). O grande objetivo do presidente é o fortalecimento das relações do Brasil com a região, que ficaram praticamente esquecidas nos últimos anos, na visão do governo.

Interlocutores da área diplomática afirmam que Lula fará um discurso com ênfase nas propostas da presidência brasileira do G20, como o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável, a ação contra o aquecimento global e a transição energética. Também vai enfatizar a cooperação Sul-Sul e a segurança na América Latina e no Caribe.

Lula deverá ter pelo menos dez reuniões bilaterais, sendo uma delas com o presidente da Guiana, Irfaan Ali, que está em confronto direto com Maduro, pela disputa da região do Essequibo, localizada em território guianês e rica em petróleo. Um plebiscito convocado pelo governo Maduro para a anexação da região, chamado por Caracas de Guiana Essequiba, foi aprovado por 95% dos eleitores venezuelanos que participaram da consulta, não reconhecida pela comunidade internacional. Desde então, o Brasil tenta se colocar como mediador do conflito e, na reunião, Lula deve agradecer ao presidente da Guiana pela disposição em dialogar com Maduro — Georgetown, no entanto, já disse que não abre mão do Essequibo.

Está prevista, ainda, uma reunião trilateral entre Lula, Irfaan Ali e o presidente de Suriname, Chan Santokhi — assim com a Guiana, o Suriname descobriu grandes reservas de petróleo em seu território. As reuniões antecederão a conversa que o presidente terá com Maduro .

O encontro com o venezuelano acontecerá no dia 1º de março, à margem da cúpula de líderes da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Kingstown, capital de São Vicente e Granadinas. Será uma oportunidade para os dois conversarem sobre o cumprimento do acordo entre governo e oposição do país vizinho, que prevê eleições transparentes, limpas e justas neste ano. Lula vai insistir no cumprimento do que foi negociado no chamado Acordo de Barbados, segundo integrantes do governo.

A avaliação é que Maduro está descumprindo o acordo, firmado em outubro passado. O principal fator para a posição é a inabilitação de opositores, como María Corina Machado, uma das favoritas em uma disputa com o presidente venezuelano, e a prisão da ativista de direitos humanos Rocío San Miguel.

Os EUA, que haviam eliminado algumas sanções econômicas à Venezuela após o pacto, anunciaram que vão retomá-las. O assunto foi discutido, na semana passada em Brasília, em uma reunião entre Lula e o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, que esteve no país para participar do encontro de chanceleres do G20.

O governo Lula tenta manter um canal de diálogo com Caracas, mas por enquanto as tratativas tiveram pouco efeito, na avaliação de especialistas. Desde o ano passado, a política externa do Brasil tenta dialogar com o governo dos Estados Unidos e outros países da região para que a escolha do próximo presidente venezuelano transcorra sem a pressão de outras nações.

Nos seus discursos, Lula deve defender a democracia, a cooperação para proteger as fronteiras e as propostas do Brasil no G20. As negociações bilaterais que acontecerão em paralelo à cúpula da Celac ainda estão sendo fechadas. Não há informação sobre a presença do presidente da Argentina, Javier Milei, na reunião. Mas a iniciativa de um encontro entre os dois mandatários terá de partir do argentino.

A cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), destaca que a presença de Lula no encontro de líderes do Caricom foi uma promessa do presidente, feita no auge da crise entre Venezuela e Guiana. Com o aumento da tensão entre os dois países, a visita poderá ser uma oportunidade para a diplomacia brasileira sinalizar a importância da estabilidade na região.

— Outro ponto importante é a questão da proximidade com os países caribenhos para ampliar as oportunidades de cooperação com os estados brasileiros do Norte do país, que estão próximos. Isso envolve tanto a questão econômica, como também as questões ambientais.

Holzhacker ressalta que o Brasil, na tentativa de fortalecer a aliança com os países da América Latina, enfrenta a resistência da Argentina de Milei e também o momento eleitoral no México, outro importante ator na agenda regional. Para ter maior presença e protagonismo global, completa a cientista política, é preciso aumentar a capacidade de liderança regional.

Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Roberto Goulart Menezes avalia que a reunião do Caricom representa não apenas uma reaproximação com o Caribe. Para ele, é uma demarcação de posição brasileira frente à Venezuela.

— Desde que Maduro reacendeu esse tema, o Brasil passou a ter mais cautela no seu apoio ao regime venezuelano. O discurso de Lula deverá trazer um apelo para a manutenção do diálogo e pelo respeito ao direito internacional. Sem conseguir avançar no processo de integração regional, o Brasil vê o número de problemas aumentar na América Latina — diz Menezes.

No encontro entre Lula e Maduro, o presidente brasileiro deverá pedir o cumprimento do Acordo de Barbados, para que o país saia do isolamento em que se encontra, na opinião do acadêmico.

— O Brasil, diante da tática de Maduro, deve decidir se segue insistindo nas eleições livres e com participação da oposição, ou começa a se distanciar para não acabar pagando um preço altíssimo por ter insistido na negociação.

Lula quer o protagonismo na América Latina e prioriza o G20, grupo formado pelas maiores economias do mundo. Por isso, sua orientação para a área diplomática é não escalar o impasse com Israel, e esse assunto não deve ser abordado por Lula na viagem, a não ser que seja questionado.

A crise começou há uma semana, quando Lula, em uma entrevista a jornalistas na Etiópia, comparou as mortes de civis palestinos na Faixa de Gaza ao Holocausto, o extermínio de cerca de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. As autoridades israelenses declararam Lula persona non grata no país até que se retrate, e o Brasil chamou de volta seu embaixador em Tel Aviv.

Fonte: O Globo

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