Lula ainda não soltou a mão de Maduro

O presidente venezuelano Nicolás Maduro e o presidente Lula
O presidente venezuelano Nicolás Maduro e o presidente Lula — Foto: Ricardo Stuckert/PR

A fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Venezuela na quinta-feira e a nota do Itamaraty expressando “preocupação” pelos obstáculos impostos à oposição venezuelana no processo eleitoral, que culminará com as eleições presidenciais de 28 de julho, mostraram que o apoio do Brasil ao governo de Nicolás Maduro não é incondicional. Fontes diplomáticas e do Palácio do Planalto confirmaram que Lula sentiu que Maduro cruzou um sinal vermelho ao impedir a inscrição da acadêmica Corina Yoris como candidata presidencial, sem que existisse qualquer tipo de inabilitação judicial contra ela. Mas engana-se quem acha que Lula soltou a mão do venezuelano de vez.

O brasileiro deu um recado enfático de que este tipo de manobra não será observado em silêncio. Mas o Brasil de Lula continua achando que o caminho é buscar saídas através do diálogo, nunca através do isolamento de Maduro, como fez o governo de Jair Bolsonaro.

Segundo fontes do governo, a cutucada de Lula já gerou reações nos bastidores. O governo Maduro, frisaram as fontes, sentiu o peso da fala. O tempo dirá se essas primeiras reações terão efeitos práticos.

Na nota escrita a quatro mãos entre o Palácio do Planalto e o Itamaraty — mas poupando o presidente, que participou do processo do começo ao fim —, o governo fez questão de deixar claro que continua engajado no processo eleitoral venezuelano. No fim do texto, questiona sanções aplicadas contra a Venezuela. Foram dois gestos de Brasília a Caracas para tentar manter canais de diálogo abertos. O Palácio de Miraflores, avisado com antecedência a pedido de Lula, reagiu com veemência. A relação se estremeceu, mas continua de pé.

Na próxima semana, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, deverá manter contatos com lideranças do governo e da oposição. Na terça-feira, dia em que a nota foi divulgada, a embaixadora brasileira em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira, manteve contatos com autoridades chavistas para discutir o assunto.

É viável uma eleição democrática na Venezuela? O que fará o presidente brasileiro se dentro de algumas semanas ficar claro que a oposição real — a que Maduro e seu governo não controlam — não participará do pleito? Perguntas que não querem calar.

A sensação em Caracas é de que Maduro está se fechando cada vez mais. O chavismo já se adaptou a viver isolado dentro da própria região, sendo alvo de sanções e contando apenas com a ajuda de parceiros como Rússia, China, Irã e Turquia. Um dos grandes desafios de Lula é convencer Maduro sobre os benefícios de permitir uma transição democrática. Mas por que o presidente venezuelano arriscaria a perda do poder, podendo, até mesmo, terminar preso pelas violações dos direitos humanos cometidas por seu governo? Maduro não quer arriscar, e sua prioridade é garantir o triunfo numa eleição que perde credibilidade a cada dia que passa.

O governo continua acreditando que existe uma janela de oportunidade e passará as próximas semanas conversando com países como EUA, Colômbia, Noruega e França, para tentar criar um clima amigável em relação ao pleito. Se Maduro voltar a cruzar um sinal vermelho, o Brasil voltará a se posicionar. A questão é: quantos sinais vermelhos Lula está disposto a tolerar? A Venezuela de Maduro é uma saia cada vez mais justa para o Brasil de Lula.

Fonte: O Globo

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