Ligado ao ataque em Moscou, grupo afiliado ao Estado Islâmico tem ambições globais

Pessoas levam flores para o Crocus City Hall, nos arredores de Moscou, depois do atentado de sexta-feira
Pessoas levam flores para o Crocus City Hall, nos arredores de Moscou, depois do atentado de sexta-feira — Foto: Nanna Heitmann/The New York Times

Há cinco anos, uma milícia árabe e curda apoiada pelos EUA expulsou combatentes do Estado Islâmico de uma vila no Leste da Síria, no último pedaço de terra ainda controlado pelo grupo no país. Desde então, a organização que declarou a criação de um califado no Iraque e na Síria se tornou um grupo terrorista mais tradicional — uma rede clandestina de células do Oeste da África ao Sudoeste da Ásia, realizando ataques de guerrilha, atentados a bomba e assassinatos.

Nenhum dos afiliados do grupo tem sido mais atuante do que o Estado Islâmico do Khorasan, que está ativo no Afeganistão, Paquistão e Irã, e já planeja seus ataques na Europa e além. Integrantes do governo dos EUA dizem que a organização está por trás do ataque de sexta-feira em Moscou, que matou mais de 130 pessoas e feriu outras dezenas.

Em janeiro, o Estado Islâmico do Khorasan, ou Isis-K, realizou dois ataques simultâneos no Irã, que mataram 94 pessoas e feriram centenas durante uma cerimônia em homenagem ao general Qassem Soleimani, general da Força Quds morto em um ataque com um drone americano quatro anos antes.

— A ameaça do Estado Islâmico permanece uma preocupação significativa de contraterrorismo — disse, em uma audiência no Senado, a diretora da inteligência nacional dos EUA, Avril Haines. — [A maior parte dos ataques] realizados globalmente pelo Isis foram obra de seções do Isis localizadas fora do Afeganistão.

O general Michael Kurilla, chefe do Comando Central dos EUA, disse a uma comissão da Câmara dos Deputados na quinta-feira que o Isis-K “mantém a capacidade e a intenção de atacar os EUA e interesses ocidentais no exterior nos próximos seis meses, emitindo poucos ou nenhum sinal de alerta”.

No domingo, especialistas em contraterrorismo rejeitaram a sugestão russa de que a Ucrânia estava por trás dos ataques em Moscou.

— O modus operandi foi o clássico do Isis — disse Bruce Hoffman, acadêmico no campo do terrorismo no Conselho de Relações Internacionais.

O ataque foi o terceiro em um show musical no Hemisfério Norte realizado pelo Estado Islâmico na última década, disse Hoffman. O ataque no Bataclan em Paris, em novembro de 2015 (como parte de uma operação mais ampla contra vários alvos na cidade), e um atentado suicida em uma apresentação de Ariana Grande na Manchester Arena, na Inglaterra, em maio de 2017.

O Estado Islâmico do Khorasan, fundado em 2015 por integrantes afastados do Talibã paquistanês, despontou na cena jihadista internacional logo depois que o Talibã afegão retomou o controle do país, em 2021. Durante a retirada militar dos EUA, o grupo realizou um atentado suicida em Cabul, em agosto daquele ano, que matou mais de 170 pessoas, incluindo 13 militares dos EUA.

Desde então, o Talibã tem combatido o grupo no Afeganistão. Até agora, os serviços de segurança do governo têm impedido que o Isis-K conquiste territórios ou recrute muitos membros entre os ex-integrantes da milícia extremista, segundo integrantes do governo americano.

Mas o número de ataques aumentou nos últimos anos, incluindo em áreas do Paquistão, e também foram descobertos novos e numerosos planos para ações na Europa. A maior parte dessas iniciativas foi descoberta a tempo, fazendo com que serviços de inteligência ocidentais acreditassem que o grupo teria atingido o limite de suas capacidades.

Em julho, a Alemanha e a Holanda coordenaram prisões contra sete pessoas vindas da Ásia Central ligadas à rede do Isis-K que planejava ataques em solo alemão. Três deles foram detidos em Renânia do Norte-Vestfália por supostos planos para uma ação contra a Catedral de Colônia, na véspera do ano novo em 2023. As batidas policiais estavam ligadas a outras prisões na Áustria e na Alemanha no dia 24 de dezembro — todos acusados de apoiar o grupo terrorista.

Funcionários de serviços de contrainteligência dos EUA e outras nações ocidentais afirmam que esses planos foram organizados por células operacionais de níveis inferiores, que foram identificadas e desmanteladas relativamente rápido.

— Até agora, o Isis-K usou elementos sem experiência na Europa para tentar realizar ações em seu nome — disse Christine Abizaid, chefe do Centro Nacional de Contraterrorismo, a uma comissão da Câmara em novembro.

Mas houve sinais preocupantes de que o Isis-K estaria aprendendo com seus erros. Em janeiro, homens mascarados atacaram uma igreja católica em Istambul, deixando um morto. Pouco depois, o Estado Islâmico, através de sua agência de notícias, a Amaq, assumiu a responsabilidade. Agências de segurança turcas prenderam 47 pessoas, incluindo muitas da Ásia Central.

Desde então, as autoridades locais lançaram grandes operações contra suspeitos de ligação com o Estado Islâmico na Turquia, Síria e Iraque. Várias investigações europeias jogaram luz sobre a natureza global e interconectada das finanças da organização terrorista, de acordo com um relatório da ONU de janeiro, que identificou a Turquia como um centro logístico do Isis-K para ações na Europa.

Os ataques no Irã e na Rússia demonstraram uma maior sofisticação, apontam especialistas, sugerindo um maior nível de planejamento e a capacidade para se coordenar com redes extremistas locais.

— O Isis-K criou uma fixação com a Rússia nos últimos dois anos — apontou Colin Clarke, analista do Centro Soufan, uma consultoria de segurança baseada em Nova York. — O Isis-K acusa o Kremlin de ter sangue muçulmano nas mãos, se referindo ás intervenções de Moscou no Afeganistão, Chechênia e Síria.

No sábado, autoridades russas anunciaram a prisão de vários suspeitos de participação no ataque de sexta. Mas funcionários do governo americano afirmam que ainda analisam o histórico dos detidos para tentar determinar se eles foram enviados da Ásia Central ou do Sul da Ásia para essa ação específica, ou se já estavam no país como parte da rede de apoiadores que o Isis-K fomentou e encorajou.

Muitas questões que surgem às vésperas de um grande evento global na Europa.

— Eu estou preocupado com os Jogos Olímpicos de Paris — afirmou Edmund Fitton-Brown, que trabalhou com atividades de contraterrorismo na ONU e agora é conselheiro no Projeto Contra-Extremismo. — Esse seria um alvo terrorista de primeira linha.

Fonte: O Globo

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