Leite e Pimenta expõem divergências entre governos federal e estadual sobre respostas à crise

Paulo Pimenta ao lado do governador Eduardo Leite
Paulo Pimenta ao lado do governador Eduardo Leite — Foto: Reprodução

Protagonistas no enfrentamento ao desastre climático do Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite e o ministro Paulo Pimenta, que está à frente dos esforços federais no estado, têm exposto divergências sobre respostas à crise enfrentada pelos gaúchos. Os atritos vão da construção de cidades provisórias para desabrigados, soluções para escoamento da água na Lagoa dos Patos até a um eventual adiamento das eleições municipais de outubro.

A realocação dos cerca de 80 mil desabrigados pelas inundações no Rio Grande do Sul é um dos principais pontos de conflito entre os representantes do governo federal e do estadual. Leite anunciou na semana passada o plano de construir ao menos quatro estruturas temporárias, localizadas em Canoas, Guaíba, Porto Alegre e São Leopoldo, para receber quem perdeu suas casas e não tem mais para onde ir.

Recém-nomeado como ministro da Secretaria Extraordinário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Pimenta criticou a ideia e disse que o governo federal tem outra “concepção” para resolver o problema. Uma das sugestões em discussão, mas que ainda não tem consenso, é um repasse às famílias de R$ 400 por pessoa para conseguir um novo abrigo.

— Surgiu agora o debate das tais cidades transitórias. A ideia seria quatro grandes cidades transitórias, com possibilidade de cada uma delas ter até 7,5 mil pessoas. Isso é maior do que a grande maioria das grandes cidades do Brasil. Seriam onde a transição ocorreria — disse Pimenta ao Canal do Barão no YouTube.

O ministro afirmou ainda que o próximo grande desafio do governo é agilidade para oferecer casas e como fazer a transição entre os abrigos e as novas moradias.

— Esse é o grande debate, como o poder público oferece dignidade e condição para que as pessoas façam uma transição adequada até chegar o momento de elas voltarem a ter uma casa. E aí tem visões diferentes, concepções distintas, que vão aflorar de forma muito intensa a partir dos próximos dias — completou o ministro.

Em outro episódio que escancarou as divergências, coube a Leite criticar a sugestão da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva de abrir um canal na Lagoa dos Patos para escoar a água para o mar. O ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou que o governo contratará estudos para avaliar a viabilidade da obra para acelerar a drenagem.

Em entrevista ao GLOBO, o governador afirmou que estudos já indicam ser uma obra de “muito difícil execução” e que as maré também interfeririam na lagoa.

— Não basta pensar na água da lagoa escoando para o mar. O mar também interfere na lagoa. Se tiver água salgada acessando água doce, vai ter riscos aos ecossistemas e até a captação da água para consumo humano — disse governador.

Há uma forte oposição técnica à proposta do Instituto de Pesquisas Hidrológicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O instituto chegou a divulgar uma nota contrária afirmando que uma obra desse tipo, “sem considerações necessárias, pode causar danos irreversíveis”. O texto também enumera riscos elevados como erosão das praias, salinização do Rio Guaíba e efeitos negativos sobre o ambiente, que afetariam navegabilidade e a produção agrícola.

A falta de sintonia entre os dois lados ocorre ainda em relação à possibilidade de adiar a eleições municipais. Na entrevista ao GLOBO, o governador afirmou considerar pertinente se discutir o adiamento das eleições municipais no Rio Grande do Sul diante do desastre climático que assola o estado. Sob o argumento que as cidades ainda estarão em reconstrução, ele afirmou que trocas de administração, além do próprio debate eleitoral, poderão atrapalhar o andamento desse processo:

No Planalto, porém, o tema é tratado com cautela. Enquanto a Justiça Eleitoral, por ora, descarta essa possibilidade, o governo tenta se afastar dessa discussão.

— Esse assunto não está na nossa pauta — disse Pimenta ao GLOBO.

Os atritos, contudo, vão além das declarações públicas. A escolha de Maneco Hassen para ser o número 2 de Pimenta no ministério extraordinário também foi motivo de desconforto no grupo de Leite. Hassen foi prefeito de Taquari e presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) durante a pandemia. Na época, Leite e Hassen tiveram divergências sobre questões como a data de retorno de atividades nas escolas do estados. Enquanto o governador defendia um calendário para que alunos voltassem a ter aulas, o prefeito defendia manter as instituições fechadas enquanto os casos da doença não arrefecessem.

Hassen nega qualquer atrito atual com Leite e afirma manter uma boa relação com integrante do governo estadual. Ele cita como exemplo uma reunião do governo estadual com prefeitos da Região Metropolitana de Porto Alegre que ocorreria na segunda-feira, mas que foi adiada para amanhã para poder ter a presença de Pimenta. Segundo ele, foi um gesto do Palácio Pirati ao petista.

— Não presenciei até agora nenhum tipo de estresse (entre Leite e Pimenta) nas várias reuniões que já tivemos juntos — afirmou Hassen.

Nomeado na quarta-feira passada como ministro da Reconstrução do Rio Grande do Sul, Pimenta voltou a Brasília no sábado e só deve retornar ao estado hoje. Na segunda-feira, participou do anúncio no Palácio do Planalto de novas medidas relacionadas à crise no estado, como novos voos para a Base Aérea de Canoas e detalhes do pagamento do Auxílio Reconstrução, de R$ 5,1 mil por família.

A própria indicação de Pimenta foi vista com ressalvas pelo entorno de Leite e criticado até mesmo por integrantes do PT. Alas da legenda avaliam que mesmo que o ministro tenha êxito na função, sua nova função poderá politizar a crise gaúcha, uma vez que seu nome tem sido lembrado para a disputa ao governo do Rio Grande do Sul em 2026. Em entrevista ao GLOBO, o petista afirmou que terá postura institucional no cargo e que a questão eleitoral não está colocada neste momento.

Antes mesmo da escolha de Pimenta para ser o nome do governo federal no Rio Grande do Sul, contudo, a ação conjunta no estado já vinha sendo marcada por atritos, cobranças e clima de desconfiança entre equipes.

A principal crítica no Planalto é de que Leite tem adotado um tom de cobrança em relação ao governo federal, como quando criticou sobrevoos de autoridades e foi enfático ao dizer que helicópteros das Forças Armadas deveriam ser usados à noite para resgate. A postura do governador não agradou ao Palácio do Planalto, que levou a queixa ao tucano.

Auxiliares de Lula afirmam considerar que o gaúcho exagera para tentar jogar os problemas para Lula. Com essa percepção, assessores palacianos passaram a assistir as entrevistas diárias que Leite concede no Sul para identificar se haverá apontamentos ou críticas ao governo federal na fala do governador.

Também há reclamações sobre Leite não dar valor às ações federais. Na quarta-feira, durante evento em São Leopoldo (RS), causou mal-estar entre ministros o fato do governador não enaltecer em seu discurso nenhuma das medidas que haviam acabado de ser anunciadas pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa.

Interlocutores do governador gaúcho, por sua vez, argumentam que as cobranças de Leite são necessárias pela posição que ele ocupa e que não cabe a ele dizer que o anunciado por Lula já o suficiente em meio ao cenário de catástrofe que se abateu no estado.

— O nível de convergência é superior ao nível de divergências. Isso que tem de ser levado em considerado nesse momento — minimiza o líder de governo Leite na Assembleia do Rio Grande do Sul, Frederico Antunes (PP).

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.