Jantar com desconhecidos e encontros com estrangeiros: um ‘test-drive’ nos aplicativos de novas amizades

Jovens promovem encontros as escuras em busca de novas amizades. Na foto, encontro de pessoas reunidas através de um algoritmo de interesses e preferencias na Casa do Sardo, em Sao Cristovao
Jovens promovem encontros as escuras em busca de novas amizades. Na foto, encontro de pessoas reunidas através de um algoritmo de interesses e preferencias na Casa do Sardo, em Sao Cristovao — Foto: Leo Martins/ Agência O Globo

“Eu sou tímida. Não gosto de falar com estranhos e demoro para me sentir à vontade em ambientes desconhecidos. Mas depois de sair da minha zona de conforto e tentar conhecer pessoas usando aplicativos e sites de relacionamento, posso garantir: há amizade real no mundo virtual.

São cada vez mais comuns plataformas que oferecem conexões entre pessoas que buscam novos círculos sociais, sem foco em relações amorosas. As opções vão de ferramentas que marcam jantares ou corridas com desconhecidos a plataformas tradicionalmente usadas para a paquera, como Tinder e Bumble, onde o match se transforma em um novo grupo para a balada.

Minha primeira experiência foi no site Meet Up, que divulga eventos voltados para atividades sociais ou profissionais, presenciais ou remotos. Escolhi me aventurar na festa Mundo Lingo, de intercâmbio linguístico, em um bar de Botafogo, na Zona Sul do Rio. Na entrada, o participante recebe adesivos de bandeiras de países que indicam sua nacionalidade e os idiomas que fala. Cerca de 80 pessoas conversavam.

A primeira pessoa com quem falei foi a pesquisadora Maarit Ahava, de 33 anos. Ela, que é finlandesa, veio para o Brasil acompanhada apenas do marido para trabalhar na Fiocruz. Como o plano é ficar dois anos, foi ao evento para aprender português e aumentar sua rede de apoio no país.

Também fiz amizade com dois casais enquanto misturava frases em inglês e português. Primeiro com a professora brasileira Anabela Paes, de 22 anos, e o fotógrafo inglês Jacob Devir, de 27, que se conheceram há dois anos no evento Mundo Lingo. Ficaram amigos, mas logo se apaixonaram e agora se prepararam para morar juntos na Inglaterra. Estavam com as mães, que foram conferir o local onde os filhos se viram pela primeira vez.

Depois conversei com a desenvolvedora de software Mirella Áspera, de 25 anos, e o analista de dados Thallys Batista, de 26, que me contaram suas aventuras nos últimos seis meses, quando passaram a trabalhar de forma remota, viajando pelo Brasil. Já estiveram em Minas Gerais, Santa Catarina e agora no Rio. Como a dupla da Bahia não tem prazo para a estadia e vai se mudar para um bairro ao lado do meu, trocamos contatos para marcarmos um samba.

Além da conversação em diferentes idiomas, achei no Meet Up reuniões de grupos de corrida, clubes de livros, de jogadores de badminton e de praticantes de ioga.

No Tinder, escondido entre as milhares de pessoas à procura de um relacionamento, o perfil Topzeiros me chamou a atenção. “Temos rolés por todo o Rio”, dizia a descrição. Dei o like, e assim que fui correspondida, a conversa foi para o WhatsApp, onde entrei em um grupo com 250 pessoas festeiras. Os integrantes trocam mais de 5 mil mensagens por dia, a maioria marcando passeios. Hoje, vão promover um piquenique no Parque Madureira, Zona Norte do Rio.

Conversei com a criadora do perfil para saber o que a fez me escolher para o match. Simone Toledo, de 38 anos, contou que, como sua intenção é reunir amigos, analisa com cuidado as fotos antes de aceitar um integrante. Se a pessoa estiver seminua, ostentando drogas ou armas, passa para o próximo.

O Bumble, outro aplicativo conhecido por conexões amorosas, também pode ser usado para amizade, caso o usuário ative o modo BFF, uma referência à gíria americana best friends forever, que define melhores amigos. Em menos de uma semana, fiz mais de dez conexões com pessoas dispostas a serem minhas companhias em bares, cafés e festas.

Na noite de quarta-feira, após deixar o segundo andar do restaurante Casa do Sardo, na Zona Norte do Rio, voltei para casa arrebatada pela experiência que tinha acabado de viver. A proposta era um jantar com seis desconhecidos, definidos pelo aplicativo Timeleft, que cobra uma taxa de R$59 e pede que o usuário responda um longo questionário sobre gostos pessoais para a seleção. Tudo na experiência tem um ar de mistério, até mesmo o local do evento, que só fiquei sabendo qual seria horas antes.

Fui a primeira a chegar e vi lugares reservados para outros três grupos. O evento é para todos os sexos, mas na minha noite só compareceram mulheres. A cada nova participante, a divisão de mesas perdia a importância. Acabamos sentando todas juntas.

Contabilizadas as baixas de quem faltou por contratempos ou desistiu, fechamos o grupo em oito, com idades dos 29 até os 46 anos, e vivências diferentes. Em comum, o fato de sermos solteiras e estarmos abertas a conhecer gente nova.

Esperava pessoas tímidas ou com dificuldade de socialização, mas fui surpreendida com mulheres extrovertidas, independentes e que gostavam de conversar. Foram quase quatro horas de bate-papo, com assuntos que transpassaram nossas vidas profissionais, experiências amorosas, projetos de viagens, contextos familiares e que culminaram na criação de um grupo de WhatsApp e na promessa de novos encontros.

No dia seguinte, mandei uma mensagem para a empreendedora e motorista de aplicativo Camila Siqueira, de 39 anos, que estava sentado ao meu lado, para saber se ela também tinha curtido a experiência. O veredito foi confirmado, ela relatou ter aprendido um pouco com cada uma das participantes. Disse ainda que tinha feito a inscrição por não ter amigos que a acompanhassem em passeios gastronômicos e estava ansiosa para marcamos uma próxima saída.

O Timeleft, que abrange países como Portugal, França, Reino Unido e Estados Unidos, chegou no Brasil em março e por enquanto só está disponível no Rio e em São Paulo. Os encontros ocorrem nas quartas-feiras, às 20h. Depois, há a possibilidade do usuário ir para um after em um bar e encontrar os demais participantes dos jantares daquela semana. No meu dia, o aplicativo não disponibilizou o encontro coletivo, gerando frustração em mim e nas minhas novas amigas.

Procurei Lucas Tugas, fundador do Confra, primeiro aplicativo de jantares com desconhecidos criada no Brasil, que atribuiu o sucesso da experiência ao fato de não ser voltada para relacionamento amoroso e sim para a conexão de pessoas que não se relacionariam em outro ambiente.

Falei ainda com o professor da Universidade da Virgínia, David Nemer, que estuda redes sociais, para saber se havia risco nas plataformas. Ele pontuou que elas podem ser positivas para a socialização, se usadas com atenção. As dicas são marcar encontros em lugares públicos e deixar informações com familiares e amigos, para que saibam onde foi o encontro e com quem.

Eu, que iniciei essa matéria com receio de não conseguir de fato estabelecer conexões genuínas, compartilho hoje minha experiência com a certeza de que há muita gente por aí disposta e disponível para novas amizades, é saber onde procurar e se abrir para o novo. Todos os meus perfis nos aplicativos continuarão ativos, porque de agora em diante, solidão nunca mais.”

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.