Herdeira do lítio: Neta de Pinochet ascende como sucessora de império forjado durante ditadura no Chile; conheça

Francisca Ponce acompanhou o pai, Julio Ponce Lerou, em evento com empresários em Santiago
Francisca Ponce acompanhou o pai, Julio Ponce Lerou, em evento com empresários em Santiago — Foto: Reprodução/La Nacion

Um vínculo de sangue com um ex-ditador chileno, uma herança milionária, um pai polêmico e um papel fundamental na empresa que produz um dos minerais do futuro. A aparição de Francisca Ponce Pinochet numa reunião financeira realizada no final de março num hotel de Santiago gerou uma série de interpretações sobre o novo papel que ela assumirá na dinastia que seu pai, Julio Ponce Lerou, forjou durante o regime militar liderado pelo avô, Augusto Pinochet.

O nome é tão poderoso quanto polêmico por sua ligação com o ex-militar chileno falecido em 2006 e que teve parte de sua fortuna confiscada por desvio de recursos públicos.

— Julio Ponce Lerou é ex-genro de Pinochet e foi casado com Verónica Pinochet, uma das filhas mais discretas do ditador. Nesses mesmos anos, começaram a ser privatizadas empresas que pertenciam ao Estado no Chile, e Julio Ponce adquiriu a Soquimich (Sociedad Química y Minera de Chile, hoje SQM) a um preço ridículo para o tipo de empresa que era. É preciso reconhecer que ele a transformou numa grande empresa, isso não se pode negar, mas foi de forma duvidosa, como outras privatizações realizadas durante a ditadura — explica Luis Felipe Vergara, analista político.

Francisca é a terceira dos quatro filhos de Julio Ponce Lerou, tem 44 anos e, no ramo empresarial, é a mais próxima do pai. Naquele dia 19 de março, no seminário Latam Focus 2024 organizado pelo BTG Pactual no hotel W, Pancha (como a chamam os próximos) entrou em uma das salas acompanhando o pai, sorridente e com atitude determinada.

“Foi uma estreia, disso não há dúvida. Onde Julio Ponce ia, Francisca ia, e ele a apresentava ao seu interlocutor, também empresário. Durante aquela manhã, aquele gesto foi repetido muitas vezes, e ela mostrou uma grande disponibilidade para conhecer e conversar com todas as pessoas que o seu pai empresário a apresentava”, descreveu um jornalista que acompanhava o evento.

Participaram da reunião renomados economistas, ex-presidentes do Banco Central do Chile e o atual ministro das Finanças, Mário Marcel. A herdeira é formada em Marketing pela Universidade Uniacc e tem diploma em Administração de Empresas pela Universidade de Berkeley, na Califórnia.

“Dava para ver que era algo muito premeditado e que ela lidava com isso de forma confortável. Seu pai sempre estuda muito bem suas aparições sociais e aquele contexto era o ideal para uma apresentação desse tipo”, acrescentou o mesmo jornalista.

Ponce Lerou tem hoje 78 anos e vive seus últimos anos à frente de um império que construiu na década de 1980 e o qual teve que abandonar após diversas polêmicas. Em 2015, renunciou ao cargo de presidente da SQM sob pressão de acionistas minoritários após ter sido revelado um esquema de financiamento de partidos políticos.

— É um personagem polêmico, que não gera maiores afinidades e amizades, muito ligado à direita mais dura do Chile. É um empresário que se caracterizou particularmente pelo tipo de negócios que possui e pela capacidade de fazer com que esses negócios nunca consigam ser tocados e nunca o afetem — analisa Luis Felipe Vergara, doutor em comunicação pela Universidade de Máñaga.

Vergara explica que Ponce Lerou dispõe de uma rede de diretores e gestores que lhe permitiram estar protegido. Em 2018, ele entregou a empresa já sob muita pressão. Sua saída foi uma condição para que o Estado prorrogasse à SQM o contrato de arrendamento do Salar de Atacama, uma das principais reservas de lítio do mundo, até 2031.

Francisca vive com a família em Ontário, no Canadá, onde tem priorizado o tempo com os filhos e aproveitado ao máximo a sua vertente esportiva, sobretudo a ligada ao ciclismo e ao triatlo. No entanto, a distância não tem sido um impedimento para que esteja ligada ao negócio do lítio. Na verdade, o Chile é o país com as maiores reservas de lítio do mundo e o segundo maior produtor depois da Austrália.

“Nos últimos dez anos, desempenhou um papel de liderança nas empresas em cascata e nas empresas a montante do SQM”, publicou o Diario Financiero de Chile sobre o polêmico esquema em que se estruturaram as sociedades anônimas vinculadas ao SQM. Cada uma delas tinha participação acionária em outra empresa, como são os casos de Oro Blanco e Norte Grande, Nitratos, Potasios e Pampa Calichera. Na verdade, Francisca foi gerente-geral da Inversiones SQYA entre 2017 e 2023, sociedade anônima que é a controladora das demais.

Quando está no Chile, Francisca tem se reunido com bancos de investimento e advogados das empresas para definir estratégias e negociações. “Assim como o pai, que durante muitos anos disse que era apenas um acionista indireto da SQM e não tinha cargo, sua filha hoje detém o poder sem uma função específica”, descreveu a mídia econômica chilena.

As principais expectativas estão voltadas para o papel que ela assumirá nas empresas que estão ligadas — indiretamente — à SQM, empresa que, para o governo de Gabriel Boric, é um pólo estratégico e símbolo da cooperação público-privada na estratégia nacional para o segmento.

Na verdade, as empresas anunciaram a assinatura de um acordo para explorar conjuntamente o Salar de Atacama, uma das principais reservas de lítio do mundo, até o ano 2060. O motivo? O Estado chileno procurou ter uma participação majoritária na exploração do mineral que, até agora, só era produzido pela SQM e pela Albermarle, com capital americano.

“Francisca é a escolhida por Julio Ponce para sucedê-lo na gestão dos negócios da família. Talvez seja tudo uma prévia do que pode acontecer em abril. Na reunião anual ordinária das cinco empresas [do grupo], é hora de renovar todos os conselhos de administração. E pode ser a oportunidade de formalizar uma substituição mais formal”, alertou o jornal La Tercera.

Apesar do perfil discreto do pai, Francisca hoje chama a atenção do mundo empresarial. Não se sabe muito sobre sua vida pessoal. Nas suas redes sociais, publicou uma imagem de apoio à candidatura presidencial de Sebastián Piñera e exibe viagens por vários lugares do mundo, quase sempre praticando esportes ou desfrutando de uma refeição com o seu companheiro, um engenheiro.

Com a família Pinochet, e principalmente com sua mãe, seu vínculo é estreito, assim como com seus três irmãos: Julio César, Daniela e Alejandro Augusto, que leva o nome do meio de seu avô, enquanto ela — Francisca Lucía — foi batizada com o nome em homenagem à avó, falecida em 2021.

Fonte: O Globo

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