Guerra em Gaza afasta Arábia Saudita do ‘novo Brics’, que tem Irã entre os membros

Premier saudita, Mohammed bin Salman, durante conferência do G20 em 2020
Premier saudita, Mohammed bin Salman, durante conferência do G20 em 2020 — Foto: Bandar AL-JALOUD / Saudi Royal Palace / AFP

Quando foi batido o martelo para a expansão do Brics, em agosto do ano passado, um dos grandes trunfos estratégicos foi a inclusão da Arábia Saudita, por seu peso geopolítico e econômico. Dez meses depois, porém, o triunfo ainda é incerto: os sauditas não têm demonstrado pressa em formalizar a sociedade, ainda que a adesão tenha sido ativamente defendida pela monarquia.

O que mudou nos cálculos de Riad foi o inesperado início da guerra em Gaza, pouco mais de um mês após o convite para aderir ao “novo Brics” a seis novos membros: Arábia Saudita, Emirados Árabes, Etiópia, Irã, Egito e Argentina (que caiu fora quando Javier Milei ganhou a Presidência). Embora a Arábia Saudita tenha restabelecido relações com o Irã em 2023, a tensão bilateral persiste. O conflito em Gaza alimenta a rivalidade e impacta o novo Brics.

Na lógica da diplomacia saudita, não há clima para entrar num clube com o Irã enquanto perdurar a guerra em Gaza, deflagrada pelos ataques terroristas de um grupo apoiado por Teerã. Supõe-se que uma das condições de Riad para avançar na normalização com o Irã (e na adesão ao Brics) é que a República Islâmica retire o apoio aos movimentos do arco radical, como o Hamas.

Fato é que, mesmo sem um recuo oficial dos sauditas em seu desejo de entrar no Brics, o engajamento até agora foi mínimo. De todas as reuniões organizadas este ano na Rússia, país que exerce a presidência rotativa do Brics, a participação saudita tinha sido zero até duas semanas atrás, quando houve o encontro de chanceleres na cidade de Nijni Novgorod.

E mesmo assim, o envolvimento foi inusitado e parcial: o ministro saudita, príncipe Faisal bin Farhan al-Saud, ausentou-se do primeiro dia, quando deveria participar da reunião em que os novos membros se juntaram aos antigos: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na foto oficial, estava faltando ele. O chanceler saudita só apareceu no dia seguinte, e limitou-se a encontros bilaterais. Ao ministro brasileiro, Mauro Vieira, Bin Farhan confirmou que seu país ainda não se decidiu sobre a adesão.

Na extensa declaração divulgada pelos chanceleres, o conflito em Gaza é abordado em 18 linhas, cujo teor principal é de críticas a Israel, sem nenhuma menção ao Hamas e ao ataque terrorista do grupo que provocou a guerra. Já o conflito na Ucrânia, deflagrado pela ação de um dos sócios do Brics, a Rússia, mereceu só um trecho vago: “Os ministros lembraram suas posições nacionais em relação à situação dentro e ao redor da Ucrânia.”

O desequilíbrio na abordagem entre os dois conflitos é um dos motivos que levam a diplomacia saudita a segurar a decisão sobre a entrada formal no Brics, segundo observadores. O temor em Riad é que o alinhamento com as posições do Brics comprometa não apenas seu desejo de manter uma “equidistância” em relação à guerra da Ucrânia, mas sobretudo o interesse de posicionar-se como uma força estabilizadora no Oriente Médio. Um acordo de paz com Israel continua sendo parte desse plano.

Em nome do pragmatismo para promover a reforma da governança global, faz-se vista grossa entre as poucas democracias do grupo ao risco de o Brics estar virando um clube de autocracias. Mas ninguém ignora o fator econômico: sem a Arábia Saudita, perde-se boa parte do peso almejado quando foi decidida a expansão, principalmente sem contar com os petrodólares da monarquia sunita na capitalização do Novo Banco de Desenvolvimento, o “banco do Brics”.

Fonte: O Globo

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