Grupo de 460 padres, bispos e diáconos reprova PL antiaborto em manifesto que será enviado ao papa

Protesto de mulheres em frente da Câmara dos Deputados, contra o PL Antiaborto discutido no Congresso Nacional
Protesto de mulheres em frente da Câmara dos Deputados, contra o PL Antiaborto discutido no Congresso Nacional — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

O coletivo Padres da Caminhada, que reúne mais de 460 padres, bispos e diáconos da Igreja Católica, divulgou um manifesto contra o projeto antiaborto, que equipara a interrupção da gravidez após a 22ª semana ao crime de homicídio. Os religiosos classificaram o PL como “vingança social” e defenderam que a medida “acarreta a grave consequência de penalizar as mulheres pobres que não podem sequer usar o sistema público de saúde”. A declaração será enviada ao papa Francisco.

“Obviamente, não somos a favor do aborto! Somos sim contra a substituição de políticas públicas por leis punitivas às vítimas de estupro e abuso, imputando-lhes um crime seguido de pena maior do que o dos estupradores”, declarou o grupo, acrescentando que “a criminalização das mulheres não diminui o número de abortos. Impede apenas que seja feito de maneira segura”.

Os religiosos ressaltaram ainda que criminalizar uma mulher vítima de estupro e abuso é violentá-la novamente.

“Que nossos legisladores sejam sinceros e tenham discernimento para perceber a condição sofredora da imensa maioria do povo brasileiro, particularmente das mulheres, e abraçá-las e protegê-las com a mais profunda humanidade. Que tenham sensibilidade para perceber que nossas ruas estão ensanguentadas e nossa infância abandonada e, consequentemente, não elaborem projetos eleitoreiros perversos, brincando com vidas humanas pobres, desvalidas e invisíveis”, conclui a nota.

A declaração do coletivo Padres na Caminhada vai de encontro ao posicionamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que se manifestou favorável ao projeto antiaborto. Em nota, a entidade pediu a aprovação da proposta, sob o argumento de defesa de duas vidas, da mãe e do bebê.

A CNBB disse que “não se insere na politização e ideologização desse debate”, mas afirmou que o direito à vida estaria sob ameaça, e que o PL “cumpre o papel de coibir a morte provocada do bebê”. Segundo a Conferência, o marco das 22 semanas “não é arbitrário”, pois, a partir dessa idade, muitos bebês sobrevivem.

“Então, por que matá-los? Por que este desejo de morte? Por que não evitar o trauma do aborto e no desaguar do nascimento, se a mãe assim o desejar, entregar legalmente a criança ao amor e cuidados de uma família adotiva? Permitamos viver a mulher e o bebê”, escreveu a CNBB.

A Conferência ainda defendeu “rigorosa e eficaz” punição para estupradores, mas disse que ” é ilusão pensar que matar o bebê seja uma solução. O aborto também traz para a gestante grande sofrimento físico, mental e espiritual. Algumas vezes até a morte”.

“Por isso, a Igreja Católica neste momento considera importante a aprovação do PL 1904/2024, mas continua no aguardo da tramitação de outros projetos de lei que garantam todos os direitos do nascituro e da gestante. Mais uma vez, reitera a sua posição em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vida humana, desde a sua concepção até a morte natural”, concluiu a CNBB.

Após as reações negativas ao andamento do projeto antiaborto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou e afirmou que a proposta será analisada por uma comissão na Casa — mesmo com a aprovação de urgência para a tramitação da proposta pelos deputados, medida que já permitiria levar o texto diretamente ao plenário. Lira disse ainda que a Câmara não vai aprovar nenhum projeto que traga prejuízos às mulheres.

avançar que traga qualquer dano às mulheres. Nunca foi e nunca será assunto do colégio de líderes. O colégio de líderes aceitou debater este tema, de forma ampla, no segundo semestre, com uma comissão colaborativa, após o recesso, sem pressa ou açodamento — declarou o presidente da Câmara.

A instalação da Comissão Representativa anunciada por Lira, e a escolha da relatoria do projeto e os representantes de cada partido nos debates, portanto, só serão feitas a partir de agosto.

De autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o texto abre margem para fixar em 22 semanas um prazo máximo para os abortos legais — casos de estupro, risco de vida à mulher e má formação do feto. Depois desse período, a mulher passaria a ficar suscetível a penas duras, seja qual for o motivo do aborto. Esse segundo ponto do projeto foi o que despertou maior controvérsia e escancarou o retrocesso na pauta, segundo os críticos, já que a punição à mulher seria maior do que a aplicada a um estuprador, que pode pegar até dez anos de prisão.

A urgência para o PL foi aprovada pela Câmara sem registro nominal dos votantes e espaço para os parlamentares discursarem. Como mostrou O GLOBO, se a redação atual do projeto de lei for aprovada, o Brasil passará a integrar uma pequena lista de menos de dez nações com penas superlativas de prisão às mulheres que interrompem a gravidez. O país se afastaria das principais democracias e teria uma das punições mais duras do mundo para mulheres.

Fonte: O Globo

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