Governo Lula erra e toma surra dos que defendem privilégios

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está sob ataque do mercado financeiro e do Congresso pela proposta apresentada para substituir a desoneração

Está explicado por que a MP (Medida Provisória)1227/2024, que limita o ressarcimento de créditos obtidos com o recolhimento de contribuições de PIS/Cofins, está sendo chamada por seus críticos de “MP do fim do mundo”. 

É que a violenta reação das “classes produtoras” e de seus representantes no Congresso à saída encontrada pelo governo Lula, capitaneada pelo ministro da Fazenda,Fernando Haddad, para compensar a desoneração parcial da folha salarial de 17 setores econômicos, desencadeou um fim do mundo na economia.

O clima na semana em que o Congresso devolveu ao governo a parte mais substancial da MP, impondo derrota acachapante a Lula e Haddad, era mesmo de fim do mundo. A cotação do dólar foi às nuvens, a Bolsa despencou, e as taxas de juros futuros dispararam.

Embora parte da pressão venha do exterior, com decisões do Fed (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA) derrubando as moedas de países emergentes, o real brasileiro tem sido um dos campeões nas desvalorizações ante o dólar. É sinal inequívoco que houve deterioração no ambiente interno.

Parte relevante dessa deterioração deve ser debitada, sem qualquer dúvida, à atuação do governo. A histórica habilidade política de Lula não está funcionando neste momento. O presidente tem sido testado por um Congresso agressivamente oposicionista, que passa a sensação de que Lula ganhou a eleição, mas não levou. 

Lula, célebre pelo pragmatismo, parece não estar ciente dessa realidade. Não dá, por exemplo, sinais de que esteja ativamente operando para rearranjar seu esquema de articulação política. O esquema não só não está funcionando, como os articuladores têm batido cabeça, cada um interpretando a seu modo a sucessão de derrotas que tem sido imposta ao governo pelo Congresso.

As fortes instabilidades atuais nos mercados financeiros, que se traduzem em ativos e indicadores econômicos desalinhados, não espelham a real situação da economia, na qual a atividade avança relativamente bem, impulsionada por renda robusta, derivada de um mercado de trabalho mais dinâmico.

Lula também está por trás dessas instabilidades. A condução pelo governo da MP do PIS/Cofins foi um desastre, com consequências danosas não apenas para as relações com o Congresso, que já estavam ruins. 

Esgarçou, de um lado, o apoio que obteve do setor empresarial, depois de eliminar desconfianças no início do presente mandato. As críticas públicas e estridentes à MP do PIS/Cofins, feitas pelo presidente do poderoso grupo Cosan, Rubens Ometto, e a declaração antes impensável de um líder empresarial de que se recusava a conversar com Lula, como a desferida pelo presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), João Martins, revelam que a perda desse apoio foi ao limite.

Mais grave, de outro lado, Lula deu argumentos para que se especulasse sobre discordâncias com Haddad, ao ponto de alimentar especulações sobre a permanência do ministro no governo. Foi preciso que Lula fizesse defesa explícita de Haddad, durante viagem à Europa nesta semana, ainda que seja difícil imaginar que Lula queira descartar Haddad.

A MP assinada por Lula e por Dario Durigan, secretário-executivo da Fazenda, que substituía Haddad, também em viagem na Europa, foi publicada no Diário Oficial em 4 de junho. Começou mal sua triste trajetória aparentemente sem que os demais ministros das áreas afetadas pelas restrições ao ressarcimento dos créditos de PIS/Cofins tivessem sido previamente consultados. Tudo indica que a articulação do governo no Congresso também tenha sido pega de surpresa pela medida, não sendo consultada sobre sua viabilidade.

Depois que a coisa ficou feia, Lula tentou reverter o desastre. Mas o fez de um jeito desastrado, deixando Haddad ao relento. Decidiu retirar a MP do Congresso, sendo atropelado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se antecipou e devolveu a MP –uma ação raríssima. 

Chamou a atenção a presença do líder do Governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA) ao lado de Pacheco, enquanto este anunciava a devolução da MP.  A mensagem que circulou foi a de que Lula apoiava a decisão do presidente do Senado e reprovava a ação de Haddad.

É verdade que muito do que a MP tentou barrar ou limitar configura privilégio fiscal. Mas, num país em que esses privilégios são quase regra –ficando a exceção para os benefícios fiscais com contrapartidas econômicas e sociais efetivas–, e sua reversão é coisa raríssima, o governo obteve a derrota estrondosa que pediu.

O resultado dessa história leva a crer que o lobby dos privilégios tributários venceu a parada mais uma vez. Em seguida à derrubada da MP, o já antigo mantra, entoado por empresários, oposição política e economistas liberais, com difusão na imprensa, segundo o qual a estratégia de esticar a corda da arrecadação para compensar a “explosão” dos gastos públicos tinha chegado ao limite, quebrando de vez o arcabouço fiscal recém em vigor, ganhou novo alento e força.

Pode ser que, politicamente, nessa recente e reforçada aliança da oposição parlamentar com empresários e economistas influentes do campo liberal, a afirmação do mantra acabe se provando verdadeira. Do ponto de vista técnico e econômico, contudo, trata-se de uma falsidade.

No Orçamento de 2024, estão previstos R$ 550 bilhões em gastos tributários. Correspondem à  enormidade de 4,5% do PIB, tendo mais do que dobrado de volume em relação ao PIB nos últimos 20 anos.

A lógica desses benefícios é a de que os beneficiados com isenções ou abatimentos de tributos oferecerão contrapartidas econômicas e sociais à população. Mas na prática a teoria é outra, e grande parte dos setores e empresas beneficiados não oferecem as devidas e exigidas contrapartidas. Apropriam-se, simplesmente, do ganho representado pelo alívio fiscal que recebem.

Avaliações da Unafisco, a associação nacional dos auditores da Receita Federal, classificam quase 60% dos gastos tributários como privilégios totais ou parciais. É uma montanha de dinheiro, quase R$ 300 bilhões por ano. Mais do que suficiente para garantir com sobras equilíbrio fiscal consistente.

Mas vá tentar, como talvez ingenuamente Haddad tem tentado, quebrar a corrente de privilégios. Correrá sangue nas batalhas dos privilegiados para impedir a retirada de benefícios. 

A conta, mantendo-se a vergonhosa história fiscal brasileira –em que quem pode menos paga mais tributos–, continuará paga pelos pobres, com infindáveis pressões para cortar gastos e limitar recursos para áreas indispensáveis como Previdência, saúde e educação.

Fonte: Poder360

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