Governo Lula cogita expulsar embaixador de Israel no Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (à dir.) ao lado do chanceler brasileiro, Mauro Vieira, durante cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco em novembro de 2023
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (à dir.) ao lado do chanceler brasileiro, Mauro Vieira, durante cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco em novembro de 2023 — Foto: Cristiano Mariz/O Globo

O presidente Lula e seus principais assessores na crise com Israel cogitam expulsar o embaixador Daniel Zonshine, que representa o governo de Benjamin Netanyahu no Brasil.

A medida, embora considerada “drástica e indesejável” pelo Itamaraty, foi discutida na segunda-feira pelo presidente Lula com o assessor especial Celso Amorim em uma reunião no Palácio da Alvorada.

“Essa é uma das opções à mesa”, disseram à equipe da coluna um auxiliar palaciano e um integrante da cúpula do Ministério das Relações Exteriores. Seria, ainda, a próxima reação possível no protocolo diplomático em caso de recrudescimento das agressões.

De acordo com as fontes do Itamaraty, a possibilidade da expulsão foi sugerida em linguagem diplomática ao próprio Zonshine na reunião entre ele e o chanceler Mauro Vieira, na segunda-feira.

No encontro, ocorrido a portas fechadas, Vieira afirmou que não interessa ao Brasil uma escalada da crise, mas que os movimentos do governo israelense — de declarar o presidente Lula persona non grata em Israel e de submeter a constrangimento o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, eram “inaceitáveis”.

De acordo com essas fontes do Itamaraty, no protocolo diplomático tal expressão deveria significar um limite, como se tivesse sido traçado uma linha que não deve ser cruzada.

Depois disso, porém, o ministro de Relações Exteriores Israel Katz fez uma postagem nas redes sociais em que cobrou de Lula um pedido de desculpas a “milhões de judeus em todo o mundo”. “Como ousa comparar Israel a Hitler?”, escreveu Katz, que classificou as declarações de Lula no último domingo um “cuspe no rosto dos judeus brasileiros”. A seguir, o perfil oficial do governo israelense chamou Lula de “negador do Holocausto”.

As duas publicações causaram uma guinada última na orientação do governo, que no início do dia na terça (20) era a de não responder ao que os diplomatas chamaram de “provocações baratas”.

Coube ao ministro Pimenta responder ao israelense nas redes sociais, acusando o chanceler israelense de distribuiu “conteúdo falso” ao atribuir a Lula “opiniões que jamais foram ditas por ele” e reafirma a posição da política externa brasileira a favor da solução de dois Estados.

Pimenta disse ainda que Netanyahu “se nutre da guerra para se manter no poder” e que, isolado, “adota prática da extrema direita e aposta em fake news para se reafirmar interna e internacionalmente”.

O chanceler Mauro Vieira também afirmou que as declarações da chancelaria israelense são “inaceitáveis na forma” e “mentirosas no conteúdo”.

Segundo o ministro, a amizade entre Brasil e Israel “sobreviverá aos ataques” de Katz e que o país sempre reagirá de forma diplomática. Mas ressaltou que vai responder “com toda a firmeza” a “qualquer ataque que receber, agora e sempre”.

Para além das acusações mútuas entre Israel e Brasil, há nessa crise um outro ingrediente que dificulta ainda mais a solução da crise: o próprio embaixador Zonshine.

Próximo de Bolsonaro, ele já foi convocado quatro vezes para reuniões de reprimendas diplomáticas pelo governo Lula desde o início da guerra com o Hamas, segundo informou a jornalista Raquel Landim na CNN.

As duas primeiras foram para pedir explicações sobre declarações à imprensa com críticas à posição do governo Lula em relação ao conflito. Em novembro, Zonshine foi chamado novamente depois de participar de uma reunião na Câmara dos Deputados ao lado de Bolsonaro. A última foi a de segunda-feira.

A expulsão do embaixador de um país importante como Israel, porém, não seria um movimento trivial e muito menos óbvio . As duas nações têm uma relação comercial relevante, que pode sair prejudicada, e restabelecê-las depois de um movimento desta natureza pode ser muito mais difícil do que trabalhar para tentar diminuir a temperatura. Não há precedente de gesto similar nas relações entre os dois países.

Além disso, o Brasil ainda tem um refém para ser libertado na Faixa de Gaza e isso pode vir a ser usado por Israel como instrumento de pressão na crise com o Hamas.

De acordo com fontes do Itamaraty, os movimentos de Lula vêm sendo avaliados de momento a momento, e os próximos passos vão depender de Israel. “É um tipo de decisão que temos que tomar sem atropelo”, diz um diplomata. “Nossa preferência é que não seja preciso fazê-lo. Mas a gente não vai ficar ameaçando. Se tiver que fazer, será feito e pronto”.

A crise com Israel começou no último domingo, quando Lula comparou em entrevista coletiva a atuação de Israel na Faixa de Gaza ao que Hitler fez com os judeus durante o Holocausto.

Em resposta, Katz declarou o presidente persona non grata no país – o que, de acordo com diplomatas envolvidos na crise, deixou Lula furioso.

O governo israelense também chamou o embaixador do Brasil em Jerusalém, Frederico Meyer, para uma reunião que deveria ter sido fechada, mas acabou acontecendo no Museu do Holocausto, em situação de grande constrangimento.

A reação do Brasil foi convocar Meyer para consultas em Brasília e chamar o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, para a reunião que – esta sim – aconteceu a portas fechadas.

Na declaração à imprensa na noite de terça-feira, no Rio de Janeiro, o chanceler Mauro Vieira disse que a postura de Israel Katz na conversa reservada com Frederico Meyer foi oposta à adotada publicamente nas redes sociais.

“O Ministro Israel Katz distorce posições do Brasil para tentar tirar proveito em política doméstica. Enquanto atacou o nosso país em público, no mesmo dia, na conversa privada com nosso embaixador em Tel Aviv afirmou ter grande respeito pelos brasileiros e pelo Brasil, que definiu como a mais importante nação da América do Sul”, declarou Vieira.

“Esse respeito não foi demonstrado nas suas manifestações públicas, pelo contrário”, completou.

Apesar de toda a tensão, integrantes do governo afirmam que Lula não deve pedir desculpas. ‘Quem tem que pedir desculpas é Israel, e não ao Brasil, mas à humanidade’, disse Celso Amorim à colunista Bela Megale.

Ainda na última terça-feira, o governo dos Estados Unidos se posicionou pela primeira vez sobre as declarações de Lula sobre a guerra em Gaza. Questionado sobre o assunto em uma coletiva de imprensa em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller, declarou que o país “obviamente discorda” da comparação com o Holocausto feita pelo presidente brasileiro. Miller também reforçou que os EUA não acreditam que tenha ocorrido um genocídio em Gaza.

A fala do porta-voz ocorreu poucas horas antes da chegada do secretário de Estado americano, Antony Blinken, a Brasília, onde se reunirá com o presidente Lula em uma agenda programada antes das declarações sobre Israel. Da capital federal, Blinken seguirá para o Rio de Janeiro, onde participará da cúpula de chanceleres do G20.

Fonte: O Globo

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