‘G20 é foro central para manter diplomacia e diálogo entre maiores potências em momentos de crise’, diz negociador brasileiro

Seminário discute desafios do G20 no auditório do jornal O GLOBO
Seminário discute desafios do G20 no auditório do jornal O GLOBO — Foto: Thayz Guimarães

Em um mundo de grandes conflitos regionais, o G20 é “central para manter a diplomacia e o diálogo entre as maiores potências em momentos de crise”. A declaração é de Maurício Lyrio, secretário de assuntos econômicos e financeiros do Itamaraty e coordenador da trilha de sherpas (negociadores) do G20, que falou durante o seminário “A agenda brasileira e nossa capacidade de gerar consensos”, nesta quarta-feira, onde foram discutidos temas como governança global, diplomacia, crises geopolíticas e polarização.

— O G20 tem uma importância indiscutível. Em momentos de crise em que a gente e a própria organização das Nações Unidas têm dificuldade de lidar com as diferenças, a gente conseguiu manter o G20 vivo — disse Lyrio, lembrando que no ano passado foram registrados 183 conflitos em todo o mundo, um recorde em 30 anos. — É preciso ter instituições fortes para manter a paz no mundo, como é o caso da ONU. Sabemos que essa função não tem sido exercida a contento. Nesse momento, não temos uma organização que está à altura dos desafios [geopolíticos], por isso é preciso reformá-la.

Lyrio ainda destacou a capacidade de negociação do G20, elencando os 15 grupos temáticos que compõem a trilha de sherpas, que vão desde agricultura a educação, passando por saúde e emprego, e reafirmou que a aliança global contra a fome é um dos carros chefes da presidência do Brasil no G20, assim como a governança global.

Batizada de “Kick-off G20 no Brasil”, a primeira rodada de encontros com autoridades e especialistas acontece no auditório da Editora Globo e foi organizada por O GLOBO, Valor Econômico e CBN. A primeira mesa também contou com a participação de Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil na China e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri); Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV); e Luciana Costa, diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). A mediação ficou a cargo do jornalista Francisco Goes, chefe de redação do Valor Econômico no Rio.

Stunkel, por sua vez, ressaltou que a tendência é que as tensões geopolíticas aumentem nos próximos anos, levando ao risco de que haja contaminação política em diversas as áreas, e alertou que “o Brasil precisa tomar cuidado para que as questões políticas não contaminem os debates técnicos”.

— Não dá para fingir que os conflitos geopolíticos não existem. Me parece que a invasão da Ucrânia não é singular, mas sim reflexo de um sistema multipolar. Estamos falando de um mundo em que não teremos apenas uma grande guerra, mas várias, localizadas — afirmou o especialista da FGV. — Alcançar uma declaração final hoje é muito mais difícil que há cinco anos. Estamos muito perto de termos o primeiro G20 sem uma declaração final.

O diplomata Caramuru concorda que o mundo “está num processo de transição bastante profundo, cujo futuro é muito imprevisível”.

— Estamos saindo de uma ordem unipolar para uma ordem multipolar com a emergência de diversos países da Ásia. Disso surgem desafios de inserção de valores que são diferenciados. O mundo se acostumou a lidar durante muito tempo com valores unipolares — disse. — O G20 é um grande foro de concertação em um contexto em que as organizações internacionais perderam força.

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Em sua fala, o representante brasileiro ainda também ressaltou a importância da agenda de combate à fome e à pobreza, lembrando que a fome cresceu no mundo. Se em 2020, eram 660 milhões de pessoas nessa condição, o dado mais recente aponta para um contingente de 735 milhões com fome, sendo 150 milhões de crianças com menos de 5 anos.

— É uma tragédia que tem que ser considerada prioridade absoluta – afirmou Lyrio, destacando que o Brasil não colocou esse tema como prioridade na agenda por “voluntarismo”, mas porque possui políticas sociais de sucesso. — Por isso, temos posição privilegiada para lançar essa agenda no sistema internacional.

De olho na COP30, a cúpula do clima das Nações Unidas que acontecerá em Belém, no Pará, em 2025, o painel também dialogou com assuntos caros ao Brasil, incluindo combate à fome e à pobreza, mudanças climáticas e transição energética. Para Caramuru, a transição energética implica numa nova lógica nas relações internacionais, e o Brasil tem “credenciais abundantes” neste tema.

— Não dá para deixar alguém para trás: ou todos os países se engajam e promovem mudanças nas matrizes energéticas, ou transição energética de baixo carbono tal qual desenhada não vai funcionar.

Stunkel, por sua vez, acredita que o grande desafio do Brasil será preservar as propostas mais técnicas [de combate às mudanças climáticas].

— Como blindar as questões climáticas quando a maioria dos líderes globais já não dialoga mais? O deslocamento de poder para a Ásia contamina diversas áreas, incluindo a academia. Hoje, pesquisas entre acadêmicos russos, chineses e americanos não funcionam mais, por isso, a participação da sociedade civil brasileira no G20 é tão importante — destaca.

O segundo debate “O que a sociedade civil espera do Brasil: prioridades, desafios e parcerias”, conta com a presença de integrantes do G20 Social, uma novidade da presidência brasileira que conta com 13 grupos de engajamento (a “família 20”) e será um espaço de participação e contribuição da sociedade civil na formulação de políticas relacionadas à cúpula. No encontro serão discutidas as principais agendas dos grupos, suas recomendações aos líderes da cúpula e a influência da sociedade civil na declaração final.

Estão presentes Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências e sherpa do Science20 (S20), grupo de engajamento que reúne as academias de ciência do G20; Constanza Negri Biasutti, sherpa do B20, fórum que reúne a comunidade empresarial global e o mais influente dentro da cúpula; Henrique Frota, diretor-executivo do Instituto Pólis e da Abong e presidente do C20, ligado à sociedade civil; e Beatriz Mattos, coordenadora de pesquisa da Plataforma Cipó, liderada por mulheres e dedicada a questões de clima, governança e paz. A mediação será da jornalista Flávia Barbosa, editora-executiva de O Globo.

O Brasil assumiu a presidência rotativa do G20 pela primeira vez em 1º de dezembro, com mandato de um ano. O objetivo do país é promover três bandeiras centrais: combate à fome, pobreza e desigualdade; desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. Para isso, estão previstas 130 reuniões que serão realizadas nas cinco regiões do país ao longo dos 12 meses e culminarão, em novembro, na Cúpula de Líderes do grupo.

O G20 reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e, a partir deste ano, a União Africana. O grupo responde por cerca de 85% do PIB mundial, 75% do comércio internacional e dois terços da população mundial. Sua principal atribuição é apoiar o crescimento e o desenvolvimento mundial por meio do fortalecimento da arquitetura financeira internacional e da governança nas grandes questões econômicas globais.

Fonte: O Globo

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