G20 discute futuro dos oceanos, responsáveis por até 6% da economia global

Arquipélago de São Pedro e São Paulo, no Oceano Atlântico: objetivo no G20 é propor diálogo para garantir a sustentabilidade dos mares
Arquipélago de São Pedro e São Paulo, no Oceano Atlântico: objetivo no G20 é propor diálogo para garantir a sustentabilidade dos mares — Foto: Simone Marinho/29-09-2008

Estratégicos economicamente e no combate à crise climática, os oceanos ganharam destaque na agenda das maiores economias do mundo neste ano com a criação do grupo de engajamento para tratar do tema dentro do G20. O chamado Oceans 20 (O20) se alinha a uma das prioridades do Brasil na presidência do fórum internacional: o desenvolvimento sustentável nos âmbitos econômico, social e ambiental. Organizações da sociedade civil têm discutido, no novo colegiado, um modelo de cooperação internacional que reconheça a importância dos mares para as economias e ecossistemas globais.

O objetivo do O20 é estabelecer um diálogo para garantir a sustentabilidade dos oceanos — a chamada “Economia Azul” —, e debater temas como relação com o clima; conservação e governança do alto mar; salvaguarda dos meios de subsistência costeiros; poluição e proteção dos oceanos.

O valor agregado estimado para a economia dos oceanos até 2030 é de US$ 3 trilhões, na ordem de 5% a 6% da economia global real e com 40 milhões de empregos diretos, segundo projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“De acordo com um recente estudo da OCDE, se o oceano fosse um país, seria a 7ª economia do mundo”, diz Simone Pennafirme, da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e uma das coordenadoras do O20: “Elevar o tema do oceano na agenda do G20 é não apenas necessário, mas também uma oportunidade para o desenvolvimento sustentável global.”

De acordo com a especialista, foram traçadas cinco prioridades para o grupo. São elas: abordar a crise climática e promover uma transição energética justa; buscar equidade social, através do reconhecimento de povos indígenas e comunidades tradicionais e do acesso à energia renovável e sistemas alimentares sustentáveis; priorizar a conservação dos oceanos e sua biodiversidade; alavancar o desenvolvimento científico e tecnológico; reforçar a implementação de acordos multilaterais e fortalecer a governança e colaboração global.

No próximo mês, o O20 enviará sugestões e demandas da sociedade civil às trilhas Sherpa e de Finanças do G20. Ao segmento que trata dos assuntos financeiros do fórum, o grupo de engajamento vai apresentar, no dia 22 de julho, um documento com recomendações que abordam desde a necessidade de desenvolver mecanismos para investir em projetos de soluções baseadas no oceano às formas de incentivar o apoio de bancos multilaterais de desenvolvimento, fundos de riqueza e governos.

Já para a trilha Sherpa, as recomendações que vão ser apresentadas, no próximo dia 4, versam sobre a Biodiversidade Além da Jurisdição Nacional (BBNJ, na sigla em inglês). O O20 defende que os países ratifiquem o Tratado do Alto Mar, acordo internacional firmado no âmbito da ONU, pelo menos até a terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, marcada para junho de 2025, na França.

“É uma grande vitória incluir os oceanos no centro dos debates do G20. Agora, o desafio é garantir que o grupo de engajamento se perpetue sob a presidência dos próximos países. Para isso, é necessário despertar o interesse sobre um tema já tão importante”, diz o assessor diplomático da secretaria-geral da Presidência da República, Gustavo Westmann, que participou dos trabalhos para criação do O20.

Uma das apostas para criar esse engajamento é a realização de uma série de eventos chamados Diálogos Oceânicos. Neles, especialistas e tomadores de decisões se reúnem para debater temas como oportunidades para a conservação marinha e os caminhos para uma economia sustentável. Os “insights” que surgirem desses encontros vão servir como uma das bases para formular o comunicado final do O20.

Outro caminho para tornar o Oceans 20 um grupo permanente no G20 é via articulações junto ao G7, que reúne as sete maiores economias do mundo. Essa conexão se dá pela atuação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), que recentemente foi qualificado como uma organização social do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

“O que se busca fazer é tornar o O20 um grupo permanente, garantindo, sempre que possível, complementaridade com os esforços que vêm sendo empreendidos no âmbito do grupo de trabalho do G7 sobre o Futuro dos Mares e Iniciativa sobre os Oceanos (FSOI, na sigla em inglês)”, diz Janice Trotte-Duhá, diretora de infraestrutura e operações do INPO, que completa:

“O INPO poderá encurtar distâncias, ampliar esse diálogo e estruturar um novo modelo de cooperação internacional, em que o impacto social de nossas ações sejam a grande prioridade científica.”

Os oceanos também são um dos pilares do Grupo de Trabalho sobre Sustentabilidade Climática e Ambiental, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente. Diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira da pasta, Ana Paula Prates explica que há três grandes prioridades do governo.

A primeira é uma recomendação para que todos os países façam seu Planejamento Espacial Marinho (PEM) em base ecossistêmica, encarando-o como um instrumento para a descarbonização. A segunda é a inclusão do oceano e das zonas costeiras nos compromissos climáticos dos países, desde o Plano Clima até as metas para redução de emissões (NDCs).

Em terceiro lugar, o grupo também propõe a ratificação do Tratado do Alto Mar. No ano passado, seus termos foram assinados sob a estrutura jurídica da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, e agora os países precisam ratificá-lo — inclusive o Brasil. É necessário que ao menos 60 nações homologuem o tratado, mas, até o momento, só seis o fizeram e nenhum faz parte do G20.

“O oceano é o grande regulador climático do planeta e pouco se fala nisso. Precisamos de ações não só porque queremos conservar a biodiversidade, mas porque o oceano precisa estar saudável para voltar a nos ajudar”, destaca Prates. “Olhar o planeta inteiro como um todo é muito importante, e não podemos ignorar 71% dele.”

Em 2021, a ONU estabeleceu esta como a Década do Oceano, com políticas de mitigação de impactos até 2030. Cálculos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) apontam que os oceanos têm aquecido globalmente e de forma constante desde 1970 e absorveram mais de 90% do excesso de calor no sistema climático. Esses impactos contribuíram para a acidificação das águas, mudanças na amplitude geográfica de muitas espécies marinhas e nas atividades sazonais em seus habitats.

O professor titular do Instituto Oceanográfico da USP Alexander Turra, à frente da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, destaca que os mares são afetados pelas três grandes crises planetárias: a mudança do clima, a perda de biodiversidade e a poluição. Ele pontua, porém, que os oceanos também são um elemento essencial para enfrentá-las.

“Vemos a supressão de habitats, ameaças a espécies exóticas, sobrepesca e uso excessivo de recursos naturais. Tudo isso cria um caldo de degradação que faz com que estejamos perdendo grandes oportunidades”, afirma Turra.

Quanto à cooperação, Israel de Oliveira Andrade, especialista em economia do mar vinculado ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ressalta a importância de focar na geopolítica do Atlântico Sul e o papel de liderança que cabe ao Brasil neste espaço.

“Manter a paz, vigilância e cooperação na região significa continuar contribuindo ao acesso seguro do transporte marítimo e ao comércio internacional no Atlântico Sul, oceano que também abriga no seu leito cabos submarinos responsáveis pela comunicação internacional, inclusive pela internet”, diz.

O pesquisador observa ainda que a chamada Amazônia Azul — conceito criado pela Marinha para designar as águas jurisdicionais do país, ou seja, o mar territorial, a zona econômica exclusiva (ZEE) e as águas extensivas à plataforma continental — tem sido objeto de diferentes interesses internacionais. Trata-se de um território oceânico adjacente à costa brasileira, com uma dimensão menor, mas comparável à complexidade da própria Amazônia, por isso o nome.

Em 2023, a Amazônia Azul concentrou 95,01% do petróleo extraído do país, de acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), sendo 76,07% do pré-sal e 19,03% do pós-sal.

No âmbito doméstico, as políticas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) refletem a reorientação para o mar. Em janeiro deste ano foi criado o BNDES Azul, composto por iniciativas voltadas à proteção socioambiental, transição ecológica e energética.

O banco de fomento tem cerca de R$ 22 bilhões em carteira em “projetos azuis”. O valor está distribuído entre óleo e gás, com R$ 13,6 bilhões aportados em docagem, embarcação de apoio, estaleiro e navio petroleiro; portos, terminais e embarcações de apoio (R$ 6,5 bilhões); transporte marítimo (R$ 1,2 bilhão); turismo marinho e costeiro (R$ 296,7 milhões); e outros instrumentos, como mapeamento para pesca (R$ 15 milhões).

“Temos uma expertise muito significativa para embarcações, o BNDES construiu aferição de metodologia de conteúdo local para as fragatas de classe Tamandaré e para o navio de apoio Antártico. Do ponto de vista do crédito, o banco é um dos principais gestores e operadores do fundo da Marinha Mercante, e o mesmo vale para a infraestrutura portuária”, pontua William Nozaki, coordenador da assessoria técnica da presidência do banco.

Um dos entraves para o desenvolvimento da economia oceânica no Brasil é que o país ainda não institucionalizou um cálculo do Produto Interno Bruno (PIB) relacionado ao mar. Muitas atividades são atribuídas a outros setores da economia, como indústria naval, transporte marítimo, esportes náuticos, turismo, pesca e aquicultura.

Desde 2020, um grupo de trabalho coordenado pelo então Ministério da Economia, rebatizado de Ministério da Fazenda após a eleição de Lula, tem atuado para propor o que caracteriza a economia oceânica, definir os integrantes deste setor no Brasil, estabelecer o método de mensuração do PIB do Mar e institucionalizar os resultados do trabalho.

Com uma gestão interministerial, o grupo também conta com a participação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Agência Nacional de Petróleo e Biocombustíveis (ANP) e da Escola Naval de Guerra da Marinha.

O IBGE tem ajudado na construção de uma metodologia que se adeque ao contexto do país. No fim de maio, o presidente do instituto, Marcio Pochmann, afirmou que pretende fazer o levantamento sobre o PIB do Mar a partir de 2026.

“Estamos trabalhando em 17 pesquisas novas [entre elas, a da economia oceânica], ou que tínhamos deixado de fazer, para serem lançadas na segunda metade dessa década”, disse a jornalistas em evento do IBGE.

De acordo o professor doutor da Escola de Guerra Naval e coordenador de estudos sobre a economia do mar Thauan Santos, a demora se dá sobretudo por percalços metodológicos: “Alguns setores têm dados fáceis, como transporte e petróleo e gás, mas outros não, como pesca e turismo. O Brasil tem uma caraterística particular, que é o trabalho informal, o que dificulta o levantamento dos dados.”

Embora ainda não exista um número oficial para o PIB do Mar brasileiro, a professora da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) Andréa Carvalho fez o primeiro estudo científico sobre o valor, usando a metodologia que o IBGE aplica para calcular o PIB total do país, que é via matriz insumo-produto.

Em 2018, a riqueza brasileira proveniente de atividades relacionadas ao mar chegou a R$ 1,36 bilhão, o que correspondia a 19,4% do PIB total daquele ano. Em 2015, o valor foi de R$ 1,11 bilhão, ou 18,9% do total. A pesquisa considerou atividades marítimas diretas e indiretas, como recursos vivos, energia, manufaturas, transporte, serviços e defesa, além de atividades primárias, secundárias e terciárias adjacentes ao mar. Isso significa que, se fosse um país, a economia marinha brasileira seria a segunda maior da América do Sul.

“Estamos despertando uma consciência marítima. O Brasil por muito tempo se interiorizou e virou as costas para a sua faixa leste. Precisamos entender que muitas pessoas almoçam e jantam por conta do mar, e o brasileiro deve enxergar o mar em todo seu potencial, o que ajuda no desenvolvimento sustentável”, destaca Carvalho.

Fonte: O Globo

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