Filme de João Wainer sobre doleira Nelma Kodama estreia nesta 5ª

Nelma Kodama
Nelma Kodama durante entrevista para o documentário que estreia nesta 5ª feira na Netflix

O documentário “Doleira: A História de Nelma Kodama” estreou nesta 5ª feira (6.jun.2024) na Netflix. Tem 1h34min. É dirigido por João Wainer, 48 anos.

Nelma Kodama, 57 anos, foi presa em 2014 com € 200 mil escondidos em suas roupas. Foi condenada na Lava Jato por operar câmbio ilegalmente com dinheiro de corrupção.

O documentário mostra como Kodama, de uma família de alta renda de Lins (SP), formada em odontologia, tornou-se doleira. Depois, foi amante e sócia de Alberto Youssef, personagem central no esquema de corrupção investigado na Lava Jato.

Kodama fazia operações de câmbio para contrabandistas da rua 25 de Março, na região central de São Paulo. Por isso tinha sempre muito dinheiro em espécie, usado por Youssef para pagar propina a políticos sem deixar rastros.

“Essa conexão entre o contrabando da 25 de Março com a Lava Jato para mim foi uma coisa nova. Esses casos não têm ligação. Mas era o mesmo dinheiro físico”, declarou Wainer.

Assista à entrevista (14min24s):

Em 2014, o então juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) condenou Kodama a 18 anos de prisão. Ela fez um acordo de delação premiada em 2016. Passou à prisão domiciliar. Usou tornozeleira eletrônica até 2019.

Em 2022, foi presa em Portugal sob acusação de participar de uma quadrilha internacional de tráfico de drogas. Foi extraditada para o Brasil. Teve a delação premiada da Lava Jato revogada em abril de 2023.

“Doleira: A História de Nelma Kodama” tem depoimentos, entre outros, de Kodama e do diretor de Redação do Poder360, Fernando Rodrigues. João Wainer também dirigiu os documentários “Pixo”, de 2009, e “Junho: o Mês que Abalou o Brasil”, de 2014, além dos filmes de ficção “A Jaula” (2022) e “Bandida: a Número 1”, que estreará em junho de 2024.

A seguir, leia trechos da entrevista de João Wainer:

Por que a escolha de Nelma Kodama entre tantos personagens da Lava Jato?

“Ela é uma personagem muito interessante. Tem características que são bem peculiares. O que eu gosto da Nelma é o fato de ela ser uma personagem que não é. Ela não foi protagonista nos escândalos. É uma personagem secundária. Mas isso dá a ela um ponto de vista privilegiado. Acho que não tem outra figura tão interessante quanto a Nelma”.

Ela resistiu a ser entrevistada para o documentário?

“Como todos os doleiros [seriam], ela foi bastante desconfiada no começo do processo. Aos pouquinhos, a gente foi chegando e conversando, se aproximando. Ela acabou ficando bem confiante. Foi se soltando. No final, ela entregou tudo”.

Há entrevistas gravadas com ela na cadeia e outros no apartamento dela. Quando começou a gravação?

“A 1ª gravação a gente fez com ela na cadeia em Salvador, em dezembro de 2022. A gente não sabia o que ia acontecer. Não sabia se ela ia sair. A gente gravou aquela entrevista para garantir e foi monitorando, ficou em contato com ela. Da Bahia, ela veio para São Paulo. Ficou presa mais 3 a 4 meses. Quando ela saiu, foi para a prisão domiciliar com tornozeleira. A gente pôde gravar uma entrevista um pouco mais completa, com estrutura maior, no apartamento dela. A gente passou todo o ano de 2023 filmando as outras entrevistas. É sempre um processo longo, mas é isso que deixa esses os documentários tão especiais”.

Pode citar algo inesperado durante a produção do filme?

“Acho que o principal foi o momento da saída dela da cadeia [em São Paulo]. A gente não sabia quando ela ia sair, se ela sairia ou não. A gente estava filmando as cenas com os atores, a reconstituição. No dia em que ela saiu, a gente estava com a equipe toda mobilizada nessas cenas com os atores. Teve que se dividir e conseguir mandar uma equipe passar o dia lá [no portão da Penitenciária Feminina Sant’Anna, na região Norte de São Paulo] esperando ela sair. Eu acabei ficando com os atores. A gente estava com uma sequência de cenas muito importantes para fazer. Documentário é sempre com emoção, nunca é simples. Mas, depois que fica pronto, é um prazer tão grande que você nem se lembra direito das dificuldades. Só se lembra daquilo que está na tela, que é o que fica”.

Houve alguma restrição por parte de Nelma Kodama para fazer o filme? Por que ninguém da família dela fala no documentário?

“Ela não botou nenhum tipo de restrição. A família não está no filme porque não quis. Eles acharam que não era interessante. Ela disse para nós: ‘Pode falar do que quiser, não tenho medo de responder a nenhuma pergunta’. Ela tem uma personalidade muito forte. É uma pessoa que impõe a personalidade dela. A gente foi negociando, sempre com delicadeza, tomando todos os cuidados que a gente possa tomar. E ela acabou entrando no filme. Veio com tudo. Quando ela abraçou o filme, todos os problemas se acabaram. A gente conseguiu trabalhar de um jeito legal”.

O que o documentário traz como revelação do ponto de vista jornalístico na sua avaliação?

“Uma coisa que eu acho bem interessante que o filme traz, eu não tinha essa noção: a importância principal da Nelma na Lava Jato era o fato de que, por ela trabalhar com os ambulantes da rua 25 de Março, com os contrabandistas, ela tinha o ‘recolhe’, no fim do dia, nas bancas, na galeria Pagé. Ela tinha muito dinheiro vivo. Os outros doleiros acabavam recorrendo a ela. Era o banco do [Alberto] Youssef. Quando se precisava de dinheiro vivo para encher a maleta do deputado, era à Nelma que ele recorria. Essa conexão entre o contrabando da 25 de Março e a Lava Jato para mim foi uma coisa nova. Esses casos não têm ligação. Mas era o mesmo dinheiro físico”.

Os documentários mudam a forma de fazer jornalismo de modo mais amplo?

“Acho que sim. É uma forma de fazer jornalismo com uma estrutura diferente, com tempo diferente. Eu venho do jornalismo diário, trabalhei muitos anos na Folha [de S.Paulo]. Depois em revistas. Mas é coisa muito rara ter tempo e esta estrutura. Ter 1 ou 2 anos para produzir um filme, para fazer uma pesquisa bem feita, para se aprofundar no personagem, para refletir e tirar conclusões. Para mim, que nasci no jornalismo diário, fechando uma edição por dia, talvez o grande barato seja esse. Estou gosto muito de trabalhar desse jeito, com fôlego e com estrutura. Está sendo bem legal. Acho que isso acaba se imprimindo de alguma maneira no produto”.

Quais as novas linguagens do jornalismo?

“Eu acho que são várias. O jornalismo não vai morrer, não vai acabar. A gente vai mudar as maneiras de entregar a informação. O documentário é só mais uma delas. A busca pela informação continua intacta. Quando a gente vai produzir o documentário, acaba recorrendo a alguns elementos narrativos que vêm do drama, da ficção. Acaba criando viradas, personagens que têm uma força de um personagem ficcional. Eu acho que a Nelma tem. A galera vê o trailer e me pergunta: ‘Isso é ficção ou realidade? É uma atriz que está ali?’. Essa é uma das forças dessa linguagem nova do jornalismo. Você poder trabalhar com elementos que vêm do cinema, da dramaturgia. Eu trabalhei bastante na ‘TVFolha’ desenvolvendo formatos de jornalismo em vídeo. Eu acho que essa busca por novos formatos e novas maneiras de comunicar são fundamentais. Ao mesmo tempo, eu sinto que a essência do jornalismo é a mesma desde sempre. É pegar uma boa história, contá-la bem contada, de um jeito que as pessoas se interessem. Isso pode funcionar tanto num vídeo pequenininho, de TikTok, quanto num documentário de 1h40 na Netflix. A essência é a mesma. A gente vai mudando um pouquinho as ferramentas e a maneira de contar. Vai acrescentando elementos da época em que a gente está vivendo”.

Fonte: Poder360

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