Exigência de visto para viajantes de EUA, Canadá e Austrália divide o governo; Câmara planeja derrubar medida

Aeroporto Santos Dumont
Aeroporto Santos Dumont — Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

O adiamento para abril do início da cobrança de visto para entrada de cidadãos dos EUA, do Canadá e da Austrália representou uma vitória temporária do setor do turismo sobre a posição do Itamaraty, mas está longe de encerrar a controvérsia sobre o tema dentro do governo e com o Congresso Nacional. Enquanto o Ministério das Relações Exteriores e o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, defendem o princípio da reciprocidade, outras pastas como Turismo, Portos e Aeroportos e Desenvolvimento, Indústria e Comércio querem a liberação dos turistas dos três países e contam com o Congresso para derrubar a medida que impacta cerca de 700 mil estrangeiros que desembarcam no Brasil por ano.

No último dia 18 de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para analisar um Projeto de Decreto Legislativo que retoma a dispensa de visto. Procurada, a presidência da Câmara comandada por Arthur Lira (PP-AL) respondeu que a expectativa é de uma tramitação célere pelo entendimento que a dispensa é importante para os negócios do país.

A reciprocidade se baseia no fato de EUA, Canadá e Austrália cobrarem visto para entrada de brasileiros em seus países. O governo procurou as autoridades dos países, mas os três disseram que iriam manter a política em relação a visitantes brasileiros. A cobrança de visto para cidadãos dos EUA é rara na América Latina. México, República Dominicana, Costa Rica, Peru, Colômbia e Argentina dispensam a exigência, por exemplo.

Para Alfredo Lopes, presidente da associação Hotéis Rio, a cobrança de visto é um “contrassenso”. Ele argumenta que a cobrança sobre brasileiros nos EUA se justifica porque existe tendência de migração de brasileiros para o país, enquanto o inverso não acontece.

— É inexplicável, uma perda enorme de receitas para o Brasil. Recebemos menos de seis milhões de turistas estrangeiros por ano há décadas. Só Buenos Aires recebe mais que o Brasil inteiro, isso é fruto de promoção e divulgação ruim no exterior. É um contrassenso no momento que ministro Fernando Haddad busca receitas em todos os lugares, essa está quicando na mesa — explica Lopes, que já participou de reuniões com congressistas e a Embratur.

Se o Congresso derrubar a medida, contudo, o caso pode parar no Supremo Tribunal Federal (STF). É o que explica Marcelo Godke, especialista em Direito Empresarial e Societário da USP. Ele cita o artigo 84 da Constituição, que diz que cabe ao presidente, privativamente, manter relações com Estados estrangeiros.

— Cabe ao presidente da República tratar dos requisitos para concessão de visto e não a quaisquer terceiros. A competência para lidar com o assunto não é do Congresso Nacional

Nos 11 primeiros meses de 2019, quando os vistos foram derrubados no governo passado, 520 mil americanos vieram ao Brasil. No mesmo período de 2023, o número subiu para 593 mil (os dados de dezembro ainda não foram divulgados). A quantidade de canadenses subiu na mesma proporção no período e os de australianos diminuiu em 16%.

No início do ano passado, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, se disse contra a cobrança de visto, a qual considerou um “retrocesso”. Em fevereiro, durante reunião na sede do São Paulo Convention & Visitors Bureau (SPCVB), ele afirmou que pedira ajuda ao vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e estava em contato com outros ministérios a fim de reverter a política que “não traz nenhum benefício”, conforme citou na época.

Embora estejam travando uma disputa interna, os defensores da derrubada do veto dentro do governo têm procurado não reclamar em público da medida idealizada por Celso Amorim. Nas últimas semanas, o vice-presidente Geraldo Alckmin atendeu a pedidos de reunião de operadores do setor. Ao UOL, ele declarou que o turismo é uma ação “fundamental” para geração de emprego e renda, mas procurado pelo GLOBO para comentar sobre a cobrança de visto, disse que o assunto é de responsabilidade das pastas do Turismo e Relações Exteriores.

O ministro do Turismo, Celso Sabino, e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, também tentam convencer o governo internamente de que a medida prejudica a atração de turistas para o Brasil, mas permanecem em silêncio quando provocados a se posicionar em público. Em nota no último dia 4, quando noticiou o adiamento do prazo, o Ministério das Relações Exteriores informou que a medida se deu pela necessidade de “conclusão do processo de implementação do sistema de vistos eletrônicos, que conferirá praticidade e celeridade à outorga dos vistos”. Segundo o ministério, até 3 de janeiro, 42% dos quase 30 mil pedidos de vista eletrônicos “apresentaram imprecisões no preenchimento de solicitação e na documentação encaminhada”. Por outro lado, cerca de 60% dos requerimentos válidos (sem erro) já haviam sido autorizados.

Segundo o Itamaraty, a cobrança acontecerá por causa do princípio de reciprocidade, e os vistos durarão por até 10 anos. Em nota, o Itamaraty disse que o Brasil não concede isenção unilateral de vistos de visita, sem reciprocidade, a nenhum outro país e que, portanto, o decreto de 2019 “rompeu com o padrão da política migratória brasileira”.

Fonte: O Globo

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