Ex-campeão mundial de xadrez entra na lista de ‘terroristas e extremistas’ da Rússia

O enxadrista russo Garry Kasparov cobrou medidas para impedir o avanço das tropas russas na Ucrânia
O enxadrista russo Garry Kasparov cobrou medidas para impedir o avanço das tropas russas na Ucrânia — Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

A Rússia incluiu o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov na sua lista de pessoas declaradas “terroristas e extremistas”, segundo uma nota do serviço de vigilância financeira do país consultada pela AFP nesta quarta-feira. Crítico do presidente russo, Vladimir Putin, Kasparov vive exilado nos Estados Unidos desde 2013, embora continue denunciando o governo russo e a guerra na Ucrânia.

Nascido em 1963 no Azerbaijão, então parte da União Soviética, Kasparov foi um dos maiores jogadores de xadrez do mundo antes de se tornar um feroz adversário de Putin. Kasparov ficou famoso por seu longo duelo na década de 1980 contra Anatoly Karpov, outra lenda do xadrez soviético. Este último, porém, foi eleito deputado pelo partido do presidente russo, a quem apoia publicamente.

Em 2022, Kasparov foi designado “agente estrangeiro” na Rússia, rótulo usado contra opositores massivos, geralmente jornalistas e ativistas. A maior parte dos outros opositores proeminentes do país está presa. Nesse cenário, sobra até para os menores de idade: desde o início da invasão russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022, até junho do último ano, ao menos 13 adolescentes de 15 a 17 anos foram processados criminalmente no país por sua posição antiguerra.

Em fevereiro, Putin promulgou uma lei que permite ao Estado confiscar bens de pessoas condenadas por criticar o Exército russo e a ofensiva militar na Ucrânia. A medida autoriza as autoridades a tirar dinheiro, propriedades e bens daqueles condenados por espalhar “fake news” sobre a Defesa do país. Na ocasião, o presidente da Duma (Câmara baixa do Parlamento russo), Vyacheslav Volodin, apelidou o texto de “lei sobre canalhas e traidores”.

— É necessário punir canalhas, incluindo figuras culturais e [pessoas] que apoiam nazistas e jogam sujeira em nosso país, soldados e oficiais envolvidos na guerra. Qualquer um que tente destruir e trair a Rússia deve ser punido como merece e compensar o dano causado ao país às custas de sua propriedade — afirmou Volodin.

A lei se soma à outra aprovada logo após a invasão russa e que impôs sentenças de até 15 anos de prisão e multas por “desacreditar” o Exército russo. Ao jornal britânico The Guardian, Maria Nemova, advogada do grupo de direitos humanos Memorial, afirmou que “as emendas visam principalmente combater o ‘inimigo interno’; opositores da guerra que expressam suas opiniões e tentam convencer os outros”.

Também nesta quarta-feira, o jornalista e blogueiro russo Roman Ivanov foi condenado a sete anos de prisão por ter publicado mensagens críticas à ofensiva russa na Ucrânia nas redes sociais. O tribunal de Koroliov, cidade a 6 km de Moscou, considerou Ivanov, de 51 anos, culpado de “divulgação de informação falsa” sobre o Exército russo.

Uma das publicações feitas por ele mencionava a cidade ucraniana de Bucha, onde corpos de civis foram encontrados em abril de 2022. Kiev acusou o Exército russo pelo massacre, mas Moscou sempre negou seu envolvimento. Governos dos Estados Unidos e da União Europeia também acusaram a Rússia de um massacre. Na época, o caso levantou debates sobre um possível crime de guerra: o assassinato indiscriminado de civis, com evidências de execuções sumárias e torturas.

Após o anúncio da sentença, os apoiadores do jornalista que estavam presentes no tribunal gritaram: “Roma (diminutivo de Roman), estamos contigo. Você não está sozinho”. O grupo também gritou lemas contra a guerra na Ucrânia. Entrevistada pela imprensa, Alla Ivanova, mãe de Ivanov, denunciou uma “montagem” para acusar o jornalista.

— Ele lutava por nós, nos ajudava — disse.

Durante o julgamento, Roman Ivanov, detido em abril de 2023, defendeu sua inocência e considerou que o processo se devia à “repressão” das vozes críticas ao Kremlin. Aos juízes, ele disse que gostaria de “pedir perdão a todos os ucranianos a quem nosso país causou dor”, e que “o jornalismo já não existe na Rússia”.

Ivanov trabalhava como jornalista esportivo para uma rede estatal quando, em 2019, criou seu próprio canal no YouTube, “Koriolov Honesto”, onde denunciava casos de corrupção na Câmara Municipal, fraudes eleitorais e problemas ambientais. Ele foi demitido da rede estatal em 2021 por suas opiniões. Em sua audiência, chegou a dizer que “uma das consequências mais graves deste processo” era o fato de que as pessoas de Kariolov ficariam sem sua ajuda “durante muito tempo”.

Nos últimos meses, Ivanov escreveu para o jornal independente RusNews, onde também trabalhou Maria Ponomarenko, condenada em 2023 a seis anos de prisão por postar uma crítica à ofensiva na Ucrânia. Nos últimos dois anos, cerca de 20 mil pessoas foram detidas na Rússia por declarações contra a guerra, segundo a ONG OVD-Info.

A sentença do jornalista e a classificação de Kasparov como “terrorista e extremista” ocorre menos de um mês após a morte de Alexei Navalny, principal opositor de Putin. Navalny cumpria uma pena de 19 anos por extremismo quando, segundo o Serviço Penitenciário Federal russo, “sentiu-se mal após uma caminhada” e perdeu “quase imediatamente a consciência”.

Com a morte do opositor, e repressão intensa a qualquer voz crítica, Putin aspira sem problemas a um novo mandato de seis anos na Presidência da Rússia nas eleições marcadas para este mês.

Fonte: O Globo

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