Entrevista: ‘Vou esperar pela minha filha até o dia que eu morrer’, diz mãe da menina Ana Sophia oito meses após sumiço

Dona Socorro com a foto da filha, Ana Sophia
Dona Socorro com a foto da filha, Ana Sophia — Foto: Arquivo pessoal

Não tem quem convença a dona de casa Maria do Socorro Nobre Gomes, de 42 anos, de que a sua filha, Ana Sophia, de 8 anos, esteja morta. A menina desapareceu em Bananeiras, interior da Paraíba, no dia 4 de julho de 2023, sem deixar qualquer vestígio de homicídio. Para os policiais que investigaram o caso, porém, ela foi estuprada e assassinada por Tiago Fontes Silva da Rocha, de 34 anos. O corpo da vítima nunca foi encontrado e o suspeito acabou cometendo suicídio, levando com ele o segredo: onde está o corpo de Ana Sophia?

Dona Socorro acredita que a filha entrou na casa de Tiago, mas não consegue acreditar que ele a matou. “Acho que minha filha foi vendida”, especula a mãe em entrevista ao blog. Ela também acusa a polícia de encerrar o caso às pressas sem esclarecer todos os mistérios que cercam o sumiço da menina.

Evangélica da Assembleia de Deus, ela chora bastante quando se lembra do dia em que a filha se despediu e saiu de casa para nunca mais voltar. “Vou esperar pela minha filha até o dia que eu morrer”, avisa.

Especialista em processo de luto, a psicóloga Karina Fukumitsu diz que não existe um tempo estimado para uma pessoa processar a perda de um ente querido, “pois cada um se enluta à sua maneira e ao seu tempo”. “Quando não se vê o corpo da pessoa morta, a esperança de que ela está viva e voltará para casa persiste. Nesse caso, o luto se torna complicado e traz um sofrimento ainda maior. Principalmente em casos de mortes onde não há velório”, analisa Fukumitsu.

Mãe de 8 filhos, dona Socorro nega que esteja em processo de negação, como muitos afirmam. “A cama de Sophia está feita até hoje. Só vou acreditar que ela morreu se me trouxerem um fio de cabelo ou mesmo uma gota do seu sangue”, diz, determinada.

Veja os principais trechos da entrevista.

Como era a Ana Sophia?

Era uma menina carinhosa, brincalhona e muito estudiosa. Já sabia ler, escrevia o nome dela inteirinho e fazia até contas de somar e diminuir. Vivia sempre sorrindo. Cheia de amor no coração. Pelo amor de Deus, meu filho, me diga onde está a minha menina. Onde?

A senhora sonha com a sua filha?

Todas as noites, a Sophia aparece para mim. Sonho com ela desde a hora que me deito até a hora de acordar. São sonhos lindos com ela brincando com anjinhos e cercada de flores. Eu sempre sonho com ela chegando em casa com a mesma roupinha que ela saiu de casa, no dia 4 de julho de 2023. Às vezes, ela está com blusinha branca e bermuda jeans. Eu agarro ela, encho de beijos. Aí eu pergunto: “Onde você estava, minha filha?” Tá todo mundo te procurado. Quando ela vai responder, eu acordo. Me dá uma raiva. Mas no dia seguinte sonho tudo de novo.

Conte mais.

De vez em quando, eu vejo a minha filha andando pela casa como se fosse um espírito. Principalmente quando estou sozinha fazendo o almoço ou na madrugada. Eu olho para o lado, e ela está em pé do meu lado. Eu puxo conversa e ela me pede calma. Diz para eu ficar esperançosa porque Deus vai trazer ela de volta para mim.

Quando você viu a Ana Sophia pela última vez?

No dia em que ela sumiu, às 11h40 da manhã. Estava sentada na cadeira de balanço com a minha filha mais nova nos braços. A Ana Sophia perguntou se podia brincar na casa da coleguinha chamada Emily. Eu falei assim: “Não vai porque o sol está muito quente”. Ela insistiu, insistiu e acabei deixando. Se arrependimento matasse…

Como foi a despedida?

Não gosto nem de falar. [choro] A minha filha saiu de casa, caminhou um pouco e voltou para me abraçar. Ela disse: “Mãe, eu te amo muito”. Ficou agarrada em mim com aquele cabelo lindo cheio de cachinhos. Me cobriu de beijos e foi embora. Só que ela voltou mais uma vez e me deu mais beijos, como se estivesse se despedindo para sempre. Fez isso três vezes, como se pressentisse alguma coisa. Fiquei com o coração apertado nesse dia. Estou esperando a minha filha voltar até hoje. É uma dor que parece não ter fim. [choro]

Do ponto de vista da religião, como a senhora encara o sumiço da sua filha?

Acredito que Deus vai trazer a minha filha de volta. Vai ter um milagre, sabe? Ela entrou na casa do Tiago, mas a polícia não conseguiu me provar que ela foi morta por ele. Eu quero a minha filha de volta! Só acredito que ela morreu se me mostrarem o corpo dela no caixão. Cadê?

O que a faz acreditar que ela está viva?

Eu sinto no meu coração de mãe que a Ana Sophia está viva em algum lugar desse mundo. Eu sinto. Não sei explicar para o senhor o meu sentimento de fé. Se a polícia trouxer aqui em casa uma gota de sangue da minha menina, um fio de cabelo que seja, uma unha, eu posso até acreditar na possibilidade de ela ter sido assassinada. Mas cadê as provas? Cadê a roupinha dela? Cadê o cadáver? Cadê? Não me venha com suposições. Quero provas. Prefiro acreditar na flor que Deus plantou no meu coração, me fazendo crer que ela está viva. Ela está viva. [choro]

Você já enterrou um filho antes, certo?

Há cinco anos eu tive um bebezinho chamado Miguel que nasceu com sete meses de gestação. Ele viveu cinco dias e morreu nos meus braços. Eu enterrei o meu anjinho aqui em Bananeiras. Nessa época, tive depressão. Esse sim, eu vi morto.

A senhora acredita que pode estar em processo de negação?

O que é isso?

A polícia diz que a sua filha foi assassinada, mas a senhora se recusa a acreditar.

Jamais! Se a minha filha estiver morta, estou aqui em casa esperando uma prova. Enquanto não provarem que ela morreu, eu sigo inconformada. Sonhando com o dia que ela vai voltar para casa.

Como manter a esperança de encontrar a sua filha viva após oito meses, diante de tantas evidências apontadas pela polícia?

A única evidência que a polícia tem é que a minha filha entrou na casa do Tiago. Mas cadê a prova de que ele a matou? Não tem, né? Ele pode ter vendido a minha filha para o tráfico internacional, por exemplo. Isso a polícia não quer investigar.

Até quando a senhora pretende esperar pela Ana Sophia?

Enquanto eu estiver respirando, vou aguardar por ela. Até o fim dos meus dias.

A Ana Sophia percorreu um quilômetro sozinha até chegar à casa da amiga. Acha que pode ter havido negligência?

Não, porque no interior a vida da gente é assim. Na capital é diferente. Mas aqui, não. As crianças vão para tudo quanto é lugar. A Sophia estava acostumada a andar sozinha na rua. Ela sempre ia na casa dessa coleguinha. As duas se conheceram na Assembleia de Deus.

A polícia apontou que a senhora teve um caso com um cunhado, que chegou a ser investigado pelo desaparecimento da Ana Sophia. É verdade?

Os policiais de Bananeiras são todos fuxiqueiros. Eu contei isso a eles sob segredo porque minha família passou a ser suspeita de ter sumido com a Ana Sophia. Eu tive, sim, um caso com o meu cunhado. Isso faz 18 anos. Eu fui levar o café da manhã para o meu marido lá na roça e o irmão dele me agarrou à força. Eu engravidei e tive uma menina. Já contei tudo ao meu marido e ele perdoou a mim e ao irmão. Tanto que ele registrou a sobrinha como se fosse filha e está tudo bem. O bom disso tudo é que a minha menina agora tem dois pais.

Fonte: O Globo

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