Entrevista: ‘Evento climático extremo vai se tornar cada vez mais rotineiro’, afirma Suzana Kahn, diretora da Coppe/UFRJ

Pesidente da Coppe UFRJ Suzana Khan
Pesidente da Coppe UFRJ Suzana Khan — Foto: Hermes de Paula / Agência O globo

Integrante do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, a diretora do Coppe, Suzana Kahn, sugere para as cidades a pavimentação de pisos intertravados, para que a água se infiltre e amenize as enchentes. Também defende a criação de centros estaduais de planejamento e execução de obras de prevenção.

O sistema de contenção de águas de Porto Alegre falhou. O que a senhora propõe para que o mecanismo seja mais seguro?

O que faltou em Porto Alegre e que precisa ser corrigido é a falta de manutenção. Esse tipo de evento climático extremo vai se tornar cada vez mais rotineiro. É fundamental que o sistema de contenção seja sempre verificado, assim como os extintores de incêndio são verificados periodicamente em prédios. Além disso, é importante que seja feita a instalação de uma rede elétrica subterrânea, isolada das águas para que não haja queda de energia, o que impede o funcionamento das bombas d’água.

Quais medidas urbanas que podem ser eficazes para conter a força das águas nas ruas?

A instalação de pavimentação de pisos intertravados possibilita que a água se infiltre, percolando pelo solo. Esse tipo de piso deveria compor a pavimentação não só de calçadas, mas de ruas, rodovias e lugares com tráfego mais pesado. Nas calçadas, é possível deixar entre os blocos um pouco de terra com grama, blocos de concreto com grama. Como faz muito calor no Brasil, esse material precisa ser escolhido com cuidado, pois os blocos vão se expandir com as altas temperaturas.

No Rio e em São Paulo foram construídas galerias que atuam como reservatórios em épocas de chuvas. Há algum sistema parecido em Porto Alegre? Esses “piscinões” seriam eficazes no Rio Grande do Sul?

Não existe esse tipo de instalação em Porto Alegre. Acredito que uma estratégia importante, na verdade, seja a criação de parques lineares, áreas de natureza construídas paralelamente aos cursos de água, como rios e córregos. A vegetação e a parede natural resistem melhor às cheias. O que ocorre em áreas urbanas é que a cidade vai crescendo, o leito dos rios vai sendo alterado e essas áreas verdes removidas. Esses cursos d’água precisam estar ocupados por parques, manguezais e áreas de várzea.

O que é possível aprimorar, administrativamente, para que cidades possam lidar com eventos climáticos severos?

Quando acontece algo assim você tem o deslocamento da Defesa Civil estadual para lidar com as emergências, mas é necessária a criação de uma organização de pessoas e equipes que projete e execute obras de prevenção contra eventos climáticos. Não só enchentes, mas secas e outros fenômenos naturais agravados pelas mudanças climáticas. Não tem sentido cidades pequenas terem esse tipo de estrutura. Um centro de coordenação estadual faria mais sentido. Além disso, no Brasil, temos institutos importantíssimos como o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ele é fundamental na criação de alertas em emergências, mas falta uma interface com a população, como faz o Centro de Operações Rio (COR), no Rio. Não adianta ter o alerta sem combinar com o alertado.

As cidades do país não dispõem de profissionais capazes de elaborar e realizar projetos que possam evitar e mitigar danos?

As prefeituras não necessariamente têm essa capacitação técnica. Até hoje tem recurso retido na Caixa Econômica Federal voltado às tragédias causadas pelas chuvas na Região Serrana do Rio em 2011. Não foi gasto pois não tem projeto, nem técnicos. Precisamos encerrar essa negligência da administração pública no Brasil. Esses eventos climáticos não são mais acontecimentos esporádicos.

Fonte: O Globo

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