Entrevista: ‘É cedo demais para ele ser libertado’, diz promotor responsável pela execução penal de Alexandre Nardoni

Alexandre Nardoni, às esquerda, e o promotor Luiz Marcelo Negrini
Alexandre Nardoni, às esquerda, e o promotor Luiz Marcelo Negrini — Foto: Fotos de reprodução

Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos, Roger Abdelmassih, Gil Rugai, Anna Carolina Jatobá e, agora, Alexandre Nardoni. Em algum momento, a vida dos criminosos notórios que cumprem pena em Tremembé, no interior de São Paulo, passou pela mesa do promotor de Justiça Luiz Marcelo Negrini.

Com 32 anos de carreira no Ministério Público paulista, ele já bateu ponto no Tribunal do Júri e no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Desde 2014, atua junto à Vara de Execuções Penais de Taubaté, onde tramitam cerca de 15 mil processos. Nesse posto, Negrini acompanha a execução penal de assassinos que cumprem pena nas penitenciárias do Vale do Paraíba. Foi ele quem pediu à Justiça que Nardoni — condenado pela morte da própria filha, Isabela, então com 5 anos — só progrida ao regime aberto após ser submetido ao chamado teste de Rorschach, que mensura traços da personalidade do indivíduo.

Nesta semana, saiu o resultado do terceiro exame criminológico que Nardoni fez em Tremembé. O trecho mais curioso do novo relatório refere-se justamente às percepções do réu sobre o homicídio da filha: “O sentenciado demonstra ter consciência da gravidade do fato. Contudo, não expressa arrependimento por algo que não cometeram. Seus sentimentos são de dor pela perda da filha. Ao longo dos anos, tem interposto recursos, reunindo elementos novos, alguns não considerados, visando provar sua inocência e chegar ao verdadeiro culpado”, diz relatório assinado pela assistente social Adriana Campos em 19 de abril de 2024.

No mais recente relatório psiquiátrico, Nardoni também insiste na tese de que o crime não foi cometido por ele e por sua mulher, Anna Jatobá, também sentenciada pelo assassinato da enteada. “Afirma que ele e a esposa seguem tentando provar inocência. Contrataram peritos independentes para buscar opiniões divergentes em relação às lesões encontradas na filha para contestar o laudo oficial do IML (Instituto Médico-Legal), além de apontar elementos que não foram considerados no julgamento, como a presença de pessoas estranhas no apartamento no momento do crime”, pontua o parecer assinado pelo psiquiatra forense Leandro Gavinier.

Em entrevista exclusiva, Negrini destaca que o maior obstáculo para a liberdade de Nardoni é justamente o fato de ele não confessar ter matado a própria filha. Pesa contra ele ainda o fato de ter cumprido apenas pouco mais da metade do total de sua pena de 29 anos. Se depender do promotor, o pai de Isabella permanecerá por mais tempo no regime semiaberto. “É um crime muito grave para ele ter o benefício da liberdade agora”, opina. No entanto, ele deixa claro que a decisão final é do juiz.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Afinal, qual é a importância do exame criminológico?

Este exame tem como função investigar os requisitos subjetivos do sentenciado, abordando aspectos de ordem pessoal, social e médica. Ele é crucial para a progressão do regime, passando do fechado para o semiaberto, onde ocorrem as “saidinhas”; e do semiaberto para o aberto, onde o indivíduo cumpre o restante da pena em liberdade; ou mesmo para a concessão do livramento condicional.

Como é realizado?

O condenado é submetido, dentro da instituição prisional, a avaliações realizadas por psicólogos, assistentes sociais e, em certos casos, psiquiatras, dependendo da natureza do crime cometido. Posteriormente, esses profissionais elaboram um perfil detalhado do detento, indicando se a progressão de regime é viável ou não. Além disso, funcionários da penitenciária avaliam sua conduta no trabalho e seu comportamento geral. Todos esses dados são compilados em um relatório enviado ao Ministério Público e à Justiça, que terá a palavra final sobre a progressão de regime.

E sobre o critério de “bom comportamento”?

Na realidade, o “bom comportamento” não é um critério, mas sim uma obrigação. Espera-se que o preso mantenha um comportamento apropriado durante sua estadia na prisão. Parte-se do princípio de que o condenado possui uma dívida com a sociedade e que o mínimo esperado é que ele se comporte de maneira adequada enquanto estiver sob custódia.

O Alexandre Nardoni já passou por três exames criminológicos ao longo dos anos, todos com resultados favoráveis a ele. Por que não se submeter especificamente ao teste de Rorschach?

O caso dele é muito complexo devido à natureza do crime cometido. O processo de execução penal do Alexandre Nardoni requer uma análise mais aprofundada de sua personalidade, para determinar se ele está apto a cumprir a pena em liberdade. Portanto, iniciamos essa avaliação pelo exame criminológico, que é mais básico. Hoje, com a nova lei, esse exame tornou-se obrigatório para todos os sentenciados.

Explique melhor.

Em certos casos, nos quais o comportamento do condenado é duvidoso ou ele nega o crime, como é o caso do Nardoni, o exame criminológico por si só realmente não é suficiente, especialmente porque ele possui um nível intelectual significativamente superior à média da população carcerária. No exame criminológico, um detento mais astuto pode ludibriar os avaliadores. No caso dele, como o resultado do exame criminológico foi favorável, já solicitamos a realização do teste de Rorschach.

Qual é a dificuldade em aplicar o teste de Rorschach no Nardoni?

Temos poucos psicólogos habilitados para realizar esse teste aqui em São Paulo. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) não dispõe de muitos profissionais capacitados. Às vezes, aqueles que estão habilitados estão ocupados aplicando exames criminológicos em outros detentos. Além disso, o teste de Rorschach demanda significativamente mais tempo para ser realizado devido à sua complexidade. Em algumas ocasiões, contamos com a ajuda filantrópica de instituições como o Instituto de Rorschach de São Paulo, que realiza os exames de forma gratuita para a Justiça.

Um laudo de Rorschach pode determinar se Nardoni matou Isabella?

Não de forma categórica. Entretanto, o teste pode sugerir se ele está escondendo informações importantes sobre o crime pelo qual foi condenado.

Isso influenciaria na decisão de encaminhá-lo para o regime aberto?

Sim, pois esconder a verdade de maneira dissimulada poderia ser prejudicial para obtenção da sua liberdade.

E se ele confessar agora, a liberdade ficaria mais acessível?

Ele nunca fará isso, pois seria uma atitude altamente contraditória. Desde o momento em que o crime foi cometido, ele insiste em sua inocência. No entanto, se ele decidisse admitir agora, dizendo “eu matei minha filha, daria tudo para tê-la de volta, estou profundamente arrependido”, essa sinceridade poderia ser benéfica para ele neste momento.

É possível para Nardoni obter liberdade apenas com o exame criminológico?

Dependerá da interpretação do promotor e do juiz responsável pela execução de sua pena, ou seja, critérios pessoais serão aplicados. No entanto, crimes contra membros da própria família implicam em uma situação extremamente sensível. Nestes casos, o exame criminológico por si só nunca é suficiente, especialmente quando o resultado é favorável. Já testemunhei inúmeros casos de indivíduos com resultados excelentes no exame criminológico terem sua liberdade negada pelo juiz.

Você considera a possibilidade de Nardoni estar dizendo a verdade e realmente ser inocente?

Não. Baseio-me no resultado do processo principal que o condenou a 29 anos de prisão por assassinar sua própria filha. Para mim, isso é o que importa. O que mais me preocupa neste caso é que sua sentença só termina 2035. É cedo demais para ele ser libertado.

Anna Carolina Jatobá saiu da cadeia sem fazer o teste de Rorschach. Por que o Ministério Público exige que Nardoni o faça?

A diferença entre Nardoni e Jatobá é simples: ele é o pai da vítima e jogou sua própria filha pela janela, enquanto Jatobá não era a mãe.

Independentemente de ser previsto em lei, você é a favor ou contra as “saidinhas”?

Sou contra e a favor. As saídas temporárias são um benefício importante para os presos que merecem. Mas não deveriam ser concedidas a quem cometeu crimes hediondos ou aqueles praticados com violência ou com grave ameaça à pessoa. Para condenados por crimes de menor potencial ofensivo, as saídas temporárias auxiliam na ressocialização.

Na avaliação da soltura de um assassino, o Ministério Público leva em consideração o sofrimento dos familiares das vítimas?

Não é possível analisar cada detalhe decorrente da prática de um crime na hora de dar um parecer para progressão de regime. Até porque as consequências do crime já foram consideradas no cálculo da pena ao final do julgamento. Para efeitos de progressão, infelizmente, o sofrimento dos familiares não pode mais ser levado em conta.

Fonte: O Globo

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