Entenda por que os planos de Israel para invadir Rafah causam tanta preocupação

Civis palestinos em rua de Rafah observam coluna de fumaça causada por bombardeio de Israel
Civis palestinos em rua de Rafah observam coluna de fumaça causada por bombardeio de Israel — Foto: AFP

O Exército de Israel informou, na segunda-feira, que os civis deveriam deixar o setor leste de Rafah, na Faixa de Gaza, e assumiu o controle do posto de fronteira com o Egito, localizado perto da cidade, como um possível prelúdio do aguardado ataque na área. A ofensiva seria parte da campanha israelense para erradicar o grupo terrorista Hamas — a organização terrorista apoiada pelo Irã que está por trás do ataque do dia 7 de outubro do ano passado, que deixou 1,2 mil mortos e 250 sequestrados.

A perspectiva de mais um ataque de grande porte em Gaza levou a críticas vindas dos EUA, Egito e outros países preocupados com os civis abrigados no que é o último local seguro dentro do enclave, e que é lar agora de mais de 1,4 milhão de pessoas.

Israel alega que milhares de combatentes e alguns líderes do Hamas, considerado uma organização terrorista por EUA e União Europeia, estão escondidos em Rafah. As tensões entre Israel e o Irã foram amenizadas após uma série de ataques mútuos em abril. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse que não havia opção para o Exército que não incluísse uma operação militar em Rafah. As conversas sobre um cessar-fogo acontecem há meses sem uma resolução.

Rafah fica no extremo sul da Faixa de Gaza, e tinha, antes do início da guerra, uma população de cerca de 280 mil pessoas. Ela fica perto da fronteira de 12km com o Egito, e é o principal ponto de travessia ao país do Norte da África. O Egito fechou a passagem para pessoas que tentam escapar do conflito desde o início da invasão, e a reabriu para a entrada de ajuda humanitária durante uma pausa nos combates, em novembro. Embora seja usada prioritariamente por pedestres, também serve de entrada para o transporte de assistência urgente para Gaza, mas essa linha de distribuição foi afetada pelos combates. Os integrantes do Hamas afirmam que a ajuda para Gaza foi suspensa após a tomada dos postos de fronteira por Israel, que alega ter tomado essa medida após receber informações de inteligência apontando que o local era usado “para propósitos terroristas”. Os militares afirmam que a ajuda está entrando por outros pontos ao longo do enclave.

Logo depois do início da invasão, em outubro do ano passado, os militares organizaram os chamados “corredores seguros” para que as pessoas deixassem os locais de bombardeios e combates no Norte. O Exército então avançou rumo a Khan Younis, e agora cerca de metade dos 2,2 milhões de moradores de Gaza estão na área de Rafah, aponta a ONU. O Exército, na segunda-feira, ordenou que os civis deixassem a parte leste da cidade em direção a uma “área humanitária expandida” ao redor de Khan Younis, cidade mais ao norte. Não foi dado um prazo para essa movimentação.

Imagens mostram uma cidade com muitas barracas e casas improvisadas em bairros extremamente populosos, onde as pessoas enfrentam falta de água, alimentos e remédios. A ONU diz que “a escassez de comida, água limpa, serviços de saúde e instalações sanitárias levou a doenças preveníveis e mortes. A organização descreve ainda Rafah como uma “panela de pressão de desespero”.

As condições são ainda piores no Norte de Gaza. Um relatório da ONU, de março, disse que a fome é iminente na área, com 70% das pessoas à beira da inanição. Dezenas de pessoas, incluindo bebês, morreram de fome no Norte até o fim de março, de acordo com o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas.

O Unicef (Fundo da ONU para a Infância), alertou que uma invasão terrestre em Rafah representaria “riscos catastróficos para às 600 mil crianças abrigadas no enclave”. O fundo disse ainda que as pessoas que deixam Rafah poderiam ter diante de si corredores cheios de minas explosivas ou explosivos não detonados, assim como escassos serviços e locais de abrigo.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que seria impossível alcançar o objetivo de eliminar o Hamas se Israel deixasse de lado o que ele diz ser os últimos batalhões do grupo em Rafah. Segundo estimativas israelenses, entre 5 e 8 mil combatentes estão escondidos na cidade.

O primeiro-ministro caminha por uma linha tênue, conforme tenta agradar seus aliados de extrema direita e apoiadores da guerra em casa e também cooperar com os EUA, que apoiou os esforços militares através de envios de munição ao país. O plano para retirar os civis de Rafah foi aprovado horas depois do Hamas lançar foguetes contra Kerem Shalom, um corredor usado para transferências de ajuda humanitária, no fim de semana. Quatro soldados israelenses morreram.

Israel está sob intensa pressão dos americanos e de outros países por causa do elevado número de mortos em Gaza, quase 34,8 mil, segundo o Ministério da Saúde local, desde o início da guerra. Netanyahu diz que ao menos 13 mil dos mortos eram ligados ao Hamas.

O presidente dos EUA, Joe Biden, alertou Israel para que não lançasse uma incursão mais ampla em Rafah sem um plano para proteger os civis, e descreveu sua resposta ao ataque de 7 de outubro como “exagerada”. Biden disse a Netanyahu, no dia 4 de abril, que a manutenção do apoio à guerra contra o Hamas dependeria de novos passos para proteger a população civil. Os americanos têm trabalhado com Egito e Catar para garantir um cessar-fogo e a libertação das pessoas que ainda são mantidas reféns em Gaza — seriam 130, mas o governo israelense reconhece que apenas 100 estariam vivas.

A decisão de atacar o Hamas em Rafah arrisca, pela segunda vez, atrapalhar um acordo que possa levar à normalização de laços entre Israel e a Arábia Saudita: as negociações foram paralisadas após o início da guerra. Recentemente, os EUA e os sauditas aceleraram suas próprias conversas, incluindo garantias de segurança ao reino, que seriam seguidas por uma oferta para o estabelecimento de laços entre Israel e Arábia Saudita caso o conflito fosse encerrado e os israelenses concordarem com um caminho para o estabelecimento de um Estado palestino.

A iminência de uma ofensiva israelense em Rafah eleva os temores de que a guerra tenha seus efeitos no Egito. A maior preocupação é com uma fuga dos combatentes do Hamas pela fronteira, causando problemas de segurança para o Egito, e com uma onda de civis rumo ao país, que posteriormente seriam impedidos por Israel de voltar para Gaza.

As tensões entre Israel e Egito, primeiro país árabe a acertar um acordo de paz com o Estado judeu, estão elevadas desde o início da guerra, especialmente depois que um centro de estudos israelense sugeriu que o Cairo deveria abrir o Deserto do Sinai para refugiados palestinos. O presidente Abdel-Fattah al-Sisi e outros integrantes do governo rejeitaram a ideia, dizendo que tal movimentação seria uma ameaça à segurança nacional, e abalaria as esperanças de um Estado palestino.

A paz com o Egito é importante para Israel. As relações foram calmas desde a assinatura do acordo mediado pelos EUA em 1979, levando à retirada israelense da Península do Sinai. Em troca, o Egito estabeleceu uma zona desmilitarizada na fronteira.

Fonte: O Globo

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