Enquanto recebe Blinken, China abre portas ao Hamas

Ministro da Segurança Pública da China, Wang Xiaohong (D), recebe o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em Pequim
Ministro da Segurança Pública da China, Wang Xiaohong (D), recebe o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em Pequim — Foto: Mark Schiefelbein/AFP

O campo principal da política externa chinesa estava ocupado nesta sexta pela visita a Pequim do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, mas nas sombras um outro jogo se desenrolava: a negociação entre as duas principais forças políticas palestinas, Fatah e Hamas. Um encontro em Pequim foi noticiado pela imprensa árabe para mais uma tentativa de reconciliação entre as duas facções, desta vez com a benção do governo chinês.

O local escolhido para sediar o encontro reitera a ambição da diplomacia chinesa em ampliar sua influência no mundo árabe/islâmico. O encontro também chama a atenção por ocorrer justamente durante a visita de Blinken, na qual a guerra em Gaza foi parte da conversa com o chanceler chinês, Wang Yi. Uma guerra que mais uma vez põe as duas potências em campos opostos.

A notícia sobre o encontro entre os dirigentes palestinos em Pequim foi primeiro veiculada pelo jornal libanês al saudita “Arab News”, afirmando que ele se daria nesta sexta. Segundo o portal libanês “Al-Liwaa”, eles teriam desembarcado quinta à noite em Pequim. Entretanto, uma fonte ligada à embaixada palestina na China indicou à coluna que os responsáveis pela negociação chegam à capital chinesa no sábado, e deu os nomes: Moussa Abu Marzuk, do Hamas, e Azzam al-Ahmad, do Fatah. O mistério foi mantido pelo governo chinês.

Questionado, o porta-voz do ministério do Exterior Wang Wenbin não confirmou nem negou a reunião. Limitou-se a dizer que o governo chinês apoia “o fortalecimento da Autoridade Nacional Palestina (ANP) e todas as facções palestinas na busca da reconciliação e da solidariedade por intermédio do diálogo e da consulta”. Colegas que acompanham diariamente a coletiva de imprensa do ministério na tentativa de interpretar as entrelinhas das mensagens muitas vezes cifradas do porta-voz consideraram que pareceu mais uma confirmação que um desmentido.

Desde o início da guerra em Gaza, Pequim assumiu formalmente uma posição de neutralidade, mas com clara inclinação para o lado palestino. O governo chinês não condenou o Hamas pelos atos terroristas do 7 de outubro e aos poucos foi dando legitimidade ao grupo islâmico. No mês passado, um enviado da diplomacia chinesa, Wang Kejian, se encontrou no Catar com Ismail Haniyeh, chefe do birô político do Hamas. Para Pequim, que no passado demonstrou interesse em ter um papel na solução no conflito entre Israel e os palestinos, sediar o encontro Fatah-Hamas é uma forma de voltar ao jogo.

Essa postura pró-árabe tornou impossível para Israel no momento ver Pequim como um mediador confiável. Mas Pequim parece ver uma oportunidade de registrar uma vitória diplomática ajudando na reconciliação Fatah-Hamas, assim como ocorreu ao facilitar o restabelecimento de relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita, há um ano. Marcar o encontro entre as facções palestinas em Pequim justamente no momento em que Blinken está na cidade dá a impressão de ser também um recado para os Estados Unidos.

Em artigo para o portal “Phoenix News”, Shao Yongling, especialista em estratégia militar de uma escola do Exército chinês, disse que Blinken “tinha uma surpresa à sua espera”, referindo-se à tentativa de reconciliação palestina em Pequim.

Fundado por Yasser Arafat em 1965, o Fatah é a principal facção da Organização para Libertação da Palestina (OLP), que forma a base da ANP, o governo palestino na Cisjordânia ocupada por Israel. Sua hegemonia no movimento pela independência palestina começou a ser desafiada em 1987, com a criação em Gaza do Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas. Em 2006 o Hamas venceu as eleições legislativas palestinas e a rivalidade tornou-se explosiva, culminando na mini-guerra civil que levou à expulsão do Fatah de Gaza, no ano seguinte. Desde então, houve inúmeras tentativas de reconciliação, sem sucesso. A mais recente aconteceu em fevereiro, em Moscou.

Fonte: O Globo

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