Energia elétrica e o combate à operação “Zé com Zé”

Impactos das mudanças na conta de luz
Articulista afirma que maior lição de países que já aderiram ao mercado livre é a proibição de que o atual incumbente direcione o consumidor para outra empresa do mesmo grupo; na imagem, lâmpadas acesas

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) iniciou, em agosto, uma consulta pública para debater a comercialização varejista. O nome pomposo e hermético escamoteia a importância do tema para milhões de consumidores residenciais de energia elétrica, que poderão em breve ter o direito de escolher livremente o seu fornecedor de energia.

A portabilidade da conta de luz vai unir o cidadão comum aos grandes consumidores industriais e comerciais, que há muito têm acesso ao mercado livre de energia, e aos médios consumidores que ganharão o mesmo direito a partir de janeiro de 2024.

Assim como em outros mercados elétricos mundiais, o tema mais complexo e de maior relevância para o interesse dos consumidores é a competição isonômica entre os comercializadores/produtores. Esse assunto foi tangenciado na consulta sobre comercialização varejista, muito embora Sandoval Feitosa, diretor-geral da agência, tenha afirmado em entrevista recente sobre concorrência e o alto grau de verticalidade no setor elétrico:

“Um grande desafio da Aneel nos próximos anos será a avaliação dos aspectos concorrenciais. Por que isso? Porque nós teremos um movimento inevitável em direção ao mercado livre, e aí cresce a preocupação com aspectos concorrenciais”, declarou.

Ressaltamos que a evolução do mercado elétrico brasileiro permite distinguir duas categorias de comercializadores:

O ponto central para a isonomia na competição do mercado elétrico de varejo é a simplificação e o aprimoramento do processo de migração para que o mercado livre: a) impeça o uso privilegiado de dados do consumidor em poder das distribuidoras e b) acabe com as barreiras físicas, burocráticas e protelatórias para o acesso do consumidor ao mercado livre.

A operação “Zé com Zé”, a evitar no processo de migração, consiste no simples direcionamento do consumidor cativo para empresa do mesmo grupo econômico controlador da distribuidora. Além de prejudicar os competidores independentes, a prática induz a aceitação pelos consumidores de preços e condições previamente definidas pelo incumbente atual.

As alternativas regulatórias para eliminar ou mitigar o problema da competição não isonômica no mercado elétrico de varejo são:

Também está em curso no Ministério de Minas e Energia uma relevante consulta pública sobre a renovação das concessões de distribuição. O tema afeta a competição no mercado de varejo da eletricidade, na medida em que as distribuidoras, com base nas propostas apresentadas por elas ao ministério, querem simplesmente prorrogar os atuais contratos de concessão, sem tratar do tema do acesso de dados em seu poder.

A estratégia jurídica das distribuidoras é muito clara: não prever nos contratos de concessão a nova arquitetura da distribuidora do futuro para quando a regulação contrariar os interesses empresariais apelar ao Judiciário com o argumento que a mudança não está determinada no novo contrato de concessão.

Em artigo publicado em 2018, o consagrado regulador britânico Stephen Littlechild fez um amplo balanço dos modelos que diversos países, e os Estados norte-americanos, adotaram no desenho dos seus mercados elétricos de varejo. A principal lição depreendida da portabilidade bem-sucedida para os consumidores de residências é a proibição de que o atual incumbente (distribuidora) direcione o consumidor para outra empresa do mesmo grupo.

Mesmo em mercados como Texas, Noruega, Austrália e Nova Zelândia que permitem a empresas ligadas à distribuidora atuar no varejo, impõem fortes restrições regulatórias para proteger o consumidor e assegurar a isonomia na competição.

O desafio do MME e da Aneel no Brasil é encontrar um equilíbrio entre as alternativas disponíveis para a regulação do varejo e a definição de modelos de contratos de concessão e de regulação que sejam atrativos para as empresas e protetivos ao consumidor.

Fonte: Poder360

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