Enchente destrói bairros inteiros em Alegre, no ES, e mais de 500 famílias ficam desabrigadas: ‘perdemos tudo’; veja vídeo

Moradores da Vila do Sul, em Alegre, no Espírito Santo, recolhem entulho deixado pela enchente
Moradores da Vila do Sul, em Alegre, no Espírito Santo, recolhem entulho deixado pela enchente — Foto: Reprodução/ Instagram

Em Alegre, no sul do Espírito Santo, “o cenário é de destruição”, avalia o prefeito Nirrô Emerick em entrevista ao GLOBO. Cerca de 535 famílias, num total de 2.135 pessoas, estão desabrigadas desde sábado, depois que uma enchente histórica arrasou bairros inteiros e distritos do pequeno município de menos de 30 mil habitantes. Nos pontos mais graves, a água chegou a quase cinco metros de altura, atingindo o teto das casas. Moradores precisaram ser resgatados pela Defesa Civil com auxílio de bote salva-vidas.

— Estavam previstos 100 mm de chuva para Alegre, o que já não era pouco, mas choveram 193,6 mm, ou seja, praticamente o dobro — aponta o prefeito. — Na sede do município, os bairros mais afetados foram Vila do Sul, Vila Viana e Vila Reis. Muita gente perdeu tudo. Na comunidade da Placa [a caminho do distrito de Rive], 70% da área urbana foi atingida.

No distrito do Café, onde está localizada a cabeceira do rio Conceição, que corta diversos bairros de Alegre e transbordou na madrugada de sábado, 70% das casas ribeirinhas foram tomadas pela água, segundo o vereador Dudu, que representa a região no legislativo alegrense.

— Contabilizamos até o momento 68 famílias atingidas na sede do distrito, mas na zona rural foram muito mais. Caíram muitas barreiras e pontes, as comunidades estão isoladas — afirma o vereador.

A última grande enchente da qual se tem lembrança em Alegre foi a de janeiro de 1995, quando uma tromba d’água estourou na cabeceira do rio Alegre e atingiu toda a região central da cidade, provocando também deslizamentos de terra nos dias seguintes. Enchentes pontuais ocorreram depois disso, mas nenhuma com as proporções vistas neste fim de semana, relatam os moradores.

A engenheira florestal Wiane Meloni, de 33 anos, estava na casa dos pais, em uma rua alta da Vila do Sul, quando recebeu um telefonema inesperado do irmão mais velho por volta das 0h20 de sábado.

— Meu irmão me ligou para dizer que o rio atrás da casa dele estava subindo com a chuva e que minha cunhada estava desesperada, mas como o terreno da casa é alto e não tem histórico de enchente, não imaginamos que aconteceria algo — relembra. — Desci de carro com meus pais com o intuito apenas de buscar meu irmão, minha cunhada e meu sobrinho recém-nascido, mas só conseguimos sair de lá às 19h do dia seguinte.

Meloni conta que ao chegar na casa do irmão, na rua Misael Barcelos, já se deparou com água na porta de casa. Segundo ela, “foi questão de minutos”.

— Imeditamente, nos mobilizamos para retirar o que fosse possível da casa, e quando terminamos, a água já estava na nossa coxa — afirma. — Tivemos que quebrar as janelas para passar com as coisas e agilizar o processo, mas não conseguimos tirar guarda-roupas e armários. Perdemos todos os mantimentos e o material que estava sendo utilizado na construção do imóvel.

Na rua Egídio Reis, que faz esquina com a Misael Barcelos, os moradores só tiveram tempo de salvar as próprias vidas. Onde o terreno era mais baixo e, por isso, mais próximo do rio Conceição, a água chegou ao teto das casas.

— Enquanto a gente se organizava, ouvíamos os vizinhos da rua de trás gritando — lembra Meloni, que passou o sábado inteiro puxando lama e ajudando a lavar a casa do irmão. — Um tio meu que mora mais adiante perdeu tudo.

A avó da empresária Stephânia Oliveira, de 30 anos, precisou ser resgatada pela Defesa Civil, que usou barcos para percorrer as ruas da cidade. Aos 90 anos, dona Penha sofre de Alzheimer e está se recuperando de uma dengue. Ela mora com uma das filhas, Elizabeth, de 66 anos, em um trecho da Misael Barcelos. Segundo Oliveira, a chuva começou por volta das 23h e à meia noite a água da enchente já havia alcançado cerca de um metro dentro de casa.

— Era tanta água, que o portão de entrada ficou bloqueado e elas não conseguiram sair. Minha tia começou a gritar por socorro, mas ninguém ouvia, até que apareceu um vizinho. Foi preciso quebrar o muro do quintal para resgatar a minha avó — comenta.

Nesse momento, dona Penha foi levada para a casa do vizinho, mas como a residência também foi atingida pela enchente, a solução foi sentá-la sobre a pia da cozinha, o ponto mais alto disponível. Segundo Oliveira, o relógio de luz foi desligado para evitar uma tragédia muito maior, então tudo era feito no escuro, com ajuda apenas de lanternas.

— Chegaram a cogitar arrancar a porta de uma geladeira velha para fazê-la de barco e remover minha avó de lá — ela diz. — A Defesa Civil chegou por volta das 3h da manhã. Retiraram minha avó com a ajuda de uma cadeira, onde ela estava sentada, e levaram para a casa de outro vizinho, que mora no segundo pavimento.

Durante a madrugada, moradores da Misael Barcelos começaram a amarrar seus carros nas grades das casas, tentando evitar que fossem arrastados pela enchente. Mas a força da água era tanta que os veículos acabaram amontoados uns nos outros no final da rua.

— Foi um dia horrível, de muita dor — lamenta Oliveira. — É desesperador ver sonhos de uma vida inteira indo por água abaixo, literalmente. Em muitos momentos, tive que me segurar para não chorar enquanto ajudava minha família.

Moradora da Vila Viana, a professora Geórgea Garcia, de 43 anos, foi uma das pessoas que teve a família afetada pela catástrofe.

— Só deu tempo do Bruno, meu marido, subir as camas dos nossos filhos e colocar algumas coisas em cima — diz Garcia. — Saí correndo com o Bernardo, meu caçula de cinco anos, e quando voltei, cerca de cinco minutos depois, não dava mais para entrar. A água veio forte demais pelo rio que passa atrás da nossa casa e também pela rua. Ficamos ilhados. Só começou a baixar por volta das 3h da manhã.

O ourives Bruno Ferreira, que é casado com a professora Geórgea, avalia os estragos causados pela enchente:

— Estamos todos bem, graças a Deus, mas perdemos 90% das coisas.

Uma força tarefa foi montada pela prefeitura municipal com participação de todos os secretários e agentes da defesa civil municipal, em articulação com a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (CEPDEC) do governo estadual. Igreja católica, igrejas evangélicas, centros espíritas, trabalhadores rurais e estudantes do campus de Alegre da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) também têm colaborado com a limpeza da cidade e com a arrecadação de doações.

Municípios vizinhos que não foram afetados pelas chuvas, incluindo Ibitirama, Conceição do Castelo, São José do Calçado e Dores do Rio Preto, já enviaram ajuda para Alegre, e novas remessas, de Rio Novo do Sul, Marataízes e Piúma, devem chegar a partir de segunda-feira, segundo o prefeito Nirrô.

— A prefeitura está distribuindo água e marmitex para as pessoas afetadas, enquanto atua no processo de limpeza da cidade — destaca Nirrô. — Vamos começar a cadastrar as famílias para receber o auxílio reconstrução, de R$ 3 mil, pago pelo governo do estado, e quero anistiar tarifa de água municipal durante dois meses.

O temporal que atingiu o Sudeste deixou um total de 16 óbitos confirmados no estado até a manhã deste domingo, segundo o balanço mais recente da Defesa Civil do Espírito Santo. Ao todo, foram 14 mortes em Mimoso do Sul e outras duas em Apiacá. O número de mortos saltou de quatro para 16 entre sábado e este domingo. O número de vítimas fatais no estado deve aumentar, segundo as autoridades.

— Fenômenos como esses estão relacionados às mudanças climáticas.O ano de 2023 foi o mais quente da história. Se a Humanidade não abrir os olhos, não melhorar as tendências ambientais, parar de degradar o meio ambiente, a tendência é que a gente veja cada vez mais catástrofes como essa — conclui a engenheira florestal Meloni.

Fonte: O Globo

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