Em um mês, internações por covid aumentam 296% no Rio Grande do Norte

O elevado nível de transmissibilidade da variante Ômicron, associado ao relaxamento das medidas de isolamento social no Rio Grande do Norte na passagem de 2021 para 2022, culminaram no aumento das internações nas redes pública e privada de saúde no Estado por Covid-19 em 296%.

O Estado bateu recordes de registros de novos casos confirmados da infecção e o quantitativo de óbitos voltou a subir neste início de ano. Os dados são da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap/RN) e foram analisados pelo Instituto Santos Dumont (ISD).

Em números absolutos, existiam 103 pacientes internados com a infecção causada pelo coronavírus em 30 de dezembro de 2021. Um mês depois, o volume tinha saltado para 408 pacientes hospitalizados. No mesmo período, foram registradas 134 mortes pela doença.

Até a sexta-feira, 4 de fevereiro, o Rio Grande do Norte contabilizava 7.768 vidas perdidas para o coronavírus, com óbitos ocorridos em todas as 167 cidades potiguares. A ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) específicos para o tratamento da infecção estava em 80,26% – um dos mais altos patamares desde o início da vacinação contra o SARS-CoV-2.

As urgências e emergências dos hospitais públicos e privados registram superlotação de pacientes com sintomas da Covid-19, que se confundem com os da Influenza, à procura de atendimento. Com uma cepa com poder de transmissão maior, mais pessoas estão se infectando, e as equipes formadas por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, farmacêuticos e outros especialistas estão desfalcadas, o que gera sobrecarga ainda maior no sistema de saúde. O aumento de casos confirmados entre crianças e adultos chama atenção dos especialistas.

“Nós estamos com o número de infecções muito mais alto do que a gente teve em 2020 e 2021. A Ômicron é bem mais transmissível. Nós estávamos, no mês de janeiro, em um período de férias, festas, de veraneio, de aglomeração, e isso resultou em um número absurdo de casos que a gente tem visto nas últimas semanas aqui no Estado. E isso reflete, infelizmente, nas infecções de crianças. Se eu tenho mais adultos infectados, se eu tenho mais crianças expostas, e crianças infectadas. As notificações em crianças estão crescentes, aumentando aqui no Estado, e as internações também estão crescentes”, avalia Carolina Damásio, preceptora multiprofissional infectologista do Instituto Santos Dumont (ISD).

De acordo com Diana Rêgo, subcoordenadora de Epidemiologia da Sesap/RN, o aumento de casos notificados ganhou força a partir da primeira semana de janeiro e bateu recorde na passagem para o mês de fevereiro. “A Sesap vem fazendo um alerta para que todas as pessoas mantenham as medidas não-farmacológicas, em especial o uso da máscara e, na medida do possível, o distanciamento social.

Para além disso, priorizar a vacinação. Nós temos um número de óbitos já supera o número que tivemos em dezembro (2021) e o perfil é de pessoas idosas, com comorbidades e que não possuíam o ciclo completo de vacinação (para a covid-19). A gente precisa que as pessoas completem o ciclo, tomem a terceira dose que é a nossa estratégia mais eficiente contra o coronavírus”, ressalta. O Rio Grande do Norte tem 203.615 pessoas com o ciclo vacinal contra a covid em atraso, conforme dados da Plataforma RN + Vacina.

Percentual crítico

O Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu uma Nota Técnica na quinta-feira, 3, detalhando as taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a entidade, os números apontam crescimento da demanda e requerem “atenção e monitoramento contínuo”.

O Observatório Covid-19 Fiocruz analisa o cenário da pandemia no país e aponta que “13 estados apresentam aumento das taxas de ocupação e nove Unidades Federativas estão na zona de alerta crítico com indicador superior a 80%. Entre as 25 capitais com taxas divulgadas, 13 estão na zona de alerta crítico, nove estão na zona de alerta intermediário e oito estão fora da zona de alerta”. Natal está entre as capitais na zona de alerta crítico, com percentual de ocupação estimado em 89%.

“A Nota Técnica destaca que o cenário atual não é o mesmo registrado entre março e junho de 2021, considerada a fase mais crítica da pandemia e ressalta que mesmo com o acréscimo de leitos observados nas últimas semanas, a disponibilidade é bem menor. O documento reforça que o crescimento nas taxas de ocupação de leitos de UTI SRAG/Covid-19 para adultos no SUS é preocupante, principalmente frente às baixas coberturas vacinais em diversas áreas do país, onde os recursos assistenciais são mais precários. Os pesquisadores alertam que uma proporção considerável da população que não recebeu a dose de reforço, e a população não vacinada, são mais suscetíveis a formas mais graves da infecção com a Ômicron e voltam a sublinhar que a elevadíssima transmissibilidade da variante pode incorrer em números expressivos de internações em leitos de UTI, mesmo com uma probabilidade mais baixa de ocorrência de casos graves”.

A Nota Técnica reforça como fundamental a necessidade de avançar com a vacinação, incluindo a exigência do passaporte vacinal. Os pesquisadores também sugerem a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais públicos, campanhas para orientar à população e o auto isolamento ao apresentar sintomas, evitando a transmissão.

Mato Grosso do Sul (103%), Goiás (91%) e o Distrito Federal (97%) mantiveram-se na zona de alerta crítico, onde também entraram o Amazonas (80%) e Mato Grosso (91%). Na zona de alerta intermediário, permaneceram o Pará (74%), Amapá (69%), Tocantins (78%), Ceará (67%), Bahia (74%), Rio de Janeiro (62%), São Paulo (72%), Paraná (72%), e entraram o Alagoas (69%) e Santa Catarina (76%), que estavam fora na zona de alerta.  Fora da zona de alerta mantiveram-se o Acre (57%), Maranhão (59%), Paraíba (41%), Sergipe (37%), Minas Gerais (37%) e Rio Grande do Sul (54%), somando-se Rondônia (58%) e Roraima (52%), que estavam na zona de alerta intermediário.

Entre as 25 capitais com taxas divulgadas, 13 estão na zona de alerta crítico: Manaus (80%), Macapá (82%), Teresina (83%), Fortaleza (80%), Natal (percentual estimado de 89%), Maceió (81%), Belo Horizonte (86%), Vitória (80%), Rio de Janeiro (95%), Campo Grande (109%), Cuiabá (92%), Goiânia (91%) e Brasília (97%). Nove estão na zona de alerta intermediário: Porto Velho (77%), Rio Branco (70%), Palmas (72%), São Luís (64%), Recife (77%, considerando somente leitos públicos municipais), Salvador (68%), São Paulo (75%), Curitiba (71%) e Florianópolis (68%). Boa Vista (52%), João Pessoa (58%) e Porto Alegre (55%) estão fora da zona de alerta.

Municípios com mais óbitos por covid-19 no RN

  1. Natal – 2.816
  2. Mossoró – 607
  3. Parnamirim – 562
  4. São Gonçalo do Amarante – 241
  5. Macaíba – 180
  6. Caicó – 170
  7. Açu – 159
  8. Ceará-Mirim – 122
  9. Areia Branca – 110
  10. Apodi – 101

Fonte: Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN)

Entrevista

Carolina Damásio, infectologista do ISD

Em relação à variante Ômicron, em que ela diverge das demais?
A gente ainda não tem muitos dados em relação à Ômicron e às crianças, para saber se ela seria pior, melhor, mais grave ou menos grave. Isso ainda está sendo estudado. O que a gente tem visto, em outros países, e que agora está acontecendo no Brasil, é o aumento das internações de crianças que a gente não tinha visto em outras épocas. As crianças fazem parte de uma população ainda vulnerável, pois não foram vacinadas. Essa vacinação demorou. Estava aprovada desde dezembro e só foi iniciada em janeiro. Então, a covid está atingindo crianças, em sua maioria, que não estão com o esquema vacinal completo, que ainda não foram vacinadas para a covid. A gente não pode dizer se esse aumento é só porque elas não estão vacinadas ou se essa variante poderia ser pior em crianças. Esse dado ainda não existe.

O Brasil sempre foi referência mundial no que diz respeito à imunização da população. Por quais motivos a vacina contra a covid-19 desperta tanta polêmica e divisão de opiniões?
Essa é uma coisa bem preocupante. No momento em que a gente mais precisa vacinar, essa hesitância está maior. Isso é uma coisa que vem preocupando muitos especialistas. Eu estava vendo dados do Brasil que a maioria dos pacientes adultos internados estão com a vacinação incompleta ou sem vacinação. A vacina desenvolvida e que está sendo aplicada em crianças, é muito segura. A gente viu dados que foram liberados nos últimos dias pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos, que nas mais de oito milhões de doses aplicadas em crianças, pouquíssimos efeitos colaterais graves. Nenhuma morte relacionada à vacina.

Essa vacina é segura?
Ela é tão segura ou mais segura que a maioria das outras vacinas aplicadas no calendário de vacinação em crianças no Brasil. Infelizmente, com tudo isso que está acontecendo, com a disseminação de notícias falsas  e coisas que não são verdadeiras, a gente está sofrendo e as nossas crianças estão sofrendo as consequências. Isso é uma coisa muito preocupante. Os pais que estão lendo ou assistindo essa entrevista, as crianças já podem ser vacinadas e atualizar o cartão o mais rápido possível. Estamos com reabertura de escolas, com a variante altamente transmissível e que está chegando nas crianças.

No RN, há aumento de internações de crianças?
Nós estamos acompanhando aqui no Rio Grande do Norte o aumento de internações de crianças, já tivemos casos este ano, no Brasil e no Estado, de morte nessa faixa etária. A gente precisa vacinar o mais rápido possível para diminuir essas internações e a mortalidade.

Entre 2020 e 2021, mais de 1.400 crianças morreram no Brasil pela covid-19. Se a vacina existisse antes, esse número poderia ser menor?
Até o final de 2021, em torno de 1.500 óbitos foram notificados relacionados à covid-19 em crianças. Se a vacina tivesse chegado antes, provavelmente, esses óbitos seriam bem menores ou até inexistentes. A covid-19 é uma doença passível de prevenção. A gente sabe como prevenir ela e já tem vacina. A gente não era para estar perdendo criança para uma doença que a gente já conhece como se previne e que já tem vacina.

Especificamente no Rio Grande do Norte, os casos voltaram a subir assustadoramente. Isso se deve à alta taxa de transmissibilidade da Ômicron, à disponibilidade de mais testes rápidos?
Esse é um cenário que está acontecendo internacionalmente. Há vários países batendo recordes em números de infectados desde o início da pandemia e em 2021. Provavelmente é pela maior transmissibilidade da variante mesmo, associada à redução do distanciamento social. Com o avanço da vacinação, os casos estavam mais controlados, estávamos em um cenário epidemiológico melhor e as medidas de isolamento, de distanciamento deixaram de existir e somaram com o verão, férias, festas e várias que propiciaram aglomerações. A gente tinha a combinação de duas coisas: a circulação de uma variante mais transmissível e a redução do distanciamento social.

Como isso tem refletido nas urgências e emergências do Estado?
Superlotação. As urgências estão lotadas, os profissionais estão cansados. Há muitos profissionais infectados, muitas equipes desfalcadas. Isso atrapalha, inclusive, para outras doenças que os pacientes continuam adoecendo de outras coisas e necessitando acessar os serviços de urgência e emergência. E a gente tem dificuldade para esses pacientes serem atendidos. Isso também reflete na pressão no sistema de saúde em relação às internações. Nós temos um número maior de pessoas infectadas e um número maior de complicações por covid-19, pois a maioria das pessoas internadas não estão com ciclo vacinal completo ou sequer foram vacinadas, e acabam precisando de internamento e posterior aumento da mortalidade.

Qual o seu conselho?
O que a gente já vem dizendo desde o início da pandemia e reforçando no ano passado: vacina, máscara e lavagem de mãos, além de  evitar aglomerações.

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