Em manifesto contra PL antiaborto, policiais civis citam ‘dura realidade das vítimas de violência sexual’

Ato em Brasília contra a PL1904 - PL da Gravidez Infantil (PL 1904/24)
Ato em Brasília contra a PL1904 - PL da Gravidez Infantil (PL 1904/24) — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Policiais civis de todo o Brasil estão se mobilizando contra o projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana ao crime de homicídio. Assinaram o documento delegados, investigadores, papiloscopistas, médicos legistas, escrivães, peritos e representantes de outras carreiras na polícia.

No texto publicado na plataforma de petições online Avaaz, os policiais ressaltam que, em seus trabalhos diários, confrontam-se com a dura realidade das vítimas de violência sexual. “São inúmeros os casos em que crianças, as maiores vítimas de estupro em nosso país, só descobrem a gravidez em estágios avançados, tornando inviável a interrupção nas primeiras semanas, como o projeto de lei sugere. Este é um dado crucial, que reflete não apenas uma estatística, mas histórias reais de dor e trauma”.

David de Siena, professor de Criminologia e delegado do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) de São Paulo, é o redator do texto do manifesto e se disse ter se surpreendido com a adesão, mesmo entre os colegas mais inclinados à direita. Segundo ele, foram mais de 600 assinaturas em menos de dois dias de campanha. O Brasil tem um efetivo de 95.908 policiais civis, segundo dados do Raio-x das Forças de Segurança Pública no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

— O manifesto teve uma ampla aceitação nos setores. Para o padrão da Polícia Civil, é bastante coisa. Tem estado que não tem isso de Policial Civil. A gente percebe que quem está assinando tem inclinação menos conservadora, mas tive surpresas. Alguns colegas do espectro mais conservador também assinaram — pontuou Siena.

Idealizado do manifesto, a delegada Barbara Travassos, do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo, afirma que durante sua carreira se deparou com casos de crianças vítimas de abuso dentro de casa e que tiveram dificuldade de compreender e reportar a gestação fruto de um estupro.

Ela cita um episódio em que perguntou ao pai abusador sobre a gestação de sua filha de nove anos, ao que ele respondeu que o bebê poderia não ser dele, uma vez que a menina era estuprada também pelo irmão e pelo avô.

— O que vemos na periferia e em áreas vulneráveis? Meninas vítimas de estupro há tanto tempo, e que só conseguem contar muito depois. O ciclo menstrual da criança é irregular. Ela não tem consciência da gravidez. Os responsáveis são omissos. Essas vítimas não podem ser criminalizadas, por mais que se discuta o direito do feto. É justo culpabilizar a vítima? E não, não adianta aumentar a a pena do estuprador. A menina continua tendo de carregar o filho cujo pai é o pai dela, o irmão, o padrasto… — lamentou Bárbara.

A delegada Magali Celeghin Vaz, do DHPP de São Paulo, ressalta que, mesmo sendo católica, é contrária ao PL Antiaborto, que na opinião dela viola os direitos das crianças e as revitimiza.

— Colocar uma criança de 12 anos que praticou um aborto na Fundação Casa é um absurdo. Ela será vítima duas vezes. A fala da adoção [segundo a qual o bebê pode ser colocado para adoção, caso a mãe não queira cuidar] é romantizada. Uma criança de 9 anos carregar no ventre e parir um bebê corre risco de vida. Não é uma questão ideológica e religiosa, mas sim de saúde pública — opinou.

O Projeto de Lei nº 1.904/2024 é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica. O texto fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo para o aborto legal. No Brasil, o procedimento é permitido por lei em casos de estupro; de risco de vida à mulher; e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto).

Colocado em tramitação em caráter de urgência, o PL despertou uma onda de protestos no país e manifestações nas redes sociais. Após repercussão negativa, a bancada evangélica admitiu adiar votação do PL na Câmara.

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.