Em ida a Mossoró, Lewandowski diz que ‘precisava dar incerta’ na região e que ‘não falta problema’ no Ministério da Justiça

Lewandowski durante sobrevoo de helocóptero em Mossoró
Lewandowski durante sobrevoo de helocóptero em Mossoró — Foto: Reprodução

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, deixou Mossoró (RN) pouco depois das três da tarde de quarta-feira, véspera de completar um mês da fuga de dois presos da penitenciária da cidade — um episódio inédito no sistema carcerário federal. Após uma agenda de reuniões com forças policiais, encontro com autoridades, coletiva de imprensa e sobrevoo de helicóptero para conhecer a região, o ex-integrante do Supremo Tribunal Federal (STF) se acomodou na aeronave da Força Aérea Brasileira enquanto voltava para Brasília e fez um balanço do seu dia.

— Vim para cobrá-los. Precisava dar uma incerta, como se diz no meio militar — afirmou Lewandowski durante a viagem acompanhada com exclusividade pela reportagem do GLOBO. — A polícia me garante que serão capturados, mas não sabemos quando.

Enquanto vai a campo para mostrar o empenho pessoal na operação de captura dos dois fugitivos da penitenciária de Mossoró, Lewandowski tenta minimizar o impacto da sua primeira grande crise no ministério da Justiça e das críticas à segurança pública do governo Lula. Diante dos questionamentos sobre a necessidade de manter 500 policiais revezando-se dia e noite em buscas em mata e em pequenos vilarejos, o ex-juiz deve renovar a permanência da Força Nacional na região por um período que ainda está sob avaliação.

— Enquanto tivermos indício de que eles estão dentro do perímetro de busca, vamos manter. Não posso deixar a população local desprotegida. São bandidos perigosos. Agora, se tivermos convicção de que eles foram para outro estado, tudo muda.

Até agora, foram sete prisões e dez mandados de busca e apreensão na operação de captura que completou um mês. A última pista dos fugitivos Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral do Nascimento havia sido encontrada no início de março. Na terça-feira, porém, policiais levantaram indícios de que os dois passaram por uma casa nas redondezas de Mossoró. Após alerta dos proprietários, que viram os cachorros mais agitados que o normal, um cão farejador identificou possíveis rastros da dupla criminosa. O episódio deu alento para a equipe local, que pôde restringir o perímetro de busca e renovar o ânimo pela tão aguardada prisão.

Os relatórios de inteligência, com imagens de satélites e os passos percorridos pela operação até aqui, também dão a Lewandowski a sensação de que estão no caminho certo.

— Se eu achasse que não há esperança, diria para encontrarmos um jeito de descalçar a bota. Mas não foi o que eu encontrei lá — resumiu o ministro.

No time de Lewandowski, há quem questione se manter a mobilização pelas buscas com todo o aparato atual é a melhor solução. Há diagnóstico de que erros foram cometidos na fase inicial da operação e, neste estágio, ainda há muitas dúvidas. Não se tem certeza, por exemplo, se os bandidos estão armados. A polícia identificou uma cápsula de fuzil num lugar onde os dois se esconderam. Além disso, sabe-se que eles acionaram parceiros para que trouxessem armamento de Aracati, no litoral cearense.

A presença na região de cerca de 400 grutas e muitos pomares também têm facilitado a vida dos criminosos, já que eles conseguem se alimentar e permanecer escondidos durante o dia, optando pelo deslocamento de noite. Hoje, não é possível afirmar se a força-tarefa está em seu melhor momento na caçada. Segundo um policial envolvido diretamente na operação, eles podem até já ter estado mais perto dos criminosos e simplesmente “não viram”. Apesar da crise, Lewandowski elenca o que chama de “dividendos” do episódio.

— É uma oportunidade de fazer uma reforma nos presídios. Imagine se tivesse ocorrido a fuga de alguém como o Marcola? Estamos muito mais preparados agora — disse, em referência a um dos chefes de uma facção criminosa paulista.

O governo já anunciou algumas medidas neste sentido, como a compra de equipamentos de videomonitoramento e câmeras térmicas, construção de muralhas ao redor das penitenciárias, instalação de cercas elétricas e aumento das revistas diárias.

Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Lewandowski ainda está se habituando a deixar a toga pendurada e a vestir o figurino de ministro de Estado. A amplitude de atuação da pasta impede que os olhares do ex-magistrado estejam 100% voltados para Mossoró ou mesmo para temas do mundo jurídico.

— Problema é o que não falta. Trato de espião russo, de Allan dos Santos (blogueiro foragido da Justiça e que está nos EUA), de um acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que tenhamos mais informações sobre operações financeiras suspeitas. Há a questão da Venezuela e dos refugiados. A lista é grande — disse Lewandowski.

No voo de volta a Brasília, uma das tarefas do ministro da Justiça era analisar um pedido de informação sobre o motivo de a rede 5G não funcionar na frente do ministério. Às demandas da burocracia somam-se a necessidade de azeitar a equipe — trocas no time ainda estão sendo estudadas —, de melhorar a relação da pasta com o Congresso e ajudar nas demandas do Palácio do Planalto.

— É difícil. Até porque eu disse a Lula: ‘Não sou pirotécnico, tenho perfil técnico — afirma Lewandowski que, em 1º de fevereiro, assumiu a cadeira de ministro da Justiça, ocupada por Flávio Dino, que fez o caminho inverso e se tornou membro da Corte.

Algumas pessoas próximas questionam Lewandowski por que, afinal, ele decidiu deixar para trás a vida de ministro aposentado do STF e a iniciativa privada, onde estava “ganhando muito dinheiro”, para comandar um dos ministérios mais problemáticos da Esplanada?

— (O presidente) Lula é um “charmeur”, encantador de serpentes. Arrependo-me todos os dias — disse aos risos, completando. — Uma eventual renúncia minha geraria uma crise. Não está no meu horizonte. Vou ficar até achar que a missão está cumprida.

Fonte: O Globo

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