Eleições EUA: Protestos pró-Palestina em universidades dividem Partido Democrata e dão munição a republicanos contra Biden

Manifestantes pró-palestinos, impedidos de entrar no campus, protestam do lado de fora da Universidade Columbia, em Nova York
Manifestantes pró-palestinos, impedidos de entrar no campus, protestam do lado de fora da Universidade Columbia, em Nova York — Foto: Amir Hamja/The New York Times

Protestos e prisões em campi universitários explodiram na dianteira da corrida presidencial esta semana, abrindo uma nova linha de ataque para os republicanos e forçando o presidente Joe Biden a abordar diretamente um problema que dividiu a ala progressista de seu partido.

Com Donald Trump ocupado em um tribunal da cidade de Nova York com um de seus julgamentos criminais, os republicanos tentaram usar os protestos como um bastão político e um pano de fundo para atacar Biden, apresentando-o como fraco e incapaz de manter o controle do país.

Durante semanas, a Casa Branca resistiu decididamente em entrar na briga, evitando os protestos que tomaram conta dos campi devido à guerra de Israel em Gaza. Jamais permitindo-se levar pelos movimentos estudantis, Biden deixou os comentários sobre a situação em rápida evolução para os assessores de imprensa, em sua maior parte. Sua Casa Branca não realizou nenhum contato público com os administradores das universidades ou com os estudantes que protestavam.

Mas à medida que os confrontos em alguns campi se tornaram cada vez mais destrutivos e as prisões aumentaram em todo o país, o presidente aumentou a distância entre ele e alguns dos ativismos mais radicais nos campi. Em seus comentários na quinta-feira, encontrou um equilíbrio entre a defesa da liberdade de expressão e a descrição do que via como os limites do protesto aceitável.

— A discordância é essencial para a democracia — disse Biden em breves comentários na Casa Branca. — Mas a discordância jamais deve levar à desordem ou à negação dos direitos dos outros, e os estudantes devem poder terminar o semestre e suas educações universitárias.

O escopo da declaração foi limitado. O presidente deixou claro que não tinha planos de mudar sua política para o Oriente Médio por causa dos protestos. Quando perguntado se a Guarda Nacional deveria intervir, ele respondeu rapidamente: “Não”. E não abordou as preocupações que alguns progressistas levantaram sobre o fato de a polícia ter usado força excessiva contra os manifestantes.

Os assessores de campanha de Biden acreditam ser improvável que o problema prejudique significativamente o presidente na eleição. A situação em Gaza continua altamente fluida, já que as autoridades americanas seguem trabalhando para chegar a um acordo de cessar-fogo entre o Hamas e Israel, e pode não ter a mesma ressonância política quando os eleitores forem às urnas em novembro. Os estudantes estão saindo do campus para as férias de verão (no Hemisfério Norte) nas próximas semanas, o que muitos acreditam que ajudará a diminuir um pouco a intensidade dos protestos.

Nada disso impediu que os republicanos atacassem os comentários de Biden. Eles acusaram o presidente de não estar disposto a tomar medidas mais enérgicas para conter a contínua agitação.

“O presidente Biden continua não condenando com veemência as turbas do Hamas nos campi”, disse o senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, em uma declaração nas redes sociais na quinta-feira, classificando os manifestantes como apoiadores de um grupo considerado uma organização terrorista pelos EUA e muitos de seus aliados. “Uma completa falta de liderança de um presidente impotente.”

A campanha de Trump foi ainda mais direta ao pôr a culpa em Biden: “Este é o caos do campus de Biden”, dizia o texto de uma publicação no Instagram compartilhada pela conta do ex-presidente, que incluía imagens de Biden defendendo os direitos dos manifestantes que protestaram em alguns de seus eventos.

A Casa Branca negou que o presidente tenha se sentido pressionado politicamente a comentar sobre os protestos.

— Quando se trata de algo assim, ele não precisa obedecer ninguém ou seguir outra pessoa — disse a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, a repórteres que viajavam no Air Force One com o presidente. — Temos sido muito consistentes, acredito, ao afirmar que quando se trata de violência, a violência não é protegida.

À medida que os protestos se espalhavam pelas universidades de todo o país, Biden passou a ser mais contundente ao denunciar o antissemitismo nos campi. Na terça-feira, ele fará o discurso principal em uma cerimônia anual organizada pelo Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Os críticos de ambos os partidos pediram que o governo fizesse mais. E, às vezes, o vaivém da questão dentro do Partido Democrata tem se tornado amargamente contencioso.

Na semana passada, o deputado Jared Moskowitz, democrata da Flórida, sugeriu que o senador Bernie Sanders, de Vermont, estava evitando abordar o aumento de episódios antissemitas ao se concentrar na legislação que acabaria com a ajuda militar a Israel. A deputada Alexandria Ocasio-Cortez, democrata de Nova York, rebateu acusando Moskowitz de tratamento “vergonhoso” para com Sanders, que, segundo a deputada, teve a família morta no Holocausto.

— Minha família também foi morta no Holocausto. Na Alemanha e na Polônia. Minha avó estava no transporte de crianças. Eles também incutiram valores em mim — respondeu Moskowitz, acrescentando: — É por isso que votei a favor da ajuda a Israel e a favor da ajuda a Gaza.

Ainda assim, alguns democratas alertaram que a agitação no campus poderia diminuir o entusiasmo por Biden entre os eleitores jovens. Pesquisas já mostraram que o presidente está lutando para manter o mesmo nível de apoio que recebeu dos mais jovens em 2020.

Na quarta-feira, o College Democrats of America, braço estudantil do partido, fez um alerta à campanha de Biden nas redes sociais: “Os votos dos democratas universitários não devem ser considerados como garantidos pelo Partido Democrata”, disse o grupo. “Nós nos reservamos o direito de criticar o partido quando ele não nos ouvir.”

Mesmo entre os eleitores jovens, o problema da guerra de Israel em Gaza está abaixo de outras preocupações, incluindo a economia, o direito ao aborto e a assistência médica. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Política da Harvard Kennedy School no mês passado constatou que “Israel/Palestina” ficou em 15º lugar na lista de preocupações dos eleitores entre 18 a 29 anos, abaixo não apenas da inflação e da habitação, mas também das mudanças climáticas, da liberdade de expressão e da proteção da democracia.

A estratégia republicana ecoa os esforços de Trump durante a campanha de 2020, quando os protestos sobre justiça racial se espalharam pelo país após o assassinato de George Floyd por policiais.

Naquela época, Trump sugeriu que Biden era tolerante com “anarquistas, bandidos e agitadores”. Sua campanha gastou milhões em anúncios em estados decisivos, acusando falsamente Biden de apoiar a retirada de fundos dos departamentos de polícia. Em resposta, Biden condenou com veemência a violência que ocasionalmente irrompia.

— Pergunte a si mesmo: será que estou apreciando um socialista radical com uma queda por desordeiros? — disse Biden em discurso em Pittsburgh em agosto de 2020. — De verdade? Eu quero uma América segura.

Posteriormente, a pesquisa de boca de urna revelou que apenas 11% dos eleitores apontaram o crime e a segurança pública como a questão mais importante, muito menos do que a pandemia, a economia e a desigualdade racial.

É claro que há diferenças marcantes entre os protestos de 2020 e os que agitaram os campi universitários nesta primavera (no Hemisfério Norte). Os protestos contra a justiça racial se concentraram em um problema doméstico, a desigualdade racial e o policiamento, enquanto os protestos pelos direitos dos palestinos visam a um conflito a milhares de quilômetros de distância. Com estimativas que apontam a participação de 26 milhões de pessoas nas manifestações, o movimento Black Lives Matter foi muito além dos campi mais afetados pelos protestos pró-palestinos.

Ainda assim, esses campi são uma fonte importante de votos para os democratas, que normalmente têm um desempenho mais forte entre os eleitores mais jovens do que seus rivais republicanos.

No fim deste mês, Biden fará o discurso de formatura na Morehouse College, uma universidade historicamente negra em Atlanta. Os administradores da universidade já estão enfrentando pressão para rescindir o convite de membros do corpo docente, alunos e ex-alunos.

“Qualquer faculdade ou universidade que dê seu palco de formatura ao presidente Biden neste momento está endossando o genocídio”, escreveu um grupo de professores e funcionários anônimos em uma carta pública não assinada. “Chegou a hora de a Morehouse College ficar do lado certo da história.”

Fonte: O Globo

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