Elefantes-marinhos vão levar cientistas do Chile e do Reino Unido ao fundo do oceano; entenda

Elefante-marinho, em 2012, em areias da praia de Búzios, no Rio de Janeiro
Elefante-marinho, em 2012, em areias da praia de Búzios, no Rio de Janeiro — Foto: Divulgação/Sergio Quissak

Um grupo de cientistas chilenos e um britânico cruzaram, no dia 23 de janeiro, a Terra do Fogo pelo Estreito de Magalhães até a cidade de Caleta María, uma pequena fazenda a meia hora de Bahía Jackson, no extremo sul do Chile. Eles chegaram lá em busca da única grande população residente de elefantes marinhos (Mirounga leonina) no país, que pode chegar a 160 indivíduos entre outubro e novembro, os meses reprodutivos, segundo a ONG Wildlife Conservation Society.

Após esse período, os elefantes-marinhos trocam de pele e pelos e retornam às suas viagens pelos chamados “mares do fim do mundo”.

— Precisávamos capturar animais que já haviam se deslocado, mas ainda não tinham saído — diz Maritza Sepúlveda, ecologista marinha da Universidade de Valparaíso , que lidera um projeto que usa os mamíferos para atuarem como exploradores e coletar dados oceânicos.

Para colocar os transmissores de satélite neles, os cientistas tiveram que se certificar de que os animais já haviam trocado o pelo para que não saísse da pele. Os pesquisadores escolheram algumas dessas focas – três machos e três fêmeas – e colocaram os dispositivos nelas. O objetivo era duplo: captar dados do oceano e dos mamíferos marinhos.

Os elefantes-marinhos foram escolhidos porque são grandes mergulhadores: podem descer até 2 mil metros de profundidade, explica Manuel Castillo, oceanógrafo da Universidade de Valparaíso. Com as informações que coletam, sempre que emergem à superfície, o dispositivo se conecta ao satélite, os dados são triangulados e os cientistas podem revisá-los em uma página da internet.

O estudo do grupo mede a estrutura das águas, o que envolve o recolhimento de dados a diferentes profundidades. E esta foi uma “oportunidade única”, diz Castillo.

— É muito difícil fazer isso com a forma típica que usamos. Geralmente vamos de barco, pegamos nos instrumentos e descemos — relata, descrevendo o método tradicional de exploração. — O elefante-marinho era ideal e já estava comprovado que tinha essas capacidades de ir fundo e fazer múltiplos mergulhos — complementa o estudioso.

Da mesma forma, ao contrário das baleias e dos golfinhos, os elefantes-marinhos se reúnem no mesmo local depois de um tempo.

— Eles se movem, mas depois voltam para um lugar onde você pode esbarrar neles. Existem diferentes maneiras de aproveitar a tecnologia nos organismos de forma passiva, e não estressá-los tanto.

Nas praias rochosas, carregadas de algas e árvores que ficam encalhadas na baía empurradas pela corrente, as focas descansam.

— Lá os elefantes marinhos estão muito calmos — descreve Sepúlveda.

Entre ventos fortes, gaivotas, biguás, bandurrias e condores solitários que sobrevoavam os morros próximos, de onde caía uma cachoeira de uma geleira, os cientistas escolheram quais indivíduos anestesiar e colocaram os transmissores.

Entre as focas marinhas, os machos dominantes medem até cinco metros, sendo muito maiores que as fêmeas. Algo que não é comum nos pinípedes, que costumam apresentar pouco dimorfismo sexual.

— As outras espécies são mais monogâmicas, então os machos não precisam competir entre si, então a diferença entre os sexos é pequena — explica o especialista.

Como ele diz, “não há outro mamífero” que tenha sob seu controle tantas fêmeas, dezenas delas. Portanto, machos maiores não eram candidatos à anestesia.

— Os que colocamos transmissores não eram tão grandes — detalha Sepúlveda, acrescentando que, por não estarem em período reprodutivo, não eram tão hostis.

A maré foi outro fator levado em conta. Se subisse e o animal estivesse meio adormecido, era arriscado executar a manobra, já que eles estavam atentos. A veterinária Josefina Gutiérrez calculou a dose a ser aplicada de acordo com o tamanho, até relaxarem e ficarem anestesiados. Uma vez adormecidos, amostras nasais e de sangue foram coletadas para estudos.

— Como temos os animais dormindo, temos que aproveitá-los ao máximo — comenta.

Após limparem a pele com acetona, os pesquisadores colaram os transmissores nos pelos com uma substância inofensiva por dez minutos para deixá-los bem aderidos, enquanto o especialista monitorava os batimentos cardíacos e a respiração do animal sedado.

Cientes da epidemia de gripe aviária que matou milhares de mamíferos marinhos no sul do continente nos últimos anos, os investigadores seguiram um rigoroso protocolo de vestuário.

— O trabalho foi sempre em busca do bem-estar da foca, que era o mais importante — destaca a ecologista. — Não tivemos problemas com os animais.

Durante as semanas de muda, as focas passam longas horas deitadas, enquanto os filhotes muitas vezes entram na água, e brincam de brigar e bater pescoços entre si, como farão também quando adultos, embora com mais violência.

Outra dificuldade em anestesiar pinípedes é que quando sedados eles podem entrar em apneia, da qual, na pior das hipóteses, não acordam.

— Não dava para trabalhar na chuva porque isso poderia estimular o animal a ‘mergulhar’. — Deviam estar secos, não mais que uma garoa. Aconteceu conosco com um animal que teve apneia por três minutos e depois continuou respirando normalmente — comenta a ecologista Maritza Sepúlveda.

Depois de voltarem à água, as seis focas deverão transmitir dados durante oito ou nove meses. Dependerá, entre outros fatores, da bateria dos instrumentos, já que em profundidades maiores, cerca de 100 metros e 5°C, a carga dura menos.

— A corrente chilena de Cabo Horn, ponto mais ao sul da América do Sul, tem sido pouco estudada: quase não se conhecem parâmetros oceanográficos básicos, como mudanças de temperatura, salinidade e clorofila — diz Sepúlveda.

Com o avanço da tecnologia, o grupo optou por esses “monitores vivos” que, com sua rotina de movimentação e alimentação, captam dados como “sensores oceanográficos 3D”. Ou seja, “são focas exploradoras”, destaca ela sobre os mergulhadores que pesam uma tonelada e que possuem adaptações – como sangue capaz de conter muito oxigênio – para passar dezenas de minutos submersos.

— Quando você vai ao médico, você se sente mal e não sabe o que tem. O médico diz ‘faça alguns exames’, porque assim ele obtém dados que pode comparar com a normalidade para saber se há alguma doença — diz Castillo. É exatamente isso que os cientistas procuram quando exploram o oceano através das focas.

Alguns dados importantes são a temperatura e a salinidade em diferentes profundidades e alturas, da superfície ao fundo. A fluorescência ou “concentração de organismos que realizam a fotossíntese, ou fitoplâncton” também é tomada. Da mesma forma, medem os níveis de PH e oxigênio, o que “é super relevante”.

— Dá uma ideia do estado geral de saúde dos corpos d’água — ressalta o estudioso.

Mas, enquanto os oceanógrafos estudam os mares, os ecologistas querem saber mais sobre os mergulhadores. Por exemplo, para onde vão ou quanto mergulham.

— Estamos fazendo duas grandes investigações dentro de uma. É muito original — afirma Sepúlveda.

Os pesquisadores também buscam obter mais informações sobre a área conhecida como Fiorde Almirantazgo, a oeste da Ilha Grande da Terra do Fogo. Eles baixaram um instrumento, chamado CTD (Condutividade, Temperatura, Profundidade), quase até o fundo do mar para fazer “perfis” desses locais e obter novas informações diferentes das que o Comitê Oceanográfico Nacional, liderado pela Marinha do Chile, conseguiu, ocasionalmente, com um navio.

Alguns dados preliminares que obtiveram com este novo projeto, segundo Castillo, são que como a geleira à frente está derretendo devido ao aumento da temperatura, as águas do fiorde, ou seja, o profundo golfo entre as montanhas, têm baixo teor de sal.

— Não é muito salino, mas no fundo recupera a salinidade — revela Manuel Castilllo.

Também notaram um “grande acúmulo de clorofila” a dez metros da superfície:

— É curioso porque os organismos que realizam a fotossíntese, normalmente, gostam de estar mais acima e, neste caso, estão mais abaixo.

Nestas semanas, algumas focas já deixaram Jackson Bay e ultrapassaram os 500 metros de profundidade.

— O bonito é que eles já estão nos contando que estão viajando, transitando pela área que nos interessa e começando a conectar os dados de fluorometria, temperatura e salinidade — destaca Sepúlveda, que também tem interesse em saber como são suas migrações, porque “muito pouco se sabe”.

Voltarão ao mesmo local no final do ano? Ela não sabe, embora espere que sim.

Fonte: O Globo

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