Duna de Jericoacoara é cartão-postal engolido aos poucos pelo mar

Como está hoje. Faixa de areia plana onde antes estava a Duna do Pôr do Sol; expansão de vila que se tornou um dos principais pontos turísticos do país afetou processos naturais de substituição das dunas, marca da paisagem
Como está hoje. Faixa de areia plana onde antes estava a Duna do Pôr do Sol; expansão de vila que se tornou um dos principais pontos turísticos do país afetou processos naturais de substituição das dunas, marca da paisagem — Foto: Franklim Braga

O sumiço de um dos principais cartões-postais de Jericoacoara (CE), a Duna do Pôr do Sol (DPS), é um preocupante prenúncio do futuro da pequena e charmosa vila cearense, que atrai cerca de 600 mil visitantes por ano e em 2022 esteve entre os dez destinos turísticos mais procurados por brasileiros no Google. O espaço onde antes ficava a duna de 60 metros de altura foi ocupado pelo mar no ano passado. A maré cheia vem alcançando a rua principal e entradas de restaurantes e pousadas.

Conforme um estudo do Labomar, da Universidade Federal do Ceará (UFC), as dunas de Jericoacoara impediram que o Atlântico avançasse sobre o continente nos últimos séculos. Mas a expansão urbana inviabiliza a chegada de novas dunas e a praia corre o risco de ser tomada de vez.

Para além de um ponto privilegiado para assistir ao pôr do sol, a DPS era essencial para a estabilidade da praia. O litoral de Jericoacoara convive sob o equilíbrio de dois fenômenos naturais simultâneos: enquanto a ondulação escava o fundo da praia e favorece o avanço do mar sobre o continente, as dunas faziam o papel oposto, repondo os sedimentos e mantendo a faixa de areia.

A geografia de Jeri, como é chamada a vila, tem uma formação específica. Quando os continentes se separaram, há 600 milhões de anos, surgiu no local a Pedra Furada. Além de ser outro cartão-postal, serve de promontório que divide a praia. A leste, na Praia do Preá, a areia se acumula até ser transportada pelo vento, em forma de dunas, em direção ao oeste, onde fica a praia principal.

As dunas fazem esse trajeto de mais de três quilômetros em uma média de velocidade de aproximadamente dez metros por ano. Por isso, a DPS demorou cerca de 300 anos até chegar ao ponto que ocupou nas últimas décadas. Há uma duna chegando para substituí-la. O problema, explica Alexandre Carvalho, geólogo do Labomar, é que depois dela não há mais nenhuma em formação naquela rota.

— A estabilidade da costa depende das dunas — diz Carvalho. — A nova duna deve ficar lá pelos próximos 30 anos, mas depois talvez não tenha outra nessa rota.

Além de as construções terem avançado na direção do mar, o núcleo urbano se tornou uma barreira para a passagem dos montes de areia, que agora se deslocam por trás da cidade. Além disso, barragens no litoral diminuíram a vazão de rios, que também levam areia.

— A cidade virou barreira e provoca um dano a ela mesma. Teremos que ajudar o vento a formar dunas com a pouca areia restante — prevê Carvalho.

Vindo do Rio, Mario Jorge Nascimento, o Mario Carioca, conheceu Jeri pela primeira vez em 1981, e mora na vila desde 2000. Ele conta que se no passado eram necessários mutirões para limpar casas invadidas por areia, hoje as dunas não chegam mais perto. Mas nos últimos meses, as barracas de caipirinha deixaram a entrada da rua principal para fugir da maré cheia. Donos de pousadas e hotéis colocam pedras nas portas, para conter o avanço do oceano.

— O fim da duna impactou muito o turismo. Até hoje chega turista desavisado, achando que ela ainda existe — conta.

Presidente do Conselho Comunitário, Lucimar Marques, de 53 anos, chama a atenção para o risco de o mar atingir a tubulação de esgoto, que passa na beira da praia:

— Colocamos sacos de areia e pedras, só que a maré está muito agressiva.

Nos próximos seis meses, o Labomar fará um novo estudo para precisar até que ponto o mar pode avançar e formular soluções de contenção, afirma Alexandre Carvalho. Sua principal aposta é a abertura de corredores de vento que favoreçam o transporte de sedimentos.

O prefeito de Jijoca de Jericoacara, Lindbergh Martins, afirmou que, além do projeto encomendado ao Labomar, foi firmada parceria com o governo do estado e a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) para ações emergenciais e obra de contenção.

— Estamos colocando pedras de forma emergencial — afirmou Martins, que também citou a parceria com empresários e os esforços de fiscalização. — Só pode construção de até 7,5 metros na vila. Tentamos algumas restrições, mas Jeri deixou de ser vila de pescador e virou um dos principais destinos turísticos do país.

Procurada, a Cagece informou que, além da ação emergencial, engenheiros estudam a “melhor alternativa técnica para garantir de forma definitiva a proteção ao sistema de esgotamento de Jericoacoara”.

Fonte: O Globo

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