Dilema fóssil: nova fronteira do petróleo ameaça liderança climática do Brasil

O navio-plataforma P-68 opera nos campos de Berbigão e Sururu, no pré-sal da Bacia de Santos.
O navio-plataforma P-68 opera nos campos de Berbigão e Sururu, no pré-sal da Bacia de Santos. — Foto: Agência Petrobrás

A pressão global para que a redução das emissões de CO2 inclua um acordo tácito para frear novos projetos de exploração de petróleo pode atrapalhar a ambição do Brasil de liderar a agenda climática global, afirmam analistas. O movimento para travar a fronteira de abertura de novos poços nasceu com cientistas e ambientalistas, mas ganhou impulso fora dessa bolha após a Agência Internacional de Energia (AIE) publicar um relatório sobre o tema há dois anos, que começa a ter influência concreta agora.

O documento apontou que os projetos de exploração e consumo de petróleo, gás e carvão existentes até 2021 já emitirão em sua vida útil mais gases-estufa do que a meta do Acordo de Paris para o clima suporta. O tratado busca frear o aumento do aquecimento global abaixo de 1,5°C.

Em um artigo na revista Science neste mês, um grupo de pesquisadores defende uma “norma social” global para frear novos projetos de produção e consumo de energia fóssil. O trabalho, liderado pelo cientista social e economista Fergus Green, do University College de Londres, argumenta que o custo político e financeiro de fechar projetos de exploração já existentes é muito alto, e o planeta precisa frear os novos poços para reduzir o preço e a viabilidade da transição energética para fontes renováveis, como a eólica e a solar.

A Petrobras, com cerca de 3% da produção global de óleo e gás hoje, não é considerada ainda um dos maiores entraves para o corte de emissões no mundo. Mas no contexto dos novos planos de exploração, sobretudo na margem equatorial do país, o peso global da empresa pode aumentar.

Como o principal foco de emissão do país hoje ainda é o desmatamento, e a destruição da Amazônia foi freada em 22% em 2023, o Brasil retomou boa parte da influência que tinha no passado na agenda ambiental e caminha para cumprir com alguma folga em 2025 sua contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês).

Um aumento acentuado na produção nacional de petróleo no futuro, porém, pode perturbar o cenário global, ainda que esse óleo seja exportado e entre na conta da NDC de outros países. Se todos os países com ambição de ampliar produção reivindicarem o direto de fazê-lo, diz Green, a conta do Acordo de Paris não fecha.

— Nós argumentamos que os países que aspiram ser líderes climáticos e já endossaram e reafirmaram seu compromisso com a meta de 1,5°C, como o presidente Lula e o Brasil, deveriam estar indo além de cuidar das emissões domésticas e cumprir suas NDCs — disse ao GLOBO.

O cientista aponta que a ideia de um compromisso ético de frear novos campos de exploração de combustíveis fósseis já começou a tomar corpo na forma de acordos diplomáticos como as coalizões Beyond Oil and Gas Alliance (Boga) e Power Past Coal Alliance (PPCA). A Boga reúne em sua composição 20 países (incluindo França, Suécia, Espanha e Colômbia) e 4 governos subnacionais (incluindo a Califórnia, nos EUA) que assinaram promessa voluntária para desescalar a exploração de petróleo e gás. Já a PPCA agrupa 60 nações que assumiram prazo para zerar produção e consumo de carvão. O Brasil não aderiu a nenhuma das duas alianças.

Segundo Cristiano Vilardo, doutor em Planejamento Energético pela Coppe-UFRJ e analista do Ibama, o debate interno sobre a expansão de campos de petróleo gira muito em torno da questão de segurança energética, mas os argumentos sobre projeções futuras não são consensuais.

— A gente já tem contratado só com o pipeline de projetos do Pré-Sal um crescimento bastante significativo, saltando de 3 milhões de barris por dia para 5 milhões por dia no final da década, sendo que a previsão do consumo deve ficar abaixo de 2,8 milhões.

O argumento de que o país pode exportar óleo e usar receita para o desenvolvimento, diz, é também um ruído no debate. Paira sobre essa proposta a dúvida sobre quanto o Pré-Sal contribuiu para o índice de desenvolvimento humano no Brasil.

O petróleo, ele diz, prejudica a ambição de liderança do país a pouco mais de um ano da COP30, a Conferência do Clima de Belém, em 2025.

— Existe uma ambiguidade de sinais do governo brasileiro, que está ao mesmo tempo adorando o deus do protagonismo climático e o deus que quer explorar a última gota de petróleo do mundo — diz Vilardo.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirma que o tema da transição energética está contemplado na estratégia do atual governo.

“Há décadas a comunidade científica alerta e cobra lideranças políticas e empresariais sobre a necessidade de ação urgente”, afirmou o MMA em nota, ressaltando que signatários do acordo se comprometeram em “duplicar a eficiência energética, triplicar a capacidade de energias renováveis e realizar a transição para o fim do uso de combustíveis fósseis”.

Ainda é difícil responder em que ritmo o Brasil pode abrir mão do petróleo. Alguns especialistas, apesar do Pré-Sal, hesitam em dar por certo que a produção já contratada vai atender à demanda futura.

Mahatma Ramos dos Santos, diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), diz que existe margem de manobra para que o Brasil encaixe o óleo de novos campos na lacuna da queda de produtividade prevista para o Pré-Sal a partir de 2030. Mas ele afirma que a cota de investimento da empresa em renováveis ainda é tímida.

— A média de investimento das empresas de óleo e gás em novas rotas tecnológicas está abaixo de 20% no mundo, e precisa aumentar — diz. — O previsto para este ano na Petrobras é equivalente a 6% do investimento total, abaixo da média internacional.

A Petrobras argumenta que uma norma geral contra novos projetos fósseis ignora potenciais vantagens. “Por exemplo, ativos existentes podem operar com altas emissões e ativos novos podem ser mais competitivos dos pontos de vista econômico e ambiental”, disse a empresa, em nota.

O artigo de Green, além disso, não detalha diferenças regionais. “Os próprios cenários da AIE apontam um crescimento no fornecimento de petróleo da América Latina e, em particular, do Brasil até meados da década de 2030”, afirma o comunicado da Petrobras.

A despeito da pressão ambientalista e acadêmica, o conflito que levou à queda de Jean Paul Prates e à nomeação de Magda Chambriard como presidente da empresa teve mais a ver com a demanda de acionistas minoritários para obter dividendos do que com o ingresso lento nas energias renováveis. Mas há uma relação entre as duas coisas.

— O maior desafio é o interesse financeiro de curto prazo dos acionistas. Não dá para fazer transição energética e pagar altos dividendos — diz Santos.

Segundo Green, esse tipo de embate afeta outras empresas do setor no mundo. No caso do Brasil, porém, o governo tem controle acionário e com vontade política pode acelerar a transição.

— Governos deveriam adotar visão mais de longo prazo e conduzir suas empresas de combustível fóssil em linha com o interesse público, o que inclui manter o planeta habitável e abaixo do limite de 1,5°C — diz.

Fonte: O Globo

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