Dez anos depois, mais de um terço das obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo do Brasil não foi entregue

Vagões de VLT, comprados para atender à população de Cuiabá, apodrecem à espera de uma solução para impasse: anos após o início da obra, o governo do Mato Grosso anunciou que o projeto seria substituído por um BRT
Vagões de VLT, comprados para atender à população de Cuiabá, apodrecem à espera de uma solução para impasse: anos após o início da obra, o governo do Mato Grosso anunciou que o projeto seria substituído por um BRT — Foto: Chico Ferreira/F5 Agência Fotográfica

Dez anos após a Copa do Mundo do Brasil, mais de um terço das obras de mobilidade urbana prometidas por prefeituras e governos das cidades-sede do evento não foi feita. Os 38% não entregues incluem projetos abandonados ou concluídos parcialmente, a maioria de linhas de BRT ou VLT. Para especialistas, apesar de avanços pontuais, a Copa foi um potencial desperdiçado em termos de soluções de mobilidade.

Parte das promessas, que contavam com linha especial de financiamento do BNDES, foi retirada ainda antes do megaevento da Matriz de Responsabilidade (MR), documento que reunia todas as obras necessárias para o Mundial. A mobilidade previa muitos projetos que, embora não fossem essenciais para o torneio, eram vistos como a chance de deixar um legado em cidades que precisaram investir milhões em infraestrutura.

Para o levantamento, O GLOBO se baseou na MR divulgada pelo Ministério do Esporte, com última atualização meses após a Copa, e consultou governos estaduais e prefeituras das 12 cidades-sede, além de informações da pesquisa de mestrado do jornalista Rodrigo Lois. Ele chegou a uma estimativa de que o evento teve investimento de R$ 8,4 bilhões para mobilidade, o mesmo montante investido na construção de estádios.

Foram localizadas 75 obras de mobilidade, das quais 46 foram concluídas, três entregues parcialmente e 21 acabaram abandonadas, além de cinco ainda em execução. Em Manaus e Porto Alegre, os BRTs não viraram realidade, assim como os VLTs de Cuiabá e Brasília. Em Fortaleza, corredores foram abertos ou ampliados, mas sem o BRT previsto.

— Apesar de boas obras pontuais, o trânsito não foi resolvido. Foi um período desperdiçado para o Brasil inteiro — diz o arquiteto e urbanista Zeca Brandão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que foi secretário executivo de Operações Urbanas do estado no planejamento para a Copa.

Em Manaus, nem o BRT, da prefeitura, nem o Monotrilho, do governo estadual, saíram do papel. Além de disputas entre as gestões, as obras esbarraram nos altos custos, na necessidade de desapropriação e em problemas junto ao Iphan, devido ao traçado pelo centro histórico. As intervenções ficaram restritas a obras perto do estádio construído.

— A cidade em si não teve grandes mudanças. Diante da necessidade, não podemos chamar de legado — resume Tais Furtado, arquiteta-urbanista da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Procurada, a prefeitura de Manaus afirmou que o projeto de BRT foi rejeitado pela Câmara e saiu da matriz. Prefeito à época, Arthur Neto culpou a falta de aportes federais.

Em Cuiabá fica o projeto abandonado mais caro: o VLT, que consumiu cerca de R$1 bilhão do orçamento de R$1,4 bilhão financiado pela Caixa Econômica na compra de 40 trens e 24 quilômetros de aço. Ele ligaria o Aeroporto Marechal Rondon, na cidade de Várzea Grande, ao centro de Cuiabá. Em 2020, o governo estadual trocou o projeto por um BRT, ao custo de R$ 480 milhões, enquanto o VLT ainda demandaria R$ 730 milhões.

O governo do Mato Grosso disse que a obra do BRT está em curso, com conclusão prevista para 2025. Já o destino dos vagões guardados no fundo do aeroporto ainda não foi selado. Em 2022, uma equipe da prefeitura do Rio foi até Cuiabá para estudar a compra. Ano passado, o governo da Bahia fez proposta pelos vagões, em negociação mediada pelo Tribunal de Contas da União.

Em Salvador também houve substituição de projetos. O BRT não foi feito e, em troca, o governo baiano ergueu o metrô em trajeto similar, quase todo sobre a superfície, ligando o aeroporto ao Acesso Norte, uma estação intermodal.

— Como fizeram de forma apressada, sem planejamento, o metrô passa por um vazio urbano — critica Daniel Caribé, coordenador do Observatório da Mobilidade de Salvador.

Em Porto Alegre há obras da Copa sendo inauguradas até agora, literalmente: duas semanas atrás, a prefeitura entregou a duplicação da Avenida Tronco, que custou R$ 83,2 milhões. Três meses antes, o prolongamento da Avenida Severio Dulius foi inaugurado. Mais uma vez, as intervenções viárias concluídas para o Mundial ficaram restritas ao entorno do estádio Beira-Rio. Procurada, a prefeitura explicou que vários projetos foram retirados da matriz por não terem relação direta com o evento.

Em Natal, o VLT foi concluído parcialmente: os veículos leves foram instalados, mas na linha de trem que já existia. Em Curitiba, a maior lacuna é o Corredor Metropolitano, que ligaria Curitiba a cidades próximas por R$ 130 milhões. O governo do PR afirmou que a iniciativa foi retomada e que o primeiro trecho está em fase final de elaboração de projeto.

Em Brasília, o VLT que ligaria o aeroporto à Asa Sul não foi feito e, em 2019, um novo desenho foi proposto. Procurada, a gestão local disse que o projeto está sob análise do Tribunal de Contas do DF. Já São Paulo foi a cidade-sede com menos promessas: intervenções no entorno da Arena Itaquera e o Monotrilho Linha-17 Ouro, não realizado. O governo estadual informou que, após “dificuldades contratuais”, retomou a construção da linha em setembro de 2023, e a meta é concluir em 2025.

Rio e Belo Horizonte são as únicas que entregaram todo o prometido. Na capital fluminense, o BRT Transcarioca e obras perto do Maracanã. Já BH enfrentou atrasos em cinco dos sete projetos prometidos, concluídas após o evento.

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.