‘Despedaçados’: ao menos dez membros de uma mesma família são mortos em bombardeio de Israel a Rafah; cinco são menores

Palestinos se reúnem no hospital Al-Najjar para identificar os corpos de parentes após bombardeio israelense em Rafah.
Palestinos se reúnem no hospital Al-Najjar para identificar os corpos de parentes após bombardeio israelense em Rafah. — Foto: MOHAMMED ABED / AFP

Enquanto o mundo aguarda com apreensão a resposta de Israel à ofensiva aérea do Irã na última semana, a guerra na Faixa de Gaza segue seu curso. Na noite de quarta-feira, um bombardeio israelense matou ao menos dez pessoas de uma mesma família, incluindo cinco menores com idades entre três e 16 anos, na cidade de Rafah, extremo sul do enclave palestino. A mãe está desaparecida, segundo a CNN.

Imagens divulgadas pela rede americana mostram parentes chorando sobre os corpos dos mortos da família Ayyad, envolvidos em panos brancos. Alguns tiveram seus corpos atingidos com bastante violência.

— Recuperamos os restos mortais de 12 pessoas. Havia mulheres e crianças, encontramos braços e pés. Todos foram despedaçados — lamentou Abdeljabbar al-Arja, vizinho da família, à AFP nesta quinta-feira. — Isso é horrível, não é normal. O mundo inteiro é cúmplice.

O ataque deixou uma grande cratera no chão, e crianças ajudavam a vasculhar os escombros enquanto os adultos removiam os destroços, lonas e uma roupa rosa.

A família estava abrigada em Rafah, pequena cidade que acolheu quase um milhão e meio de deslocados pelo conflito, de acordo com as Nações Unidas. Eles teriam sido removidos várias vezes do norte de Gaza, segundo um parente à CNN, assim como milhares que seguiram para regiões no centro e depois no sul após sucessivas ordens do Exército de Israel.

Agora, a cidade é anunciada como o próximo alvo da incursão israelense, sob alegações de ser o “último bastião” do Hamas e de que alguns reféns sequestrados durante o ataque terrorista de 7 de outubro estão sendo mantidos ali.

Oficialmente, autoridades israelenses afirmam que há ainda 129 cativos, os quais 34 estão mortos. No último acordo entre as partes, 110 foram libertados. As negociações sobre uma trégua e uma consequente troca entre reféns prisioneiros e palestinos estão paralisadas há meses.

— Como Rafah é um lugar seguro? — questionou Zeyad Ayyad, parente das vítimas. — Escutei o bombardeio na noite anterior, então voltei a dormir. Não imaginava que tivesse atingido a casa da minha tia.

O bombardeio também atingiu o campo de al-Mawasi, próximo a Rafah, onde estão localizadas milhares de barracas de pessoas deslocadas. O exército israelense afirmou ter atingido dezenas de “alvos” em Gaza nas últimas horas, incluindo “terroristas, postos de observação e estruturas militares”.

As Forças Armadas israelenses também confirmaram à CNN, nesta quinta, que operaram um ataque aéreo no campo de refugiados de al-Maghazi, no centro de Gaza, que deixou 14 mortos, incluindo oito crianças, na terça-feira.

Em um outro bairro na cidade de Rafah, al-Salam, equipes de resgate recuperaram, também na terça, os corpos de oito membros de uma mesma família, incluindo dois menores de idade e duas mulheres. Eram parentes de Sami Nyrab.

— Um foguete israelense atingiu uma casa de pessoas deslocadas. O genro da minha irmã, sua filha e seus filhos estavam jantando quando um míssil israelense demoliu sua casa sobre suas cabeças. — lamentou.

Durante o ataque, Jamalat Ramidan acordou com as vozes das filhas gritando “mamãe, mamãe, mamãe” e as crianças chamando umas outras. Enquanto fugiam, tropeçaram em “partes de corpos e cadáveres espalhados por toda parte”, contou à agência de notícias francesa.

Israel iniciou seu ataque em Gaza depois que o Hamas lançou um ataque em 7 de outubro que resultou em quase 1,2 mil mortos no sul de Israel, a maioria civis. A ofensiva retaliatória, no entanto, matou em seis meses pelo menos 33.970 pessoas em Gaza, a maioria mulheres e crianças, segundo o Ministério da Saúde do território.

As Nações Unidas e as agências de ajuda humanitária afirmam que o cerco de Israel deixou o norte de Gaza à beira da fome, e a preocupação com a crise humanitária no sul, onde centenas de milhares de pessoas estão vivendo em abrigos improvisados, está aumentando.

O exército israelense retirou-se da principal cidade do sul de Gaza, Khan Yunis, no início deste mês, sob o argumento de preparar os soldados para uma operação em Rafah, e milhares de palestinos deslocados voltaram para encontrar suas casas em ruínas.

— Perdemos tudo, nossa casa, nosso porto seguro, depois que ela foi bombardeada e completamente destruída — disse Shams Majid, 22 anos.

Seu pai morreu pouco antes da guerra e sua família agora vive em uma tenda na vizinha al-Mawasi. Para lidar com a morte do pai, a jovem conta que se “agarrou a todos os últimos vestígios de sua existência” espalhados pela casa, como “seus pertences favoritos meticulosamente guardados em uma velha caixa de cigarros, o último dinheiro escondido em suas roupas, seu cheiro persistente em seus perfumes.”

— Mas agora nada disso restou — disse, lamentando: — Nossa terra foi arrasada, nossa casa demolida por ataques aéreos e nossas memórias enterradas sob os escombros.

Fonte: O Globo

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