Descubra quanto calor faz na sua cidade: mapa mostra os locais mais quentes do Brasil em ano de recorde mundial

Mapa mostra os lugares do Brasil que mais esquentaram em ano de recorde mundial de calor
Mapa mostra os lugares do Brasil que mais esquentaram em ano de recorde mundial de calor — Foto: Editoria de Arte

O Brasil está mais quente. Mas nenhum estado ferveu tanto quanto Minas Gerais em 2023, o ano mais tórrido já registrado na Terra. O Vale do Jequitinhonha foi a área do país que mais esquentou, confirmando uma tendência das últimas seis décadas, revela um levantamento inédito do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), obtido com exclusividade pelo GLOBO, que baseia uma ferramenta na qual é possível checar a quantas anda o aquecimento nas cidades brasileiras (confira mais abaixo).

Turmalina foi o município com a maior elevação de temperatura, até 5,52 graus Celsius acima da média das máximas diárias. Mas cidades do Vale do Jequitinhonha ocupam 18 dos 20 primeiros lugares no ranking do calor — as exceções são a vizinha baiana Urandi (14º lugar) e a também mineira Confins (17º).

Para identificar os lugares do Brasil que mais esquentaram, aqueles que tiveram as maiores anomalias de temperatura positiva, a cientista Ana Paula Cunha e sua equipe do Cemaden analisaram dados de estações meteorológicas oficiais e de satélite de todos os 5.570 municípios brasileiros nos 12 meses de 2023. E compararam cada mês com a climatologia para o respectivo período.

Os dados se referem à média das temperaturas máximas diárias e os municípios foram ranqueados pelas maiores anomalias de temperaturas. No geral, novembro e dezembro foram os meses mais quentes.

A análise combinada foi necessária porque menos da metade dos municípios brasileiros têm estações meteorológicas. Cunha explica que os dados de satélite fazem com que as temperaturas sejam um pouco menores do que as aferidas na superfície. Isso significa que o aquecimento foi ainda maior.

O calor extremo do Jequitinhonha não surpreendeu os pesquisadores. Trabalho anterior da própria Cunha e outros cientistas do Cemaden já havia indicado essa como uma das áreas que mais esquentaram nos últimos 60 anos no país.

O climatologista José Marengo, também do Cemaden, frisa que outras áreas quentes do país certamente também esquentaram muito, mas podem ter tido a temperatura real mascarada pela falta de estações.

É o caso do Matopiba (acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerado a maior fronteira agrícola da Terra e onde ocorre o maior desmatamento do Cerrado. A Amazônia também é um vasto deserto de dados meteorológicos.

Cunha salienta que todo o Brasil, à exceção do extremo sul do Rio Grande do Sul e parte do litoral da Bahia, esteve mais quente em 2023, o mais extremo em décadas de elevação da temperatura. Os dados do início de 2024 ainda não estão completamente analisados.

— A tendência de aumento de temperatura é bem clara do Norte do Paraná para cima. Supera até mesmo a prevista pelo IPCC, que concentrava o agravamento do calor no Norte e no Nordeste. Mas Centro-Oeste e partes do Sudeste têm esquentado demais — enfatiza Cunha.

Ainda assim, nada menos que 45 municípios tiveram anomalias iguais ou superiores a 5°C, todos em Minas e Bahia. Trinta e oito são mineiros, 28 no Vale do Jequitinhonha, 10 em áreas vizinhas, apenas Confins de fora. Todos os sete baianos são contíguos ao vale.

E 343 municípios registraram anomalias de 4°C a 4,98°C, também muito altas. Elevações de temperatura assim revelam a brutalidade do clima. Três ou mais dias com 5°C acima da média da máxima é o critério que se costuma usar para caracterizar uma onda de calor.

Cada grau importa. Quando o termômetro sobe de 36°C para 37°C não parece muito, mas esse 1 grau de diferença é suficiente entre a saúde normal e a febre, por exemplo. Com as plantas não é diferente. Acima de 28°C, a soja, conhecida por ser resistente ao calor, começa a sofrer. Um grau Celsius também é suficiente para multiplicar o risco de incêndio em áreas afetadas pela seca, diz Marengo.

Cinco graus de elevação são o que climatologistas classificam como extremo.

A receita para o calor extremo combina mudanças climáticas globais com características locais. O clima é semiárido e está também, progressivamente, mais seco. Por ser um vale, a circulação de ar não é das melhores. Há grandes áreas desmatadas, solo degradado, poucos recursos hídricos e grande distância do oceano, normalmente uma fonte de umidade e ventos mais frescos.

No Vale do Jequitinhonha também fica Araçuaí, que em 19 de novembro passado marcou 44,8°C, a maior temperatura do Brasil. Araçuaí, porém, está na 361ª posição. Em novembro, teve uma anomalia muito grande, de 4,05°C. Ainda assim, seu aumento médio das máximas diárias foi menos expressivo que as de outros 360 municípios.

Recordes pontuais de temperatura não indicam tendências, observa Cunha. Mas, por óbvio, lugares que registram esses recordes são tórridos.

— Toda aquela região esquenta e a tendência é de que isso continuará porque os fatores que causam o calor seguem presentes. O El Niño aqueceu o Brasil, mas é transitório. O que fez e faz diferença é o aquecimento global somado às condições locais. É uma região semiárida, que também está ficando gradativamente mais seca — afirma Cunha.

Calor e seca costumam andar juntos, salienta a diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá. Um alimenta o outro. A degradação do solo e da vegetação abre caminho para o inferno. É tudo uma questão de equilíbrio energético. A energia do sistema terrestre precisa ir para algum lugar. E há cada vez mais energia, à medida que a Terra esquenta.

Quando há água na superfície, seja no solo, na vegetação ou em cursos d’água, parte significativa dessa energia é empregada na evaporação. Assim, não esquenta tanto. E é por isso que o desmatamento contribuiu para a elevação da temperatura.

Mas, quando não há água no solo, mais energia fica disponível para aquecer o ar. Quanto mais seco, mais calor. E quanto mais calor, maior a seca, diz Marcelo Seluchi, diretor de Operações do Cemaden.

Ele acrescenta que a chuva regula a temperatura. O que explica que lugares muito quentes, mas com densa cobertura florestal, como a Amazônia; ou próximos ao mar, como o Rio de Janeiro, não tiveram anomalias tão significativas.

— O Brasil, como um todo, está secando, mas regiões que já eram semiáridas sofrem mais. A agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha é muito vulnerável. E nessas condições, não vejo futuro para o Matopiba — diz Cunha.

Marengo acrescenta que não importa se um ano é de El Niño, La Niña ou neutro, a tendência de elevação da temperatura segue forte.

— 2023 foi dramático e 2024 começou extremo — salienta Marengo.

Fonte: O Globo

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