Depois de 24 anos em coma, Clarinha se foi

Clarinha e o tenente-coronel da PMES Jorge Potratz. Militar reivindicará junto às autoridades que ela tenha um sepultamento decente -  (crédito: TV Gazeta/Reprodução)
Clarinha e o tenente-coronel da PMES Jorge Potratz. Militar reivindicará junto às autoridades que ela tenha um sepultamento decente - (crédito: TV Gazeta/Reprodução)

A vida de Clarinha, uma mulher não identificada que ficou internada, em coma, por 24 anos no Hospital da Polícia Militar dos Espírito Santo (PMES), em Vitória, chegou ao fim ontem. Ela morreu após uma broncoaspiração — aspiração de conteúdo do estômago para o interior das vias respiratórias. Agora, os militares que cuidaram dela por quase duas décadas e meia tentam evitar que ela seja sepultada como indigente.

O nome de Clarinha foi dado pela equipe médica que cuidou dela ao longo desses anos, uma vez que ela chegou desacordada à unidade depois de ter sido atropelada por um ônibus, em 12 de junho de 2000. O acidente aconteceu no centro da capital capixaba e, supostamente, ela fugia de um perseguidor, também não identificado.

Ao ser socorrida, Clarinha estava sem documentos e com as digitais desgastadas. Foi levada para o Hospital São Lucas e, um ano depois, transferida para o Hospital da Polícia Militar, onde ficou até ontem.

Segundo a polícia, o local do atropelamento não é exato e, até hoje, não se tem qualquer registro do veículo que atropelou Clarinha. Da mesma forma, o motorista do ônibus e o suposto perseguidor jamais foram identificados.

O tenente-coronel da reserva da PMES Jorge Potratz, que cuidou de Clarinha ao longo desses 24 anos, solicitará à Prefeitura de Vitória um espaço no cemitério municipal para que o corpo da mulher seja enterrado e ela tenha direito a uma lápide, onde “as pessoas, que assim desejarem, pudessem ir fazer uma oração”. “Precisamos ter mais humanidade com as pessoas e continuar tentando dar dignidade à Clarinha”, disse o médico.

Clarinha foi levada ao Departamento Médico Legal (DML) de Vitória, procedimento considerado incomum em casos de pessoas sem identificação — em casos como o dela, o hospital libera o corpo, que é levado diretamente para o sepultamento. Potratz garantiu que se responsabilizará por toda burocracia necessária para que haja um sepultamento digno.

“Clarinha era cuidada com muito amor por toda equipe do hospital e por lá conseguimos garantir sua dignidade. E é assim que deve continuar. Espero que seja enterrada em um local próprio e identificada como Clarinha. Não quero que ela seja enterrada como indigente. Esse processo não deve ser de um dia para o outro, mas vou estar à frente disso”, afirmou.

Tentativas

No hospital da PMES, os médicos identificaram a cicatriz de uma cesariana, que indica que Clarinha tinha dado à luz e poderia ter um filho vivo. “Isso, realmente, marca muito a possibilidade de alguém da família identificá-la. Eu gostaria muito disso. O meu sentimento por ela é de apego. Como se fosse quase uma filha, porque não tem ninguém por ela”, disse o tenente-coronel, em uma entrevista ao Fantástico, da Rede Globo, em 2016.

Por causa da reportagem, a história de Clarinha chegou ao Ministério Público do Espírito Santo, que trabalhou para ajudar a identificá-la. À época, mais de 100 famílias com parentes desaparecidos procuraram o MP-ES na tentativa de identificar possíveis graus de parentesco com ela.

Um casal em Minas Gerais, que teve uma filha sequestrada, em 1976, durante viagem à Guarapari (ES), foi o que esteve mais próximo de dar alguma pista sobre o passado de Clarinha. Cecília São José de Faria, na época com um ano e nove meses, desapareceu enquanto a família passava férias na praia capixaba e, desde então, parentes buscavam por ela.

A partir de uma análise de dados de Clarinha e Cecília, levantou-se a suspeita de que as duas poderiam ser a mesma pessoa. Entretanto, a Polícia Civil mineira fez outra comparação de dados e o resultado apontou incompatibilidade entre elas.

 

Fonte: Correio Braziliense

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