Decifrando o Parlamento chinês

O presidente chinês, Xi Jinping, sendo aplaudido no  Congresso Nacional do Povo (CNP), em 2018
O presidente chinês, Xi Jinping, sendo aplaudido no Congresso Nacional do Povo (CNP), em 2018 — Foto: GREG BAKER/AFP

Para muitos, o Parlamento chinês serve apenas como um carimbo protocolar para as determinações do Partido Comunista, um show meticulosamente coreografado para reafirmar a vitalidade do sistema. Para outros, é uma oportunidade única de decifrar a governança do país numa prestação de contas pública das estratégias do Partido-Estado.

Como é habitual no universo ruidoso das análises da China, afirmações aparentemente conflitantes podem ser ambas verdadeiras. É o caso do Congresso Nacional do Povo (CNP), o Legislativo chinês, que abre hoje sua sessão anual. É a abertura oficial da temporada política, quando milhares de delegados de todo o país se reúnem em Pequim para discutir o desempenho até aqui e referendar planos para o futuro.

Muitas pistas do que será delineado já foram reveladas, principalmente no que mais chama a atenção do mundo: diretriz macroeconômica, diplomacia e política industrial. Será a estreia do primeiro-ministro Li Qiang na apresentação do relatório de trabalho do governo, que abre a sessão do Legislativo. É quando se anuncia a meta de crescimento da economia para o ano. Embora o número continue chamando a atenção, o governo tem demonstrado que a prioridade mudou. A ordem agora é o “crescimento de qualidade”.

Ainda sofrendo as dores da crise no mercado imobiliário e dos três anos de paralisações sob a política de Covid zero, o país passa por um período de baixa expectativa, sobretudo entre os jovens. O maior desafio do Partido é terminar esta semana de sessões do Legislativo com uma mensagem convincente de que tem a receita para recuperar a confiança de consumidores e investidores.

Nas palavras do presidente Xi Jinping, que viraram o slogan atual, a chave está nas “novas forças de produção”. Adaptado ao século XXI, é a reciclagem do conceito marxista para incluir novas tecnologias como inteligência artificial e energia verde. Em parte, significa um papel maior do Estado para conectar pesquisa, finanças e produção. Traduzido para o mundo real, porém, alimenta dúvidas sobre como conciliar a prioridade que tornou-se a segurança nacional sem inibir a iniciativa privada.

Para além das manchetes costumeiras sobre o PIB e o orçamento militar, quem se dedica a rastrear com lupa os rumos da governança chinesa recomenda prestar atenção não apenas nos discursos principais, mas nas leis que estão por vir. Não é tarefa simples, mas felizmente para os interessados há quem encare a parada, como Changhao Wei, editor do blog NPC Observer, que acompanha os meandros do Legislativo chinês.

Empresários, diplomatas e estudiosos devem ficar de olho no relatório do comitê permanente do CNP, que anuncia os projetos de lei para o ano. Foi em seu relatório de 2023, por exemplo, que o comitê revelou a proposta de revisão na lei antiespionagem, que causa apreensão entre investidores por potencialmente ampliar a intervenção do Estado por motivos de segurança nacional. Não parou por aí.

A poucos dias da abertura do Congresso, Xi promulgou uma nova revisão da lei, estendendo a proteção do Estado a “segredos de trabalho”, uma definição vaga e ampla o suficiente para tornar menos transparente o sistema de governança do país, além de endurecer a vigilância sobre aqueles que ousam escrutiná-lo. A nova lei entra em vigor em 1º de maio, o Dia do Trabalho, uma data entranhada no nacionalismo comunista chinês.

Fonte: O Globo

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