Cúpula do G7: Direito ao aborto fica fora do esboço de declaração do grupo após oposição da Itália

Líderes do G7 reunidos para cúpula na Itália
Líderes do G7 reunidos para cúpula na Itália — Foto: Mandel Ngan/AFP

A declaração final da cúpula do G7 não inclui uma referência direta ao aborto, de acordo com uma cópia preliminar vista pelas agências AFP e Reuters nesta sexta-feira, após relatos de que a anfitriã, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, havia tentado removê-la. Ainda segundo a agência francesa, fontes diplomáticas afirmam que a oposição à menção do procedimento pela Itália, que está na presidência rotativa do mudo, teria causado tensão nos bastidores, com EUA e França irritados com a decisão.

Na cúpula do ano passado, que ocorreu em Hiroshima, no Japão, os líderes do grupo se comprometeram a abordar o “acesso ao aborto seguro e legal”, mas essa referência não aparece na versão preliminar da declaração deste ano. Enquanto no documento de 2023 as autoridades fizeram uma referência específica ao “acesso ao aborto seguro e legal e aos cuidados pós-aborto”, o que França, União Europeia (UE) e EUA queriam manter, a declaração deste ano limitou-se a manter apenas os compromissos “com o acesso universal a serviços de saúde adequados, acessíveis e de qualidade para as mulheres”, informou a Reuters.

— Estávamos defendendo o acordado em Hiroshima, onde o texto era mais explícito, mas não foi possível chegar a um acordo — explicou um alto funcionário da União Europeia nesta sexta-feira, acrescentando: — O importante é que tenhamos no texto a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos.

Ainda na quarta-feira, véspera do início da cúpula, uma fonte próxima às negociações contou à AFP que desde 2021 “houve uma menção ao ‘acesso seguro'” na declaração dos líderes do G7, mas que “Meloni não quer isso”.

— Ela é a única, está isolada na questão. Mas como é o país anfitrião, os outros decidiram não fazer disso um casus belli — disse a fonte, usando o termo em latim para um ato que provoca uma guerra, e acrescentou: — Portanto, isso não será incluído no texto.

Para justificar a omissão, continuou a agência britânica, a Itália teria afirmado que não havia necessidade de repetir a frase, porque já havia reiterado especificamente o seu compromisso na cúpula anterior. França, EUA e a União Europeia (UE) eram favoráveis à menção, mas desistiram por falta de acordo com Meloni. A França e o Canadá estão particularmente frustrados, pois vinham pressionando para fortalecer o direito ao aborto, de acordo com o jornal italiano Domani.

O presidente Joe Biden “sentiu fortemente que precisávamos ter, no mínimo, a frase que faz referência ao que fizemos em Hiroshima sobre a saúde da mulher e os direitos reprodutivos”, disse um alto funcionário não identificado do governo dos EUA na quinta-feira. O aborto é um tema quente no país, onde o presidente tem se insurgido contra as restrições ao aborto implementadas na maioria dos estados conservadores.

Na quinta-feira, a Suprema Corte americana manteve o amplo acesso à pílula abortiva no país, rejeitando a tentativa de um grupo de organizações e médicos antiaborto de anular a aprovação da medicação pela FDA (agência sanitária americana) — uma vitória à administração Biden.

Mais tarde, naquela mesma noite, o presidente Emmanuel Macron lamentou a posição da Itália sobre a questão. Quando questionado sobre a polêmica por um repórter italiano, o presidente francês disse que “vocês não têm a mesma sensibilidade no seu país”.

— Eu lamento, mas respeito, porque foi a escolha soberana do seu povo — disse ao repórter, acrescentando: — A França tem uma visão de igualdade entre mulheres e homens, mas não é uma visão partilhada por todo o espectro político.

Macron fez referência à conquista histórica alcançada em março, quando a França tornou-se o primeiro país a proteger explicitamente em sua Constituição a “liberdade garantida” das mulheres de realizar um aborto, inserindo o trecho “A lei determinará as condições sob as quais a mulher é livre para interromper voluntariamente a gravidez” no artigo 34 da Carta Magna.

O gabinete de Meloni, por sua vez, negou que o direito ao aborto tivesse sido cortado da minuta da declaração final da cúpula, dizendo que as negociações estão em andamento com o Reino Unido, o Canadá, a França, a Alemanha, o Japão e os EUA.

Em resposta à fala de Macron, a premier italiana, que é contrária ao procedimento e se autodenomina “mãe cristã”, disse que não havia motivo para gerar polêmica sobre o assunto e alfinetou o líder francês, afirmando que é “profundamente errado” usar a cúpula do G7 como palanque eleitoral. No domingo, o presidente dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições após a derrota para a extrema direita local nas eleições para o Parlamento Europeu.

— Penso que é profundamente errado, em tempos difíceis como estes, fazer campanha (para uma eleição) utilizando um fórum precioso como o G7 — disse a premier aos jornalistas, citada pela Reuters.

No poder desde 2022, Meloni já foi acusada por ativistas de direitos humanos de tentar dificultar a interrupção da gravidez na Itália. Embora o aborto seja legal no país de maioria católica desde 1978, o acesso a ele é um desafio devido à alta porcentagem de ginecologistas que se recusam a realizá-lo por motivos morais ou religiosos.

Em abril, o parlamento italiano aprovou uma medida da coalizão do governo de extrema direita de Meloni que permitia que ativistas contra o aborto entrassem em clínicas de consulta, provocando a indignação dos partidos de oposição.

Francesco Lollobrigida, ministro da Agricultura da Itália e cunhado de Meloni, questionou se era “oportuno” que o G7 fizesse uma declaração de apoio ao direito ao aborto, com a presença do Papa Francisco.

Francisco é o chefe da Igreja Católica, que condena firmemente o procedimento, e participa da cúpula nesta sexta-feira como convidado de Meloni, mas não faz parte do G7.

Elly Schlein, líder do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda da Itália, acusou Meloni de prejudicar a Itália no cenário internacional ao lançar dúvidas sobre um “direito fundamental”.

— Não temos nenhuma utilidade para uma premiê que não defende os direitos de todas as outras mulheres deste país — disse a parlamentar, classificando a discussão sobre o aborto no G7 como “uma vergonha nacional”. (Com AFP)

Fonte: O Globo

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