Cúpula do G20 reativa imagem do Brasil como ator na diplomacia global, mas traz desafios

São Paulo sediou encontro da Trilha das Finanças do G20
São Paulo sediou encontro da Trilha das Finanças do G20 — Foto: Marcelo Justo

Para além dos resultados mais evidentes e a esperada declaração final, o G20 já começou a surtir efeitos colaterais. E para o Brasil, em especial, o maior de todos: a reabilitação da percepção sobre o país como ator funcional no campo da governança global e da diplomacia multilateral. Os holofotes permanecerão sobre o país até a conferência do clima, no ano que vem, quando a cúpula de Belém, no Pará, em 2025, marcará a presidência brasileira sa COP30. Parte da relevância do G20 no quesito sustentabilidade está justamente em fazer esta ponte e firmar o país como protagonista nesta seara.

— O fluxo é fundamental, pois manterá o protagonismo brasileiro neste campo — garante o ex-embaixador do Brasil na China Marcos Caramuru, conselheiro do Cebri, para quem, mais do que “um big bang”, os G20 têm a capacidade de oferecer ganhos “incrementais”.

O G20 não é um organismo, não tem tratados, nem cria tratados. Por isso, não se deve esperar medidas vinculantes, ou seja, que se tornem lei. A ideia é que ofereça impulso político de alto nível a questões globais. Para o especialista Rajuv Bhatia, do programa de estudos de Política Externa do think tank Gateway House em Nova Délhi, o grupo tem um melhor controle na definição e abordagem dessas questões e na elaboração de soluções para elas.

— A cúpula de Nova Délhi demonstrou isso amplamente. Resta saber se a comunidade mundial será capaz de implementar essas soluções. Quanto ao impacto da geopolítica, ele existe e está à vista de todos, mas o G20 precisa se esforçar, com razão, para encontrar soluções para os desafios econômicos internacionais, uma vez que é o principal fórum para a cooperação econômica internacional — disse Bhatia, que é ex-embaixador da Índia no México, África do Sul, Quênia e Myanmar.

Analistas apostam em um conjunto de iniciativas que, somadas, podem representar importantes avanços. Muitas delas pelo simples fato de darem visibilidade e chancelar ações em curso.

O desenho de uma aliança na área da saúde para fomentar a produção regional de vacinas e medicação, que está em curso, também deve ganhar a chancela do G20 e se fortalecer. Isso deve favorecer o Brasil, que tem uma indústria competitiva no setor e pode abastecer, por exemplo, mercados como americano. A iniciativa tem por objetivo evitar futuras corridas a medicamentos e vacinas, como aconteceu durante a pandemia.

O Brasil ainda tem a chance de colocar em evidência a importância dos biocombustíveis na agenda internacional, item da agenda que ainda sofre resistências de países desenvolvidos, sobretudo europeus.

— Parte da resistência às vezes é desconhecimento. Poucos conhecem o programa do etanol no Brasil, ou que os automóveis no país circulam com uma mistura de quase 30% na gasolina — disse o secretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, embaixador Maurício Lyrio e sherpa das negociações pelo lado brasileiro.

Outro tema relevante é a introdução na agenda de uma discussão sobre a taxação dos super-ricos, um dos itens de predileção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que começa a reverberar entre as outras economias do grupo e a ganhar contornos mais claros.

Para Lyrio, a experiência acumulada ao longo de décadas em vários países, e a comprovação de que já se tiraram dezenas de milhões do mapa da fome no passado recente, deve ser a chave para o sucesso da Aliança Global contra a fome e a Pobreza, que será aberta para adesões em julho. Ele aposta no fato de se tratar de imperativo moral para convencer as nações ricas a se engajarem como doadores e colaboradores técnicos. Ainda assim, analistas desconfiam da boa vontade de países desenvolvidos em desembolsar novos recursos.

— Os países olham mais problemas nacionais. Têm situação orçamentária apertada. Há ainda a chamada fadiga da ajuda ao desenvolvimento — diz o ex-embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero.

Entre as políticas sociais internacionais que estarão no cardápio da aliança global contra a Fome e a Pobreza, a da merenda escolar tem efeitos sobre diversos segmentos econômicos. Ao prever que 30% dos alimentos fornecidos às crianças venham de produtores locais, estimula-se o desenvolvimento regional e a distribuição de renda para a agricultura familiar.

O combate à pobreza ainda passa pela transição energética em ações que podem ter resultados imensos:

O tema da cocção limpa (clean cooking), por exemplo, está sendo discutido no âmbito da transição energética do G20, e pode afetar cerca de 2,3 bilhões de pessoas que não tem acesso a métodos saudáveis para preparar alimentos, dependendo de lenha, querosene ou carvão como combustível para cozinhar. O Brasil tem apoiado discussões sobre o tema da cocção saudável na FAO e na Agência Internacional de Energia, que realiza, em maio, cúpula sobre o tema. A ideia é atrair apoio e financiamento para ampliar o acesso à cocção limpa no mundo. O etanol pode ser uma das soluções e poderia ser produzido pelos países africanos como fonte de combustível limpa e renovável a ser usada nos pequenos fornos domésticos. A poluição do ar doméstico está associada a cerca de 3,7 milhões de mortes prematuras por ano, especialmente de mulheres. A pandemia e a inflação dos preços de energia por conta de conflitos piorou o problema, que afeta em grande parte a África Subsaariana.

Para Creon Butler, diretor do programa de economia global e finanças do prestigioso think tank britânico Chatham House, é possível chegar a acordo sobre o texto de alto nível no que diz respeito, por exemplo, à aliança global contra a fome. Mas garantir que contenha medidas e compromissos concretos será mais difícil, especialmente quando a probabilidade de um aumento significativo da ajuda ocidental ao desenvolvimento é baixa, dadas as pressões econômicas internas que enfrentam. Sobre utilizar o sistema financeiro e a regulação dos bancos centrais para incentivar o cumprimento dos objetivos do acordo de Paris de financiamento à transição energética e ao combate à mudança do clima, o especialista concorda que seja iniciativa eficiente. Mas alerta que só vai funcionar se enquadrada nos mandatos existentes dos bancos centrais.

— Por exemplo, controlar o risco dos ativos financeiros do setor privado e, quando permitido, apoiar as prioridades econômicas do governo como objetivo secundário. Também será importante ter um menu de opções, para que diferentes países possam fazer coisas diferentes no espaço político, em vez de um tamanho único — afirmou Butler.

Para a professora de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Michelle Ratton, é preciso ler com lupa o texto final dos líderes. Afinal, haverá muitos recados para o futuro, conceitos econômicos importantes e as tendências de como as nações devem se organizar em torno de temas da maior relevância. Do G7, segundo ela, saiu o que as sete nações mais poderosas do mundo entendem por “segurança econômica”. Tudo isso é lido com atenção pelos mercados.

Em sua avaliação o Brasil já teve grande vitória ao incorporar às discussões do G20 o C20, representado pela sociedade civil e movimentos de base. Para ela, é preciso ler com lupa o texto final do G20, já que as entrelinhas também trarão mensagens importantes.

Para Caramuru, o G20 ainda tem implicações domésticas importantes. Além de promover uma interação maior entre ministérios e entes do governo, já que a maior parte dos temas acaba se entremeando, também tem estimulado um debate maior sobre a política externa na nível da sociedade civil.

*Especial para O GLOBO

Fonte: O Globo

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