Crescem as tensões entre Israel e ONU sobre relatório sobre violência sexual do Hamas

Mais de 200 reféns foram feitos durante os ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro, segundo as autoridades israelenses. A maioria dos que retornaram foram libertados durante um acordo de cessar-fogo no ano passado.
Mais de 200 reféns foram feitos durante os ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro, segundo as autoridades israelenses. A maioria dos que retornaram foram libertados durante um acordo de cessar-fogo no ano passado. — Foto: Sergey Ponomarev | The New York Times

No mais recente sinal de tensões crescentes com as Nações Unidas, Israel alegou nesta terça-feira que o chefe da organização não estava tomando as medidas necessárias para lidar com o relatório, divulgado na segunda-feira, que apresentou evidências de que foram cometidas violências sexuais durante o ataque do Hamas, em 7 de outubro, e contra reféns. A acusação foi rebatida pelo porta-voz da agência. No mesmo dia da divulgação do documento, reivindicado há meses pelas autoridades e sociedade civil israelense, Tel Aviv chamou de volta seu embaixador na ONU para consultas.

Em uma publicação nas redes sociais, o ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, disse que havia chamado o embaixador da ONU, Gilad Erdan, para uma consulta em protesto contra o que ele disse ser um esforço conjunto do secretário-geral para “esquecer o relatório e evitar tomar as decisões necessárias”. Segundo informou o chanceler, Erdan estava em um avião de volta a Israel.

“O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Gutérres, levou a organização ao nível mais baixo quando ignora crimes terríveis contra a humanidade cometidos contra judeus e israelenses e se envolve constantemente em tentativas de desacreditar Israel e prejudicar o seu direito à autodefesa”, afirmou o chanceler no X (antigo Twitter).

O porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, rejeitou a alegação, dizendo que o trabalho sobre o documento foi feito de forma “completa e rápida” e que “de forma alguma o secretário-geral fez algo para ‘enterrar’ o relatório”.

O relatório encontrou “motivos razoáveis” para acreditar que a violência sexual havia ocorrido em pelo menos três locais, e a relatora especial da ONU sobre violência sexual em conflitos armados, Pramila Patten afirmou que há “informações claras e convincentes” de que as reféns estejam sendo submetidas à violência sexual, e de outros tipos, no cativeiro.

Observando que uma série de combatentes do Hamas e de outros grupos participaram do ataque, o relatório da organização afirmou, porém, que seus especialistas não puderam determinar quem foi o responsável pelas agressões sexuais. Em uma postagem no Telegram, o Hamas rejeitou o relatório, chamando as conclusões de falsas.

Katz anunciou a convocação do embaixador para consultas pouco antes da divulgação do documento, criticando o secretário-geral por não ordenar a convocação do Conselho de Segurança da ONU para declarar o Hamas uma organização terrorista, crítica que foi reforçada nesta terça-feira. Segundo os estatutos da organização, porém, Guterres não tem autoridade para convocar o conselho, apenas seu presidente e seus membros.

Independentemente dos conflitos entre os líderes israelenses e da ONU, o relatório foi bem recebido por muitos em Israel. O presidente israelense, Isaac Herzog, disse que o documento era “de imensa importância” e o elogiou por sua “clareza moral e integridade”.

O Hostage Family Forum (Fórum de Famílias de Reféns) disse em um comunicado divulgado na segunda-feira que o relatório tornou “flagrantemente óbvio que as mulheres reféns estão passando por um inferno a cada momento, a cada minuto”, e alertou que os israelenses não perdoarão o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e seu gabinete se não as trouxerem de volta para casa.

“O que mais precisa ser dito ou feito para que Netanyahu e os membros do gabinete estejam determinados a acabar com a crueldade que as mulheres reféns e os homens reféns suportam dia após dia?”, questionou o comunicado à imprensa.

A acadêmica de Direito e ativista dos direitos das mulheres, Ruth Halperin Kaddari, disse nesta terça-feira que estava confusa com a decisão de convocar o embaixador israelense nas Nações Unidas. O relatório da ONU, observou, “serve como confirmação no mais alto nível do fato de que a violência sexual e as atrocidades de gênero foram de fato parte do ataque do Hamas em 7 de outubro”.

No passado, ativistas israelenses expressaram frustração com o que consideravam ser a resposta lenta das Nações Unidas aos relatos de agressão sexual durante o ataque de 7 de outubro. A esposa do presidente Herzog, Michal, disse em uma rádio local nesta terça que o relatório era “a primeira vez, depois de cinco meses, que uma autoridade sênior da ONU apoia o que temos afirmado nos últimos meses”.

O documento baseou-se em informações coletadas ao longo de 17 dias em Israel e na Cisjordânia ocupada por uma equipe de especialistas liderada por Patten e detalhou os principais desafios na determinação do que de fato aconteceu no dia do ataque.

Afirmou que era quase impossível analisar o tipo de prova forense geralmente usada para determinar a agressão sexual e observou também um profundo nível de suspeita entre os israelenses em relação a organizações internacionais, como as Nações Unidas.

“A equipe achou um padrão das vítimas, na maior parte mulheres, encontradas totalmente ou parcialmente nuas, amarradas e baleadas em vários locais. Apesar de circunstancial, esse padrão pode indicar várias formas de violência sexual, incluindo tortura e tratamento cruel, desumano e degradante”, afirma o comunicado emitido na segunda, confirmando as alegações feitas há meses por organizações civis e pelo governo de Israel.

As tensões têm aumentado entre Israel e as Nações Unidas, que são amplamente desconfiadas em Tel Aviv. Guterres tem sido um crítico declarado da campanha militar de Israel em Gaza e tem pressionado por um cessar-fogo imediato e obrigatório, bem como pela libertação dos reféns feitos durante o ataque terrorista.

Em outubro, ainda no início do conflito, Erdan pediu a Guterres que renunciasse por comentários que condenavam a “punição coletiva do povo palestino”. Na época, o então chanceler israelense e atual ministro da Energia, Eli Cohen, chegou a questionar Guterres em “que mundo ele vive”, após a fala a favor de civis nos territórios palestinos.

Israel também acusa funcionários da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) de envolvimento nesses ataques. O chefe da agência, Philippe Lazzarini, afirma que o Estado judeu está em uma “campanha deliberada e planejada para minar” as operações da agência. (Com The New York Times)

Fonte: O Globo

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