Corte de Haia rejeita medidas de emergência pedidas pela Nicarágua contra Alemanha por apoio à guerra em Gaza

O presidente da Corte Internacional de Justiça (CIJ), Nawaf Salam, assiste à decisão do tribunal sobre o pedido da Nicarágua de medidas de emergência contra a Alemanha.
O presidente da Corte Internacional de Justiça (CIJ), Nawaf Salam, assiste à decisão do tribunal sobre o pedido da Nicarágua de medidas de emergência contra a Alemanha. — Foto: REMKO DE WAAL/ANP/AFP

O principal tribunal das Nações Unidas, com sede em Haia, rejeitou nesta terça-feira uma solicitação da Nicarágua para que a Alemanha suspendesse o envio de ajuda a Israel, principalmente a assistência militar, sob o argumento de que, ao fornecer armas a Israel, Berlim viola a Convenção sobre Genocídio da ONU de 1948, criada após o Holocausto, o que o país europeu nega. Apesar da decisão, o caso não foi totalmente rejeitado. A Corte ainda não comentou o mérito do caso apresentado, o que pode levar meses ou mesmo anos.

Por 15 votos a um, o tribunal considerou “que as circunstâncias não são tais que seja obrigado a exercer o seu poder de indicar medidas provisórias”, segundo o presidente do tribunal, o libanês Nawaf Salam. A equipe jurídica de Berlim — um dos principais fornecedores de armas a Israel — afirmou que três em cada quatro licenças expedidas para exportação referiam-se a material não letal, e os juízes responsáveis por analisar os fatos aceitaram.

Em sua sustentação apresentada no início do mês, o país europeu alegou que o fornecimento de armas ao Estado judeu ocorre com base em um “exame minucioso que supera em muito os requisitos do direito internacional”, e que, portanto, a atuação alemã no conflito está “solidamente” fundada nestas diretrizes.

Outro argumento baseia-se no fato de que a Alemanha não viola a convenção de 1948 porque ela sequer estaria sendo violada por Israel, uma retórica que poderia ser apresentada por outros países que possam vir a ser alvo no futuro de casos semelhantes. Os argumentos da Nicarágua baseiam-se no caso levado ao mesmo tribunal pela África do Sul em dezembro, no qual o país africano acusa Israel de “genocídio” contra os palestinos.

Apesar da decisão da Corte sobre os atos de Israel — se configuram ou não genocídio — ainda não ter sido emitida, o tribunal declarou que a operação militar israelense no enclave palestino representa um risco plausível à população palestina e determinou que Israel tome medidas para evitar violações da convenção de 1948.

Em sua decisão, a Corte de Haia afirmou que continua “profundamente preocupada com as condições de vida catastróficas dos palestinos na Faixa de Gaza”, onde a represália israelense já matou mais de 34 mil pessoas. O tribunal recordou ainda que todas as partes “nos termos do artigo 1º das Convenções de Genebra, […] têm a obrigação de ‘respeitar e garantir o respeito’ pelas Convenções ‘em todas as circunstâncias'”.

O caso apresentado pela Nicarágua tem um escopo muito mais amplo do que o de Pretória, invocando violações das Convenções de Genebra, em particular a obrigação de proteger civis durante conflitos armados, e da convenção contra genocídio. Manágua também acusa Israel de outras condutas “ilegais” nos territórios ocupados.

A decisão da Corte foi saudada pelo Ministério das Relações Exteriores alemão. Em um comunicado no X (antigo Twitter), a chancelaria escreveu que “ninguém está acima da lei” e que a máxima “orienta nossas ações”.

“A Alemanha não é parte no conflito no Oriente Médio, pelo contrário: estamos comprometidos dia e noite com uma Solução de Dois Estados. Somos o maior doador de ajuda humanitária aos palestinos. Estamos trabalhando urgentemente para garantir que a ajuda chegue às pessoas em Gaza”, afirmou, reforçando que Israel tem direito à defesa contra os ataques praticados pelo Hamas em outubro. “Ainda há mais de 100 reféns nas mãos do Hamas, que utiliza a população de Gaza como escudos humanos.”

Internamente, o apoio da Alemanha a Israel é visto como um dever histórico devido ao Holocausto, praticado durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45). Lideranças alemãs chamam o apoio de “Staatsräson”, ou Razão de Estado, como uma forma de expiar esse genocídio. A Nicarágua destacou em seu documento que “seria compreensível” que a Alemanha apoiasse uma “reação apropriada” de Israel aos ataques do Hamas, “mas isto não pode representar uma desculpa para violar o direito internacional”.

O embaixador da Nicarágua na Holanda, Carlos José Argüello Gómez disse no tribunal que “os palestinos esperavam um pouco mais” e que, na sua opinião, “o importante é que a Corte indicou que, com o material de que dispõe no momento, não pode ditar medidas”.

— Se as coisas evoluírem, a Nicarágua solicitará novamente a atenção da Corte sobre o assunto — prometeu, relembrando que Berlim retomou seu financiamento à Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA), suspenso após Tel Aviv denunciar que seus funcionários participaram do ataque de 7 de outubro, um dos pedidos feitos por Manágua.

Apesar da vitória alemã no tribunal, o painel de juízes não rejeitou totalmente o caso, tal como solicitado pela Alemanha. A Corte de Haia ainda não comentou o mérito do caso apresentado, o que pode levar meses ou mesmo anos. Por isso, na visão do chefe do programa de direitos humanos do Instituto de Pós-Graduação de Doha, Moataz el-Fegiery, a decisão desta terça-feira “não é o fim da história”.

— Há uma batalha legal que continuará e muitas outras questões com os quais o tribunal lidará, com relação à jurisdição para examinar o caso ou o mérito — explicou à rede catari al-Jazeera, lembrando ainda da ação movida pela África do Sul.

El-Fegiery pontuou certa frustração à rejeição das medidas solicitadas por Manágua, já que uma possível determinação contra a Alemanha enviaria “uma mensagem jurídica importante para muitos outros países que estão agora apoiando Israel” com armas e equipamentos. Advogados dizem que Berlim é um alvo mais fácil para um processo do que os EUA, principal aliado de Israel, já que o país europeu concedeu jurisdição total à CIJ, enquanto Washington nega sua jurisdição, exceto nos casos em que dá seu consentimento explícito.

A CIJ foi criada para resolver disputas entre países e se tornou uma figura central na guerra entre Israel e o Hamas, iniciada com os ataques de 7 de outubro contra o Estado judeu, deixando 1,2 mil pessoas mortas e fazendo mais de 240 reféns. Desde então, a represália levada a cabo por Israel já deixou mais de 33 mil palestinos mortos — em sua maioria, menores e mulheres. Este é o terceiro caso perante o tribunal este ano que trata do conflito.

A África do Sul solicitou pela primeira vez medidas de emergência ao tribunal, argumentando que Israel corria o risco de cometer genocídio, uma afirmação que o tribunal considerou plausível. O tribunal ordenou que Tel Aviv garantisse que seus cidadãos e soldados não violassem a Convenção sobre Genocídio, assinada pelo Estado Judeu.

Pretória também fez uma petição ao tribunal sobre a fome em Gaza e obteve uma nova decisão ordenando que Israel permita a entrega de alimentos, água e outros suprimentos vitais “sem demora”. Israel negou veementemente ambas as acusações.

Em fevereiro, o tribunal também assumiu um caso solicitado pela Assembleia Geral da ONU sobre a legalidade da ocupação dos territórios palestinos por Israel. As audiências, planejadas muito antes da guerra, contaram com a participação de mais de 50 países, a maioria dos quais expressou raiva e frustração com os ataques de Israel a Gaza e com o aumento do número de mortes de civis.

As decisões da corte são vinculantes, mas o órgão jurisdicional não possui mecanismos de execução. Por exemplo, a corte ordenou à Rússia que parasse a invasão da Ucrânia, o que Moscou não acatou.

— O CIJ não vai acabar com a guerra em Gaza, mas é uma ferramenta diplomática que a política externa usa para aplicar pressão adicional sobre Israel — disse Brian Finucane, consultor sênior do International Crisis Group. — No caso da Nicarágua, ela aplica ainda mais pressão sobre a Alemanha.

O próprio governo da Nicarágua está enfrentando sanções por políticas repressivas no país. No mês passado, um relatório especial da ONU afirmou que os inúmeros abusos cometidos pelo governo, incluindo a prisão e a deportação de figuras da oposição, bem como de clérigos católicos, eram “equivalentes a crimes contra a humanidade”. (Com AFP e NYT)

Fonte: O Globo

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