Corredor de ajuda marítima da UE para Gaza deve funcionar antes de porto dos EUA; entenda por que ONGs criticam medidas

Presidente do Chipre, Nikos Christodoulides (dir.), e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, inspecionando o porto de Lárnaca, no Chipre
Presidente do Chipre, Nikos Christodoulides (dir.), e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, inspecionando o porto de Lárnaca, no Chipre — Foto: Andreas LOUCAIDES / PIO / AFP

Os planos para a entrega de ajuda humanitária pelo mar à Faixa de Gaza, território devastado pela fome após cinco meses de guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, avançaram nesta sexta-feira com o anúncio da criação de um corredor marítimo a partir do Chipre e da construção de um porto temporário pelos Estados Unidos, na véspera. A medida, no entanto, é criticada pelas Nações Unidas e por organizações não governamentais, que alertam sobre o alto custo e a complexidade da operação, que também é insuficiente para atender às enormes necessidades da população.

— Estamos agora muito próximos da abertura do corredor, esperamos que seja neste sábado, neste domingo, e estou muito feliz em ver que a operação piloto inicial será lançada hoje — disse a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a repórteres em Lárnaca, no Chipre, nesta sexta-feira.

Alemanha, Grécia, Itália, Holanda, República do Chipre, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido unirão esforços para lançar o corredor, de acordo com um comunicado da UE. A operação “complexa” será “coordenada de perto com o governo de Israel”, acrescentou o comunicado.

O anúncio foi feito um dia após o presidente dos EUA, Joe Biden, revelar, durante o discurso anual sobre o estado da União, que o Exército do país comandará “uma missão de emergência para estabelecer um cais provisório no Mediterrâneo, na costa de Gaza, que possa receber grandes carregamentos de alimentos, água, medicamentos e abrigos temporários”.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Lior Haiat, saudou o plano, dizendo que ele “permitirá o aumento da ajuda humanitária à Faixa de Gaza, depois que as verificações de segurança forem realizadas de acordo com os padrões israelenses”, e conclamou outros países a aderirem à iniciativa:

— Israel continuará a facilitar a transferência de ajuda humanitária para os residentes da Faixa de Gaza de acordo com as regras de guerra e em coordenação com os EUA e nossos aliados em todo o mundo — declarou.

O projeto, no entanto, pode levar de 30 a 60 dias para ser desenvolvido, segundo informações fornecidas pela Casa Branca ao jornal New York Times na quinta-feira. E dará apenas um breve alívio para os cerca de 2,2 milhões de palestinos ameaçados pela fome após cinco meses de guerra, segundo a ONU.

— A diversificação das rotas de suprimento por terra [ainda é a solução ideal] — afirmou a coordenadora de ajuda da ONU para o território palestino, Sigrid Kaag, após uma reunião a portas fechadas com o Conselho de Segurança, na quinta-feira. — É mais fácil, mais rápido e mais barato, especialmente se soubermos que precisamos sustentar a assistência humanitária para os habitantes de Gaza por um longo período de tempo. As entregas por ar ou por mar não substituem o que precisamos ver chegar por terra.

Além disso, as autoridades não entraram em detalhes sobre como a ajuda entregue por via marítima seria transferida da costa para Gaza. Uma opção é manter a plataforma no mar e transferir as mercadorias por barcos menores; outra opção seria construir uma ponte temporária que permitiria que os caminhões levassem as mercadorias diretamente para o enclave.

No entanto, a simples entrega da ajuda por mar não resolve diretamente o problema central de que os caminhões não têm conseguido entregar as mercadorias em meio aos intensos bombardeios israelenses e aos combates terrestres, que continuam ferozes no sul do país. Tampouco resolveria o caos que tem acompanhado as entregas.

Palestinos que trabalham em organizações humanitárias disseram ao jornal israelense Haaretz crer que a iniciativa de Biden é uma arma de relações públicas para desviar a atenção de sua incapacidade de conseguir um cessar-fogo. Segundo relatos deles, há enormes quantidades de ajuda humanitária no aeroporto egípcio de El-Arish, no Sinai, prontas para serem entregues.

— Montar o porto e a logística vai demorar semanas. E até lá, o que acontecerá? As pessoas vão continuar morrendo em Gaza e Israel terá mais tempo para atacar? — questionou um funcionário.

Atualmente, a entrada de ajuda no território palestino é restrita a duas passagens terrestres para a parte sul de Gaza, ambas controladas por Israel. Autoridades disseram na quinta-feira que uma terceira passagem terrestre, para o norte, poderia abrir para entregas limitadas em uma semana.

Na semana passada, uma entrega de ajuda humanitária por terra terminou com mais de 100 mortes na Cidade de Gaza, segundo as autoridades palestinas, que acusaram as forças israelenses de disparar contra a multidão. Israel nega, afirmando que as mortes decorreram de um tumulto e que houve tiros de advertência contra um grupo que se aproximou de forma perigosa de seus soldados.

Diante da situação humanitária desesperadora em Gaza, vários países começaram a enviar ajuda de paraquedas para o território palestino, um método difícil e insuficiente para atender às enormes necessidades da população, de acordo com autoridades ouvidas pela AFP. Jordânia, Egito e Emirados Árabes Unidos são alguns exemplos, assim como os EUA, que no sábado lançaram 38 mil sacos de ração alimentar, usada em situações de emergência.

Segundo uma autoridade americana de alto-escalão que conversou sob anonimato com a AFP, a ajuda é “apenas uma gota no oceano” para o suprimento das necessidades em Gaza, devastada por quase cinco meses de guerra e com pouco acesso a alimentos, água e medicamentos.

O envio de ajuda por via aérea também é perigoso. Pelo menos cinco pessoas morreram e outras dez ficaram feridas nesta sexta-feira após serem atingidas por pacotes de ajuda humanitária que estavam sendo lançados pelo céu, no campo de refugiados al-Shati, na Cidade de Gaza, norte do enclave.

Os fluxos de ajuda humanitária para a Faixa de Gaza foram reduzidos ao mínimo desde o início da guerra, em 7 de outubro. Segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro. Antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.

Dados do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha, na sigla em inglês) mostram que pelo menos 500 mil pessoas já vivem em situação de fome ou catástrofe humanitária em Gaza, e quase toda a população enfrenta escassez aguda de alimentos — a pobreza alimentar atinge 90% das crianças com menos de 2 anos de idade e 95% das mulheres grávidas ou que estão amamentando, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A ofensiva aérea e terrestre lançada por Israel em resposta ao ataque terrorista de 7 de outubro — que deixou 1,2 mortos e fez 240 reféns do lado israelense — já matou mais de 30,3 mil pessoas do lado palestino, principalmente mulheres e crianças, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo grupo terrorista Hamas. (Com AFP e New York Times)

Fonte: O Globo

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