Coreia do Norte está construindo ‘muro’ ao longo da fronteira com o Sul, afirma BBC

Imagem fornecida pelo governo sul-coreano mostrando uma obra de médio porte do lado norte-coreano da fronteira
Imagem fornecida pelo governo sul-coreano mostrando uma obra de médio porte do lado norte-coreano da fronteira — Foto: Ministério da Defesa da Coreia do Sul

Imagens de satélite obtidas pela BBC revelaram que a Coreia do Norte parece estar construindo uma espécie de muro na Zona Desmilitarizada (DMZ) que marca a divisa com a Coreia do Sul. A área é uma das mais fortificadas do planeta, e apesar de Pyongyang não comentar publicamente seus planos, como de hábito, analistas acreditam que se trate de mais um gesto de rompimento com políticas passadas voltadas à reunificação da Península.

As imagens da BBC, obtidas no dia 17 de junho, mostram uma estrutura de concreto que se estende por cerca de 7 km ao longo da DMZ — em novembro do ano passado, fotos de satélite da mesma região não traziam a estrutura, tampouco sinalizaram ações de preparação do terreno, como a retirada de árvores ou abertura de estradas de terra.

A revelação da BBC coincide com uma investigação do site NK News, do começo do mês, que apontava para obras em áreas próximas à DMZ — algumas delas localizadas a pouco mais de 1km da Linha de Demarcação Militar (a fronteira de fato). Em declarações ao site, o Comando das Nações Unidas na Coreia, que atua na área desde o conflito dos anos 1950, afirmou que “desde que a Coreia do Norte abandonou suas políticas de unificação, ela adotou medidas para fortalecer suas fronteiras”.

Uma fonte militar sul-coreana declarou à agência Yonhap, na semana passada, que “os militares norte-coreanos têm realizado recentemente trabalhos em algumas áreas, como construção de muros, escavação de terrenos e construção de estradas entre a Linha de Demarcação Militar (MDL) e o Limite Norte da DMZ, a 2 km ao norte da Linha de Demarcação Militar”. Em pelo menos três incidentes desde o começo de junho, militares norte-coreanos cruzaram a divisa, mas recuaram após tiros de advertência. Seul também forneceu imagens do que seriam soldados trabalhando em obras na área. Pyongyang não se pronunciou.

Em janeiro, em um rompimento com políticas elaboradas por décadas, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, declarou à Assembleia Suprema do Povo, principal órgão consultivo do país, que a Coreia do Sul era o “principal inimigo”, e que as agências dedicadas à reunificação da Península deveriam ser fechadas. Foi o ponto alto de um processo de deterioração dos laços que incluiu a explosão do escritório de contato com o Sul, em 2020, e que se acelerou com a chegada ao poder do conservador Yoon Suk-yeol em Seul, em 2022.

— As expressões “metade norte” e “unificação pacífica e independente e grande união nacional” devem ser apagadas de nossa Constituição — afirmou Kim, em janeiro. — A realidade é que a relação Norte-Sul não é mais de cordialidade ou homogeneidade, mas sim uma de países hostis, uma completa relação entre dois beligerantes no meio de uma guerra.

Monumentos celebrando a ideia da reunificação foram demolidos, contatos militares definitivamente encerrados e, mais recentemente, ações de provocação dos dois lados, incluindo caixas de som na fronteira e lançamentos de balões com lixo, retomadas.

— Enquanto a fronteira sul de nosso país estiver claramente delimitada, nenhuma linha, incluindo a ilícita e sem lei “Linha de Limite Norte”, poderá ser afetada — disse Kim, no discurso de janeiro. — Se [a Coreia do Sul] invadir nossas terras, espaço aéreo ou águas territoriais, nem que seja por 0,001 milímetro, será considerada uma provocação de guerra.

Oficialmente, as duas Coreias estão em estado de guerra desde 1953, quando foi assinado o armistício que pôs fim ao conflito travado ao longo de três anos, e que dividiu em definitivo a península. Ao longo do Paralelo 38 foi criada uma zona desmilitarizada altamente fortificada, sob constante vigilância e que não raro é cenário de confrontos localizados e eventuais fugas, na maioria do norte para o sul. Dado o nível de fortificação da DMZ, que se estende ao longo da fronteira e tem “zonas tampão” de 2km de extensão em cada um dos lados, analistas se questionam sobre os motivos que levariam Kim a erguer os muros.

Ao NK News, Christopher Green, professor da Universidade de Leiden, disse que a estrutura pode estar relacionada a ações de patrulha — de um ponto mais elevado, as tropas norte-coreanas poderiam observar os movimentos dos sul-coreanos na mesma área. Ao mesmo tempo, os muros elevam os riscos de erros de cálculo, ainda mais com as tensões elevadas e o acordo militar firmado em 2018, destinado justamente a amenizar os ânimos na DMZ, efetivamente enterrado.

À BBC, Kil Joo Ban, do Instituto de Relações Internacionais Ilmin, da Universidade da Coreia, sugeriu que o muro também ajudaria a monitorar possíveis fugas de militares norte-coreanos através da fronteira, mesmo sendo raros os casos do tipo — a maior parte dos que deixam o país ilegalmente o faz pela fronteira com a China, através do rio Yalu.

Mas a construção também pode ter motivação simbólica.

— A Coreia do Norte não precisa de mais barreiras para impedir um ataque do Sul, mas ao construir esses muros, está sinalizando que não quer mais a reunificação — disse à BBC Ramon Pacheco Pardo, chefe do departamento de Estudos Europeus e Internacionais do King’s College, de Londres.

Fonte: O Globo

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