Congonhas e Guarulhos: retomada do fluxo de passageiros expõe infraestrutura e serviços deficientes dos aeroportos de SP

Saguão do Aeroporto de Congonhas: concessionária planeja novo terminal de passageiros para dar conta do fluxo que vem aumentando e provocando desconforto. Falta espaço
Saguão do Aeroporto de Congonhas: concessionária planeja novo terminal de passageiros para dar conta do fluxo que vem aumentando e provocando desconforto. Falta espaço — Foto: Renato S. Cerqueira/Ato Press

Saguão lotado, filas generalizadas, falta de escadas e pontes de embarque, banheiros sujos ou parcialmente interditados. Essas são algumas reclamações de usuários dos dois aeroportos mais movimentados do país: Congonhas e Guarulhos, em São Paulo.

Quem frequenta os dois terminais, que são administrados pela iniciativa privada, reconhece facilmente esses problemas, que ficam a cada dia mais evidentes à medida que o fluxo de passageiros volta a ganhar força após o baque da pandemia, apesar do preço salgado das passagens.

O Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior do país, fechou 2023 com 40,4 milhões de passageiros, só 4% abaixo do registrado em 2019, antes da chegada da Covid-19. O fluxo segue em alta. No mês passado foram cerca de 3,2 milhões de passageiros, contra 2,9 milhões em fevereiro de 2023.

O aeroporto foi considerado o de pior serviço aos passageiros no ano passado numa avaliação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)de 12 terminais concedidos à iniciativa privada. O melhor foi o de Belo Horizonte/Confins.

Guarulhos é gerido por uma concessionária há 12 anos. Congonhas não passou pela avaliação da agência reguladora porque migrou para a iniciativa privada só em outubro do ano passado. É o segundo do país em fluxo de passageiros: 21,8 milhões no ano passado, o equivalente a 99,5% do volume registrado em 2019.

Na avaliação, a Anac considerou vários aspectos sobre as condições oferecidas a passageiros, como tempo em fila de inspeção, restituição de bagagem, limpeza, disponibilidade de informações e até o custo-benefício dos restaurantes.

— Há esteiras de bagagem quebradas nos terminais de desembarque 1 e 2, e parte do telhado ainda é a mesma da inauguração do aeroporto, em 1988. A estrutura está enferrujada e há risco de queda do teto na área de desembarque doméstico do Terminal 2 — diz Rodrigo Maciel, presidente do Sindicato dos Aeroviários de Guarulhos (SindiGru).

Essa falta de estrutura, principalmente no Terminal 2, é notada logo pelos viajantes. O arquiteto e urbanista Matheus Carvalho ficou poucas horas ali, numa escala entre Brasília e Nova York, mas foi tempo suficiente para notar uma grande diferença entre o Terminal 2 e o 3, que é mais recente.

— A gente percebe que a estrutura do Terminal 2 é das mais antigas. É bem mais datado, já está mais cansado visualmente. Tem muito ferro, muita sombra, não tem o mesmo padrão do 3, mais contemporâneo — observou Carvalho, que achou altos os preços dos restaurantes e lanchonetes. Numa delas, um salgado e um chope saíam por R$ 75.

Outra queixa recorrente é a limpeza e conservação dos banheiros. O GLOBO encontrou cabines interditadas em Congonhas e nos terminais 1 e 2 de Guarulhos.

Há tapumes em outras áreas do aeroporto internacional devido às obras do monotrilho que vai ligar o terminal com uma estação de trem da região. Hoje, o trajeto entre o aeroporto e a estação ferroviária é feito de ônibus.

O produtor de vídeos Bruno Reis usou carro de aplicativo para ir até Guarulhos para embarcar para o exterior, mas teria optado pelo transporte público se a ligação fosse melhor.

— Com certeza, eu preferiria que tivesse um sistema de transporte público melhor para o aeroporto. O trem só sai de hora em hora, e sair da Estação da Luz de madrugada não tem a menor condição — afirma.

O acesso é um problema que Guarulhos e Congonhas têm em comum. Gisele Banheti, sócia de uma empresa de eventos corporativos e usuária frequente dos dois aeroportos, diz que acessá-los por transporte público é inviável.

— O transporte público não chega. É preciso sair do trem e pegar outro ônibus. Não para dentro do terminal, como em outros países. É um perrengue porque você está com mala, sempre com muita coisa — diz Banheti, que faz ao menos um voo nacional por mês e um internacional a cada dois.

Em Congonhas, sem ligação direta por trem ou metrô, como a maioria chega de carro, o congestionamento no entorno dá início à aflição ainda do lado de fora. No interior, a visão do saguão é quase sempre de muita gente para pouco espaço, ainda mais nos horários de pico, conta a empresária:

— É lotado sempre, tem um volume absurdo de pessoas. Temos um problema estrutural de capacidade física e demanda. São Paulo é muito grande para ter dois aeroportos desta maneira.

Apesar de deficiências similares, os dois aeroportos que funcionam como porta de entrada da maior cidade do país vivem momentos distintos em relação aos investimentos.

À frente de Congonhas há quase seis meses, a espanhola Aena detalha hoje uma série de projetos, como a construção de um novo terminal de passageiros.

Na transição entre a gestão pública e privada, os passageiros enfrentaram falhas estruturais como falta de energia, estacionamentos lotados, filas longas e incidentes com jatos de aviação executiva, o que fez a Aena vetá-los na pista principal.

Já no caso de Guarulhos, Thiago Nykiel, da consultoria de infraestrutura Infraway, lembra que, passada mais da metade do prazo de 20 anos de concessão, a operadora GRU Airport não deve mais fazer grandes investimentos estruturais, com pouco tempo de retorno:

— Neste momento da concessão, a operadora faz apenas pequenos investimentos.

O advogado Felipe Bonsenso, especialista no setor aeronáutico e usuário frequente de Congonhas, diz que o aeroporto instalado no meio da capital paulista tem um problema crônico, que dificulta os planos da concessionária: a falta de espaço. As áreas de acesso e estacionamento são limitadas, há poucos banheiros e não há lugar para mais opções de entretenimento e alimentação.

— Congonhas é um terminal antigo e tombado. Não foram feitas atualizações ao longo do tempo e, como está no meio da cidade, não há para onde expandir — pondera.

A falta de pontes de embarque suficientes para a demanda e problemas com ônibus e escadas para embarque na pista, outra queixa comum nos dois aeroportos, expõe deficiências nos contratos de concessão, opina o sindicalista Rodrigo Maciel.

As concessionárias ficaram livres para escolher os prestadores de serviço de acordo com seus critérios financeiros, mas os contratos não estabeleceram as bases de uma fiscalização rigorosa da qualidade, ele avalia. Maciel diz que a Infraero ao menos tinha padrões transparentes para a escolha de equipamentos e serviços de manutenção.

— Hoje, a GRU Airport não tem diálogo aberto — reclama.

Para Bonsenso, parte da solução passa também pelo investimento das companhias aéreas em tecnologia e pessoal para agilizar e organizar o atendimento nos terminais:

— Problemas não são culpa de apenas um ente. São resultado de um conjunto de ações.

Investir na otimização de atendimentos, ampliar equipes e promover melhorias estruturais em terminais e arredores são algumas das metas que concessionárias, companhias aéreas e órgãos públicos procurados pelo GLOBO têm para melhorar a qualidade do serviço nos dois aeroportos de São Paulo.

A Aena informou que, desde que assumiu a operação de Congonhas, revitalizou esteiras e elevadores, reforçou equipes de limpeza e segurança e aumentou o número de operadores de raios-X para reduzir filas. A concessionária pretende reformar banheiros ainda este ano e, no longo prazo, tem como principal plano a construção de um novo terminal de passageiros.

Sobre o acesso a Congonhas, o governo do Estado de São Paulo afirmou que pretende concluir até o fim de 2025 as obras da Linha 17-Ouro, que terá uma estação com ligação direta ao aeroporto.

A Prefeitura de São Paulo afirmou que faz operações de trânsito contínuas para melhorar a fluidez das vias no entorno de Congonhas e que estuda uma resolução que defina uma Zona de Embarque de Aplicativos (ZAE) no aeroporto, uma área para motoristas de app. A SPTrans informou que 18 linhas de ônibus passam por Congonhas.

A GRU Airport afirmou que trabalha com autoridades e órgãos competentes para garantir a segurança e qualidade dos serviços do Aeroporto Internacional de Guarulhos. Lembrou que ampliou a entrada e o espaço de circulação no saguão do Terminal 2 e prometeu iniciar neste ano a operação do aerotrem que vai conectar os terminais de Guarulhos com a CPTM.

A Anac informou que leva às concessionárias as demandas de passageiros e que já concluiu 155 processos sancionadores contra concessionárias de aeroportos. Em 52, foram aplicadas multas de R$ 528,6 milhões. Guarulhos tem o terceiro maior número de processos: de 19 concluídos, sete resultaram em multas e quatro em advertência.

A agência diz monitorar a operação de Congonhas desde a concessão, em outubro de 2023. Desde então, já recebeu 38 queixas de passageiros sobre o terminal, que estão sob análise de sua equipe técnica.

O Ministério dos Portos e Aeroportos indicou que “mantém acompanhamento contínuo” do setor em contatos com concessionárias, companhias aéreas e governos na promoção de soluções para melhorar o transporte aéreo no país.

Gol, Azul e Latam destacaram esforços nos dois aeroportos para reduzir filas e tempo de espera no check-in com o uso de tecnologias de autoatendimento e canais digitais.

A Azul informou que tem cinco opções de check-in digital, além de totens de autoatendimento. A Gol afirmou que suas equipes trabalham com tablets e impressoras móveis para agilizar o serviço aos passageiros.

A Latam, além de canais digitais, disse trabalhar com o governo e a indústria para ampliar o uso de reconhecimento facial no check-in, além de investir em inteligência artificial para otimizar o atendimento e fluxo nos aeroportos.

*Guilherme Muniz é repórter da CBN São Paulo

Fonte: O Globo

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