Como expandir o técnico com qualidade?

O tema de maior divergência no projeto de lei do ensino médio, aprovado na semana passada na Câmara, foi a carga horária de formação geral básica em cursos técnicos e profissionais. A tramitação continuará no Senado, mas será fundamental, para além das discussões sobre carga horária, aprofundarmos o debate sobre as garantias que União e Estados darão de que a opção dos jovens pela trajetória profissionalizante não acontecerá de forma precária.

Considerando três anos com 200 dias letivos e cinco horas diárias, a carga horária mínima do ensino médio totaliza 3.000 horas. No caso das trilhas de aprofundamento propedêuticas (linguagens, matemática, ciências da natureza ou ciências humanas e sociais), foi estabelecido a obrigatoriedade de, no mínimo, 2.400 horas de formação básica, sobrando 600 para o aprofundamento na área de escolha.

Essa conta, porém, não fecha nos cursos profissionalizantes, que têm, em sua maioria, carga horária total específica de 1.200 horas. Para integrá-los ao médio sem expandir os horários ou dias letivos, a solução acordada pelos partidos na Câmara (exceção da federação PSOL/Rede) foi encurtar o tempo da formação geral básica para 2.100 horas (com a opção de que 300 possam contar tanto para a formação básica quanto para a profissionalizante).

Esse debate seria menos intenso caso houvesse garantia de que a expansão prevista da educação integral (com ao menos sete horas diárias) abarcasse todas as escolas públicas onde são ofertadas a trajetória profissionalizante, o que não consta do projeto de lei enviado ao Senado.

A possibilidade de que a formação geral básica seja menor para alunos do profissionalizante reavivou o temor de retorno à estrutura dualista do século passado, explicitada pela Constituição de 1937 (“ensino pré-vocacional destinado às classes menos favorecidas”) e pelas reformas de Gustavo Capanema, ministro do Estado Novo que em 1942 justificou o ensino secundário (não profissionalizante) como destinado “à preparação das individualidades condutoras”. Ou seja, as elites. “Criar dois ensinos médios distintos, com cargas diferentes (…) é um retrocesso, uma volta ao passado e um convite à precarização”, discursou em plenário o deputado federal Tarcísio Mota (Psol-RJ).

A tensão entre os caminhos profissionalizantes e tradicionais no ensino médio teve vários capítulos ao longo do século XX, mas é possível afirmar que, hoje, o dualismo não mais se verifica entre as duas modalidades. O país tem 11% de alunos do ensino médio em cursos profissionalizantes, patamar bem inferior à média da OCDE (42%). O desempenho médio desses estudantes no Pisa, Saeb e Enem é superior ao de alunos de escolas estaduais. Ou seja, hoje, em média, na rede pública, concluir o ensino médio numa escola técnica aumenta as chances de aprovação no superior. Vários estudos têm também demonstrado impactos positivos no mercado de trabalho.

Essas conclusões, porém, não garantem que esses bons resultados obtidos com um público restrito se mantenham a partir do momento em que ocorra uma expansão em massa. Ampliar a educação profissionalizante no ensino médio é um consenso. A questão é quais garantias teremos de que essa escolha por parte dos jovens não resultará em prejuízo acadêmico ou profissional.

Fonte: O Globo

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