Com abstenção dos EUA, ONU aprova resolução sobre cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza

Palestinos deslocados fugindo da área próxima ao hospital al-Shifa chegam pela rodovia costeira ao campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, em meio às contínuas batalhas entre Israel e o grupo militante Hamas.
Palestinos deslocados fugindo da área próxima ao hospital al-Shifa chegam pela rodovia costeira ao campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, em meio às contínuas batalhas entre Israel e o grupo militante Hamas. — Foto: AFP

O Conselho de Segurança da ONU aprovou, nesta segunda-feira, uma proposta de resolução para o conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza que menciona explicitamente a exigência de um cessar-fogo imediato na região. A aprovação, possível apenas pela abstenção dos Estados Unidos, ocorre quase seis meses após o início do conflito, depois de uma série de tentativas anteriores serem barradas — a última delas há três dias, quando uma proposta dos americana foi vetada por Rússia e China por não exigir o cessar-fogo em termos decisivos, segundo os países.

A resolução desta segunda-feira foi adotada com 14 votos a favor, nenhum contra e a abstenção dos EUA. O texto “exige um cessar-fogo imediato para o mês do Ramadã”, período sagrado dentro do Islamismo iniciado há 15 dias, e que este período leve a uma trégua duradoura. Também “exige a libertação imediata e incondicional de todos os reféns”.

O texto aprovado foi apresentado pelos 10 membros não permanentes do Conselho. A negociação para a redação final foi descrita como intensa “até ao último minuto”. Os EUA pediram uma mudança para trocar o termo “cessar-fogo permanente” por “cessar-fogo duradouro” — linguagem que, segundo diplomatas, deixaria espaço para Israel se defender — e apelou a ambos os lados para criarem condições onde a paralisação dos combates pudesse ser sustentada. Uma proposta de emenda russa, que dizia que o cessar-fogo imediato deveria levar a um cessar-fogo “permanente”, foi rejeitada.

— Certas edições importantes foram ignoradas, incluindo nosso pedido para adicionar uma condenação ao Hamas. Não concordamos sobre tudo o que consta da resolução. Por esse motivo, não pudemos votar “sim”. Mas apoiamos plenamente alguns dos objetivos críticos desta resolução não vinculativa e acreditamos que era importante que o conselho se manifestasse e deixasse claro que qualquer cessar-fogo deve vir acompanhado da libertação dos reféns — afirmou a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, após a aprovação.

As resoluções do Conselho de Segurança são juridicamente vinculativas e são consideradas direito internacional e, embora o Conselho não tenha meios de fazer cumprir a resolução, pode impor medidas punitivas adicionais a Israel. O secretário-geral da ONU, António Guterres, que viajou no fim de semana ao Egito e esteve na fronteira com Gaza, afirmou que a resolução deveria ser implementada imediatamente.

“O Conselho de Segurança acaba de aprovar uma resolução há muito esperada sobre Gaza, exigindo um cessar-fogo imediato e a libertação imediata e incondicional de todos os reféns. Esta resolução deve ser implementada. O fracasso seria imperdoável”, escreveu Guterres em sua conta no X (antigo Twitter).

— Um cessar-fogo pode começar imediatamente com a liberação do primeiro refém — disse Thomas-Greenfield. — Este é o único caminho para garantir um cessar-fogo.

A primeira medida a exigir abertamente o fim das hostilidades chega em um momento particularmente delicado da ofensiva israelense em Gaza. O premier de Israel, Benjamin Netanyahu, autorizou que a atividade militar se expandisse para Rafah — último reduto para quase 1,5 milhão de palestinos deslocados pelo conflito — provocando temor de uma catástrofe humanitária.

Enquanto a operação não se materializa, soldados israelenses lutam nos arredores de ao menos dois hospitais na Faixa de Gaza, incluindo o al-Shifa, o maior do enclave, onde operam desde a semana passada. O segundo cerco a uma unidade hospitalar está armado no hospital al-Amal, em Khan Yunis. Israel diz que homens do Hamas e da Jihad Islâmica se reagruparam nestes locais e que atuam com nível de “precisão”, mas as agências humanitárias alertaram sobre os riscos de civis encurralados e ao pessoal médico.

A abstenção americana repercutiu mal entre a cúpula do governo israelense. Netanyahu, cancelou a visita de uma delegação que seria chefiada pelo ministro da Defesa Yoav Gallant à Casa Branca, após os EUA não vetarem a decisão. Um comunicado do gabinete do premier, divulgado pela agência estatal israelense Kann, diz que “os EUA recuaram da sua posição consistente no Conselho de Segurança que ligava um cessar-fogo à libertação dos reféns”.

A Casa Branca se disse “muito decepcionada” com o cancelamento da visita, planejada previamente e que discutiria preocupações sobre uma possível ofensiva no sul de Gaza. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, disse que o encontro seria uma conversa longa sobre “alternativas viáveis” para a operação em Gaza.

Ao longo da guerra, os EUA vetaram quatro projetos de resolução que pretendiam alcançar um cessar-fogo imediato. Em dois dos últimos textos, que apresentavam entre as demandas o cessar-fogo e a liberação imediata dos reféns, o país foi o único a votar contra — pelas regras do Conselho de Segurança da ONU, os membros-permanentes têm poder de veto.

Por este motivo, o mundo reagiu com surpresa quando o secretário de Estado americano, Antony Blinken, anunciar, na semana passada, que o país iria propor um projeto de resolução que pediria o cessar-fogo imediato vinculado à soltura dos reféns. O texto foi à votação, mas derrubado por Rússia e China, que disseram que o texto não colocava de forma clara as exigências e daria margem à interpretações que poderiam justificar a invasão de Rafah por Israel.

Pouco depois da aprovação da proposta apresentada nesta segunda-feira, Kirby afirmou que a abstenção na votação não sinalizava uma mudança na política de Washington. De acordo com o porta-voz, os EUA apoiam um cessar-fogo, e se absteve porque a resolução não condena o Hamas. (Com AFP e NYT)

Fonte: O Globo

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