Cirurgia ‘fake’, cicatrizes, prejuízo de até R$ 13 mil: médica é acusada por 22 pacientes por golpe com falsos diagnósticos de câncer

Carolina Biscaia: médica de Pato Branco é investigada por golpe com falsos diagnósticos de câncer
Carolina Biscaia: médica de Pato Branco é investigada por golpe com falsos diagnósticos de câncer — Foto: Reprodução / Redes sociais

A Polícia Civil do Paraná investiga 22 queixas feitas contra a médica Carolina Biscaia Carminatti, de 35 anos, que atua na cidade de Pato Branco e é acusada por pacientes de aplicar golpes informando falsos diagnósticos de câncer de pele, na intenção de lucrar com a realização de procedimentos cirúrgicos sem efeito. Só uma das vítimas, contam os investigadores, teria sido lesada em cerca de R$ 13 mil — além do trauma e das cicatrizes. Caso indiciada, ela poderá responder pelos crimes de estelionato, lesões corporais e falsificação de documento particular.

A polícia recebeu uma série de denúncias dos pacientes que haviam descoberto, só depois de toda a exposição física e psicológica sofrida, que os diagnósticos de câncer entregues por Biscaia seriam falsos. Com a repercussão do caso, o número de supostas vítimas só aumentou: pessoas que dizem ter perdido de R$ 5 mil a R$ 13 mil em procedimentos falsos. Os investigadores cumpriram mandado de busca e apreensão no consultório da médica e foram recolhidos computadores, celulares e documentos, que passam por perícia.

— As vítimas contam que procuravam a médica para uma consulta dermatológica por conta de algum problema e, já na primeira consulta, a médica olhava pintas, manchas na pele e indicava que podia ser câncer. Com isso, ela recolhia o material para mandar para exame e, na sequência, marcava uma nova consulta onde mostrava um laudo supostamente falsificado onde constava que aquela pessoa estava com câncer — conta o delegado Helder Andrade Lauria, à frente das investigações. — Nesse mesmo momento ela já realizava procedimentos cirúrgicos para retirada dessas manchas e cobrava os valores. Algumas vítimas procuraram outro laboratório, onde acabaram recebendo um laudo original, onde não constava nenhuma doença. Ao contrário do que havia dito a médica, elas não tinham câncer.

Os pacientes relatam que, desesperados, perguntavam à médica se os altos valores cobrados poderiam ser pagos via plano de saúde, mas ela negava. Além disso, pressionava para que o valor fosse pago, em dinheiro ou cartão, imediatamente, ali mesmo no consultório. Quem hesitava em aceitar a cirurgia, lidava com a insistência da profissional, segundo eles. A própria Carolina realizava as cirurgias. O advogado André Luiz Rodrigues Hamera, que representa esses pacientes, revela sobre o que essas vítimas relatam.

— Os pacientes tinham que pagar de imediato. Ela colocava uma pressão em cima desses pacientes que era surreal. Ela dizia: “olha, se você não retirar, vai se alastrar e é muito grave, você precisa fazer a cirurgia com urgência” — conta. — Uma cliente minha disse que ficou muito abalada com a notícia e que não tinha como decidir nada naquele momento. Ela, mais tarde, começou a encaminhar áudios falando: “Tem que fazer, se o problema for dinheiro, agente tá um desconto”.

O advogado conta que as vítimas começaram a desconfiar quando pediram os exames à médica, que apontavam o suposto câncer, e ela retornava via WhatsApp com um documento cheio de erros. Quando foram ao laboratório informado no papel confrontar as informações, descobriram que a empresa também era vítima do suposto esquema.

— Ela pegava um trecho do diagnóstico de alguém que realmente tinha a doença e fazia uma sobreposição no papel. Xerocava e depois apresentava às vítimas, como sendo de fato o exame verdadeiro — acrescenta.

Rodrigues comenta também sobre os danos físicos — alguns permanentes — e psicológicos supostamente provocados pela médica.

— Algumas vítimas tiveram que costurar 10, 12 pontos por procedimentos sem nenhuma necessidade. Uma paciente ficou com uma cicatriz gigantesca na perna. Quem olha as fotografias fica impressionado — relata o advogado. — Fora os danos psicológicos. Porque uma coisa é você receber um diagnóstico de gripe, outro é ouvir que você tem câncer. Vários clientes meus estavam com parentes tratando câncer, e até câncer de pele, mesmo, quando receberam os diagnósticos. Uma tinha a avó fazendo radioterapia por câncer de pele. Então, quando as famílias recebiam essas notícias, se desestruturavam.

A reportagem apurou que o inquérito já está em fase final na Polícia Civil. Por conta da repercussão do caso, e o aparecimento de novas vítimas nas últimas semanas, os investigadores aguardam apenas um prazo para dar oportunidade para que novos pacientes que tenham sido vítimas do suposto esquema apareçam.

Procurado, o advogado de Carolina Biscaia, Valmor Antonio Weissheimer, afirmou em nota que “não existe qualquer acusação formal contra sua cliente” e que nessa fase de investigações a defesa “aguarda a perícia técnica ser juntada aos autos de inquérito, para análise”.

“Após o nosso exame, iremos requerer a juntada de novos documentos, bem como testemunhas, à autoridade policial, desejando ajudar a instruir o relatório final”, acrescenta Weissheimer. “Se porventura sobrevir Ação Penal, estamos preparados para contestar ponto a ponto e confrontar, de forma técnica, todas as teses que virão para justificar ao magistrado a absolvição de nossa cliente”

Para o advogado, não há provas de crime ou infração cometidos pela médica.

“Sobre as possíveis ações cíveis entendemos que não existem quaisquer provas cabais que possam induzir o juízo a julgá-las procedentes. Com relação ao CRM, iremos comprovar que não restam evidências que possam levar o órgão de classe a qualquer punição em face da profissional. Nossa cliente está calma, porque é sabedora que tudo será esclarecido no momento certo”.

Ao GLOBO, o Conselho Regional de Medicina do Paraná informou que instaurou um procedimento sindicante, que corre sob sigilo, “para apurar possível desvio ético cometido pela referida médica”. Questionado, o CRM-PR informou ainda que Carolina Biscaia está regularmente inscrita, mas não possui registro de especialidade neste Conselho.

A Sociedade Brasileira de Dermatologia no Paraná reforçou o que disse o CRM-PR e acrescentou ainda que “a médica já havia sido denunciada e julgada anteriormente por anunciar indevidamente a especialidade”.

Carolina Biscaia Carminatti pertence a uma família de médicos muito conhecida na cidade de Pato Branco. Já protagonizou, inclusive, entrevistas e capa de revista na imprensa local. Segundo a polícia, não há indícios de que outras pessoas estejam envolvidas no esquema supostamente tocado pela médica.

Fonte: O Globo

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